A crise económica mundial de 1929 a 1933

A crise económica mundial de 1929 a 1933

Em 1922, na Conferência Monetária de Génova, os participantes decidiram instituir um sistema padrão de câmbio-ouro (Gold Exchange Standard), pela qual a manutenção do valor-ouro de uma moeda deveria ser assegurada por uma reserva adequada de bens, que não fosse necessariamente ouro, e pela possibilidade de cada participante estabelecer um mercado livre do ouro e a sua convertibilidade limitada. A Inglaterra viria a restabelecer a convertibilidade da sua moeda em 1925, sem qualquer desvalorização. Na véspera da crise de 1929, uma trintena de países são centros-ouro e vinte e cinco funcionam com um padrão de câmbio-ouro.

Na falta de estruturas permanentes, como o Fundo Monetário Internacional, o sistema acordado em Génova obrigava à acção solidária dos grandes bancos centrais da época. Todavia, entre 1925 e 1929, as grandes instituições bancárias oscilavam entre a rivalidade e a cooperação, entre a solidariedade e a defesa dos seus interesses nacionais. Muitos destes bancos recorreram ao pagamento das melhores taxas de juros possíveis, com o objectivo de atrair os capitais flutuantes e conseguir a estabilidade das moedas respectivas. Estes movimentos especulativos provocaram uma grande insegurança, para além de ser altamente inflacionista. 
A inflação que se desenvolveu até 1924/1926 afectou profundamente as economias debilitadas pela guerra. Ao mesmo tempo, a economia americana tinha deixado de crescer, com a agricultura, as indústrias da primeira revolução industrial e a construção sofreram um visível abrandamento. Na Europa, a Grã-Bretanha, a Alemanha e a Itália viviam já em plena depressão, na medida em que, desde o Verão de 1928, os bancos e os investidores americanos tinham começado a reduzir as suas compras de obrigações alemãs e doutros países para passarem a investir os seus fundos no mercado de acções de Nova lorque. Apesar de os sinais serem evidentes, os investidores poucas importâncias deram aos mesmos, já que os preços das acções continuavam em alta permanente.

Em 24 de Outubro de 1929 - a chamada Quinta-Feira Negra estabeleceu-se o caos na Bolsa de Nova Iorque, em Wall Street. Vendas imprudentes na Bolsa de Valores provocaram uma pesada baixa nos preços das acções e perdas de milhões de dólares. Uma nova sessão desastrosa viria a ocorrer em 29 de Outubro. Os valores das acções continuaram bruscamente a cair. Os bancos pressionavam para que mais acções fossem lançadas no mercado, a qualquer preço, para que os investidores pudessem pagar os seus empréstimos.

Os americanos que tinham investido na Europa deixaram de fazer novos investimentos, venderam os activos aí disponíveis e repatriaram os fundos. A retirada do capital da Europa continuou no decorrer de 1930. Isto não impediu que cerca de 5000 estabelecimentos bancários e 32 000 empresas comerciais tivessem ido falência, originando perdas na ordem dos 40 milhões de dólares.

A crise estendeu-se então à banca europeia, acabando por atingir duramente a Grã-Bretanha.

Esta situação viria a agravar-se ainda mais com o congelamento dos activos estrangeiros ou pelo imposto do controlo de câmbios, feito pelos bancos da Europa Central, onde a Grã-Bretanha tinha feito grandes investimentos; pelo corte repentino dos pagamentos das reparações alemãs e pela necessidade de pagar avultadas indemnizações internacionais.

No Verão de 1931, ocorreu o esgotamento das reservas de moeda estrangeira e ouro na Grã-Bretanha, obrigando o Parlamento Britânico a suspender a obrigação de converter a libra. A recusa britânica do padrão-ouro é um momento único na história económica mundial, já que era o reconhecimento explicito de que Londres tinha deixado de ser um dos dois centros financeiros mundiais.

Apesar de os mercados financeiros terem estabilizado, os preços das mercadorias continuaram baixos, a produção decresceu acentuadamente e o desemprego atingiu cerca de 12 milhões de pessoas, o que representava cerca de 25% da força de trabalho americana.

Em 1932, o número de desempregados no mundo ocidental atingiu 30 milhões, sendo os países mais industrializados os mais afectados: EUA (17 milhões); Alemanha (6 milhões); Inglaterra (3 milhões) e Japão (2,5 milhões).

O desemprego atingia especialmente as camadas médias da população, o mundo rural e, sobretudo, o proletariado, afectando profundamente o equilíbrio social. Não é por acaso que certos grupos sociais passam a apoiar regimes políticos mais autoritários, ao mesmo tempo que os Governos passavam a ter uma intervenção cada vez maior na economia.

As principais características da crise e as suas consequências no mundo

Ainda que não haja um consenso geral sobre as causas da crise económica de 1929, há um acordo generalizado sobre as razões da sua gravidade e extensão. Estas dizem respeito as políticas praticadas pela Grã-Bretanha e os Estados Unidos da América. Antes do conflito mundial, a Grã-Bretanha, enquanto principal nação industrial, financeira e comercial ao nível mundial, tinha desempenhado um papel central na estabilidade da economia. A sua política comercial de livre-câmbio permitia que as mercadorias pudessem encontrar sempre aí um mercado. Os seus avultados investimentos externos permitiam aos países com défices orçamentais encontrar também recursos para o equilíbrio dos seus pagamentos. A sua adesão ao padrão-ouro, a par da permanência de Londres como mercado monetário, significou que os países com problemas nas balanças de pagamentos poderiam descontar letras de câmbio ou outro papel comercial.

Depois da I Guerra Mundial, a Grã-Bretanha deixou de poder estar em condições de exercer essas actividades, embora isso não tivesse sido evidente até 1931. Os Estados Unidos da América, por seu lado, apesar de ser a economia dominante, não estava ainda capaz de assumir esse papel. Se tivesse assumido uma política mais aberta nos anos 20 e, sobretudo, entre 1929 e 1933, a crise teria sido mais suave e de mais curta duração.

O impacto da crise mundial em África e Moçambique

A crise dos anos 30 em África, parece estar mais ligada com a crise estrutural da economia colonial do que com a propagação da crise mundial de 1929. Todas as colónias africanas viriam a ser influenciadas pela crise económica, ainda que nem todas as regiões tenham sido tocadas simultaneamente com a mesma intensidade.

Os sectores que sofreram mais rapidamente foram aqueles que estavam mais dependentes da situação financeira mundial e do capitalismo europeu. Assim, o sector financeiro foi o mais atingido, levando:
  • O sector bancário, ainda jovem e muito frágil, a racionalizar as suas actividades, apos ter sofrido com as suas especulações bolsistas e com a ruína das pequenas empresas e o regresso dos colonos à Europa.
  • O abrandamento dos investimentos, com a intervenção crescente dos poderes públicos em sectores que estavam tradicionalmente nas mãos dos privados.
  • A uma baixa no montante das exportações e das receitas aduaneiras.
No sector agrícola, a principal actividade em África, a baixa cotação dos produtos agrícolas no mercado mundial tinha ocorrido antes de 1930, levando a que as companhias comerciais baixassem também os preços das compras destas matérias-primas aos camponeses, num período extremamente difícil para estes, que tinham, muitas vezes, de suportar uma subida dos impostos. Os camponeses africanos tentaram ultrapassar esta situação:
  • Com o aumento do volume da produção, com o encorajamento da administração colonial, que criou incentivos sob a forma de prémios à produção ou à exportação.
  • Com o regresso às culturas de subsistência, que libertava os camponeses de uma situação de dependência face ao exterior.
Dum modo geral, a crise reforçou os sectores de economia de plantação colonial e indígena, permitindo economias de escala e uma rendibilidade superior associada a melhores equipamentos, visando mercados tendencialmente em alta e a longo prazo.

Igualmente, o sector mineiro viria a ser duramente atingido pela crise, que se reflectiu na:
  • Falência de grande número de empresas europeias.
  • Quebra na procura.
  • Queda dos preços.

Importações (I) e
Exportações (E)
1913
1924
1929
1931
1935

I
E
I
E
I
E
I
E
I
E
África Ocidental britânica
11,4
13,8
20,1
26,3
24,7
32,0
11,8
17,3
16,5
22,4
África Oriental britânica
8,6
5,0
15,6
14,6
21,3
19,6
12,2
9,3
14,0
16,3
União Sul-africana
40,4
64,6
63,6
80,7
79,0
89,0
49,7
65,0
73,2
97,9
Outros territórios britânicos
5,2
7,0
5,9
8,4
13,3
11,0
10,8
6,8
9,8
15,2
AOF
6,0
5,0
8,9
7,6
10,7
9,4
6,2
5,7
8,9
9,4
AEF
0,8
1,5
-
0,5
2,2
1,2
2,4
1,1
2,1
2,3
Territórios sob mandato francês 
2,2
1,6
1,5
1,5
2,4
3,0
1,5
1,1
1,3
1,8
Colónias portuguesas
4,4
3,0
5,4
4,5
7,8
6,2
5,8
4,2
4,3
3,8
Colónias belgas
2,8
2,2
5,1
5,0
11,4
8,3
6,2
6,8
4,2
9,3


A crise em Moçambique

A República Portuguesa não conseguiu resolver a crise de 1890, que iria prolongar-se até à década de 1930.

A instabilidade política e económica que se Vivia em Portugal reflectia-se também em Moçambique. Entre 1910 e 1926, por exemplo, Moçambique conheceu 14 governadores, sendo três altos-comissários, seis governadores-gerais e cinco interinos, espelhando a situação vivida na metrópole.

Os insucessos das reformas portuguesas tinham a ver com o modelo económico proteccionista e virado para o mercado interno. Até à I Guerra Mundial existiu uma expansão mais ou menos constante, mas a situação viria a alterar-se com o conflito mundial, devido à entrada precipitada daquele pais na guerra. A partir de 1916, a situação financeira agravou-se, tendo o custo da mesma sido estimado na ordem dos 60 ou 80 milhões de libras, gastos com os confrontos não oficiais em Angola (1914-1915) e com a tentativa de expulsar as forças alemãs de Moçambique, onde se haviam instalado apos a sua retirada da África Oriental Alemã. Sobrecarregado com uma enorme divida de guerra, Portugal foi obrigado ä recorrer à emissão de papel-moeda, gerando um rápido processo inflacionista, provocando uma forte desvalorização do escudo em relação à libra.

Neste contexto de inflação galopante, em 1920, foram dados aos altos-comissários de Angola e Moçambique plenos poderes de autonomia financeira. A realização de grandes empreendimentos económicos e outras obras de prestígio, levaram estes altos-comissários a contrair pesados empréstimos junto do Banco Nacional Ultramarino (BNU). No caso particular de Moçambique, sem a amplitude da crise em Angola, a política de crédito fácil do alto-comissário Brito Camacho e as dificuldades provocadas pela África do Sul originaram uma crise nas transferências do Banco Nacional Ultramarino em 1922.

Banco Nacional Ultramarino: fundado em 16 de Maio de 1864, com a função de ser o banco emissor para as colónias portuguesas. Instalou agências e delegações em Angola e Cabo Verde (1865), S. Tomé, India (1868), Moçambique (1877), Macau (1902), Guiné (1903) e Timor (1912).
Manuel Brito Camacho (1862-1934): Médico militar, escritor, publicista e político da I República Portuguesa. Entre outros cargos públicos de relevo, exerceu o de Alto Comissário da República em Moçambique, de 1921 a 1923.

O BNU respondeu então com a obrigatoriedade das transações em moeda portuguesa, o que fez com que dois bancos ingleses cessassem as suas actividades como protesto, enquanto outro banco português, o Banco Comercial e Agrícola, fechou as suas portas em 1925. O impacto da crise foi, porém, menor que em Angola por várias razões:
  • As companhias majestáticas, que controlavam mais de metade do território, tinham autonomia financeira.
  • A entrada das invisíveis na colónia provenientes dos transportes ferroviários e da imigração, é mais significativa.
Neste período, o comércio colonial perdeu importância e o sistema de trocas transformou-se. O mercado ultramarino não recebia mais do que 12 ou 13% das exportações metropolitanas, que estagnavam ou diminuíram a partir de 1922. A exportação de vinhos portugueses caiu desde 1924 e a de têxteis, desde 1922. As importações, provenientes das colónias, adquiriram um maior peso no abastecimento do mercado português.

As tentativas da superação da crise

Numa primeira fase, os diferentes Estados, fiéis às teorias liberais prevalecentes, consideraram que a crise era acidental, temporária e normal. Todos os governos da época levaram a cabo, pouco a pouco, uma política de deflação que acentuou as tendências depressivas iniciais. As prioridades dos governos da época foram:
  • A manutenção da estabilidade dos câmbios, com o objectivo de restabelecer a estabilidade da moeda, a confiança e a retoma do investimento.
  • O equilíbrio orçamental, procurando evitar a inflação.
  • O restabelecimento dos grandes equilíbrios externos.
A deflação monetária e orçamental e a imposição autoritária dos preços e dos rendimentos tiveram um pesado custo social, económico e político. A austeridade empobreceu as populações, proletarizou as classes médias, provocando ainda o desespero dos desempregados e do mundo rural.

O papel de Roosevelt

Franklin Roosevelt
Em 1932, Franklin Roosevelt, candidato do Partido Democrata às eleições presidenciais, propôs aquilo que ficou conhecido por New Deal (Novo Acordo), defendendo uma forte intervenção do Estado, através da:
  • Regulamentação das relações entre capital e o trabalho.
  • Controlo dos preços.
  • Redução de despesas improdutivas.
  • Investimentos ambiciosos nas infra-estruturas.
  • Mobilização nacional.
  • Pleno emprego.
Simultaneamente a estes pontos básicos, Roosevelt declarava que o Estado Federal tinha responsabilidades permanentes no bem-estar social, o que significava algo radicalmente novo na Vida política americana. Durante o seu governo, que terminaria com a sua morte em 1945, foram realizadas as maiores reformas económicas e sociais no pais, assegurando um novo relacionamento entre empresas e sindicatos, uma plataforma mínima de bem-estar aos mais pobres e criando uma sólida classe média.

Na concepção do seu idealizador, o New Deal seria praticado em duas etapas:
  • A primeira, visando a recuperação da economia.
  • A segunda, de reformas estruturais de longo alcance.
A sua intervenção fez-se sentir em quatro grandes áreas: agricultura, indústria, previdência social e administração pública.

No sector da agricultura, iniciou-se uma política de concessão de créditos a milhares de famílias de produtores em dificuldades. O governo concedeu igualmente subsídios aos agricultores que voluntariamente diminuíssem a sua produção ou apenas se dedicassem a culturas que enriquecessem o solo, com o objectivo de reduzir a oferta de produtos agrícolas no mercado, permitindo o aumento dos preços. Em 1940, cerca de 6 milhões de agricultores eram beneficiados com este programa. A procura de novos mercados para os produtos agrícolas americanos foi outra área a que foi dada atenção. Em resultado desse conjunto de medidas, em 1939 os rendimentos agrícolas tinham duplicado, comparativamente a 1932.

Na indústria, foi aprovada a legislação e programas com o objectivo de diminuir o dia de trabalho, proibir a exploração da mão-de-obra infantil, assegurando ainda o direito de negociação colectiva dos trabalhadores e o direito dos mesmos se filiarem nos sindicatos à sua escolha. Tornou ilegal uma prática muito comum, que passava pela recusa das empresas em não contratarem trabalhadores filiados em qualquer sindicato ou associação de trabalhadores. Em resultado disso, o número de trabalhadores sindicalizados aumentou de 9 milhões, em 1940, para 15 milhões, em 1945.

Na área da previdência social, deu-se, pela primeira vez, garantia aos idosos, desempregados e inválidos. Até este momento, este aspecto de legislar sobre o assunto competia a cada um dos Estados, o que tinha gerado inúmeras injustiças sociais, com muitos Estados a impedirem a criação de qualquer sistema nessa área. A aprovação, no Congresso, de programas prevendo benefícios para deficientes e crianças excepcionais, seguro de desemprego e serviços de saúde pública, foi resultado de um combate árduo e complexo.

Para diminuir o número de desempregados, foram criados grandes projectos públicos. O mais importante deles, foi o Tennessee Valley Authority (Administração do Vale do Tennessee), compreendendo a construção de barragens hidroeléctricas, reaproveitamento do solo para cultivo e o incentivo de inúmeras actividades económicas naquela região. Foram igualmente construídos ou reabilitados cerca de 400 000 kms de estradas; puseram-se em funcionamento 40 000 escolas, com a contratação de 50 000 professores; instalaram-se mais de 3,5 milhões de tubos de água e esgoto, além de praças e campos desportivos em todo o país. Na construção civil, um departamento governamental avalizava os financiamentos imobiliários, permitindo o crescimento neste sector.

Ao nível da administração pública, foi desencadeada uma forte campanha contra a corrupção em cargos do governo e contra o abuso do poder por parte dos partidos políticos. Foi igualmente debatido o poder judiciário, que estava a funcionar como uma verdadeira barreira ao New Deal, na medida em que os juízes consideravam inconstitucionais os projectos que iam contra as suas próprias concepções políticas ou filosóficas. O debate restituiu ao cidadão americano a confiança no sistema democrático, perdida durante a crise económica da década de 1930.

Apesar do consumo ter aumentado em cerca de 50%, após três anos de investimentos governamentais, o prolongamento da depressão económica nos Estados Unidos da América deveu-se relutância em abandonar a doutrina do orçamento equilibrado, pela qual o compromisso dos governos era a defesa da estabilidade da moeda através do equilíbrio das contas públicas, em vez de procurar substituir a deficiência dos investimentos privados por despesas governamentais financiadas por empréstimos. Ainda que o programa de obras públicas e de controlo de preços tenha sido eficaz, a adopção de uma política fiscal e monetária rígida neutralizou em parte os seus efeitos expansionistas.

Os regimes ditatoriais

Terminada a I Guerra Mundial, parecia que a Europa se tinha encaminhado decisivamente para a democratização dos seus sistemas políticos, com:
  • A implementação do sufrágio universal.
  • A concessão do direito de voto as mulheres.
  • A representação proporcional.
  • O controlo efectivo dos governos pelos parlamentos de cada um dos países.
O direito à auto-determinação também triunfou, ainda que a questão das minorias nacionais fosse uma fonte de conflitos, apesar dos seus direitos terem sido juridicamente reconhecidos e a assimilação violenta tivesse sido condenada. A reforma agrária, em muitos casos, completou o quadro do reformismo democrático do pós-guerra.

Ainda que a agitação social tenha sido particularmente violenta na Alemanha e na Itália, ela não foi capaz de levar o proletariado à revolução mundial. O equilíbrio alcançado é severamente restringido pelo empobrecimento das classes média e proletária. Aparentemente, a social-democracia alargou a sua base de apoio, surgindo governos dessa orientação na Alemanha, em Novembro de 1918; na Grã-Bretanha, em 1923/1924; na Suécia e na Dinamarca, ainda nos anos 20. No entanto, neste período, surgem também os sinais anunciadores do totalitarismo, com a existência dos primeiros governos autoritários na Hungria, em 1919; na Itália, com a subida do fascismo em 1922; e na Espanha, com a ditadura de Primo de Rivera, entre 1923 e 1930.

Social-democracia: ideologia política surgida no final do século XIX, por partidários marxistas, que defendia que a transição para uma sociedade socialista poderia ocorrer por uma via reformista, por meio de uma evolução democrática.
Totalitarismo: designa o tipo de regime de Estado que procura regular não apenas a Vida pública, mas também a Vida privada dos seus cidadãos. Num Estado deste tipo, existe a tendência para a existência dum partido único, o exercício do monop61io ideológico, a militarização da Vida pública, a ausência de separação entre o Estado e a sociedade civil e a criação dum forte aparelho de repressão que assegure o domínio absoluto sobre os seus cidadãos.

Na verdade, a fragilidade económica e a dependência de muitos destes países, o atraso do mundo rural, a existência de classes operárias minoritárias e a magreza das classes burguesas impediam a estabilização dos regimes democráticos, ainda que existissem nesses países regimes constitucionais. Nos países economicamente desenvolvidos onde já existia estabelecida uma herança liberal e onde havia uma estrutura social mais apropriada, os regimes democráticos tinham tendência a resistir melhor. Mas em qualquer dos casos, os Estados liberais mostraram-se incapazes de enfrentar os difíceis anos do pós-guerra.

Os ressentimentos nacionais e a crise económica impediram a criação de uma federação europeia ou até, simplesmente, uma união aduaneira. De qualquer maneira, a prosperidade anterior à I Guerra Mundial não voltaria a ser alcançada, agora em confronto com a concorrência norte-americana e japonesa.

O Fascismo na Itália

O processo de fascização italiano foi muito rápido, começando em finais de 1920, princípios de 1921 assumindo o carácter de um movimento político de massas e instalando-se no poder em 1922. Porém, o seu processo de estabilização seria muito mais lento, terminando em 1925.

Imediatamente após a I Guerra Mundial, declarou-se em Turim, no norte de Itália, um grande movimento de reivindicações operárias, onde 150 000 operários elegeram conselhos de fábrica que, em Agosto/Setembro de 1920, durante a «Grande Greve», funcionavam e dirigiam a produção, em vigilância armada e disciplina. Em virtude de o Partido Socialista e a Confederação Geral do Trabalho recusarem a sua solidariedade activa aos operários, acusados de anarco-sindicalistas, deu-se uma cisão no interior do Partido Socialista, criando-se então o Partido Comunista Italiano, em Janeiro de 1921.

Foi neste ambiente de subversão social que o fascismo, constituído em Milão, em 23 de Margo de 1919, por um antigo socialista de esquerda, Benito Mussolini, iniciou as primeiras acções, que se caracterizavam por incursões contra as greves operárias e ataques contra os jornais, secções socialistas, cooperativas operárias e associações sindicais, recrutando os seus membros entre a burguesia empobrecida e os antigos combatentes, tendo o apoio dos grandes proprietários fundiários e dos grandes arrendatários do norte e do centro do país. Concebido para actuar nas zonas urbanas, desenvolveu-se depois o fascismo rural, enquadrado na ofensiva da grande propriedade agrária, atacando as ligas camponesas, de tendências socialistas, comunistas ou mesmo católicas.

Na sua tentativa de se aproximar dos representantes políticos do grande capital e na tentativa de liquidar o fascismo rural, Mussolini decidiu assinar o pacto de pacificação com os socialistas, em 13 de Agosto de 1921. Este pacto provocou uma grave crise no seio do fascismo, levando a uma verdadeira luta entre Mussolini e os chefes provinciais, e até mesmo com os paladinos do fascismo rural. No Congresso de Roma, em Novembro, a transformação do movimento fascista em partido, permitiu liquidar o fascismo rural, ao mesmo tempo que se procedeu a uma ruptura com a ala «esquerdizante» sindicalista do movimento, estabelecendo relações politicas com as organizações do grande capital, reforçando ainda o papel dos organismos económicos-corporativos, como a Confederação da Indústria e a Confederação da Agricultura e a constituição de organizações paramilitares, com a participação da maioria dos fascistas.

A violência fascista desencadeou-se então no norte da Itália, a partir de 1922, perante a impotência do governo e dos partidos tradicionais. No seu seguimento, encarou-se a perspectiva da tomada do poder, com a cumplicidade de uma parte dos militares e da Casa Real, após ter subordinado a si o movimento nacionalista, constituindo-se então um partido nacional-fascista. Aquando da Marcha sobre Roma, o fascismo não encontrou qualquer resistência militar, permitindo a formação do primeiro governo de coligação, constituído por fascistas, nacionalistas, monárquicos, liberais e católicos.

Estabeleceu-se assim um regime de ditadura legal, na medida em que Mussolini obtém plenos poderes por um ano, ao mesmo tempo que reforça o seu poder pessoal, através do controlo dos ministérios do Interior e dos Negócios Estrangeiros. A acção governativa teve como objectivo a «normalização» da Vida do pais, através de:
  • Eliminação das desordens sociais e da «domesticação» dos sindicatos.
  • Respeito pelo pluralismo político.
  • Política externa prudente.
  • Controlo da imprensa.
  • ]Proibição das greves e do lock-out.
  • Constituição de sindicatos operários, únicos e obrigatórios, unidos às associações patronais nas corporações fascistas.
  • Transformação das «milícias» numa guarda pretoriana.

Lock-out: consiste na recusa da entidade patronal em ceder aos trabalhadores os instrumentos de trabalho necessários para a sua actividade.

As eleições realizadas em 1924, tiveram como objectivo conter o renascimento das oposições e dar ao fascismo a base legal que lhe faltava. Após a aprovação duma lei eleitoral que concedia dois terços dos lugares å lista que obtivesse 25% dos votos, os fascistas e os seus aliados ganharam as eleições, apesar de a oposição ter conseguido 45% dos lugares. No seguimento deste processo eleitoral é assassinado o deputado Giacomo Matteotti, em 10 de Junho de 1924, após ter apresentado provas das falsificações e das violências fascistas, abrindo uma crise política, com a retirada de todas as forças da oposição do parlamento. Ao recusar permanecer na câmara parlamentar, sem a prévia dissolução das «milícias» e dos outros órgãos ilegais de repressão, os partidos da oposição privaram-se de uma tribuna útil, permitindo o reforço da monarquia governamental. Com o apoio real, Mussolini destituiu os deputados oposicionistas, ilegalizando a oposição, acabando depois por desmantelar os últimos vestígios do Estado liberal, permitindo a instalação dum regime totalitário fascista, em Janeiro de 1925.

«A posição política do fascismo é determinada pelas seguintes circunstâncias elementares: os fascistas, em seis meses de actividade militante, carregaram-se de pesada bagagem de actos criminosos permanecerão impunes enquanto a organização fascista estiver poderosa e inspirar terror. Os fascistas puderam desenvolver a sua actividade unicamente porque dezenas de milhares de funcionários do Estado — sobretudo nos órgãos de segurança nacional (questores, guardas reais, carabineiros) e nos da magistratura — se tornaram seus cúmplices moral e materialmente. Estes funcionários sabem que a sua impunidade e a sua carreira estão estreitamente ligadas ao êxito da organização fascista e têm, por isso, o maior interesse em apoiar o fascismo em todas as tentativas que visem consolidar a sua posição política.
Os fascistas possuem - disseminados por todo o território nacional — depósitos de armas e munições em número suficiente para permitir a constituição de um exército armado de 500 000 homens.
Os fascistas organizaram um sistema hierárquico de tipo militar, que encontra a sua coroação natural e orgânica no Estado-maior.
Os fascistas não querem ir para a prisão - e isto está na simples lógica dos factos elementares — mas querem, pelo contrário, utilizar a sua força, toda a força de que dispõem, para ganhar a impunidade e atingir o fim último de todo o movimento: a posse do poder político...».
A. Gramsci, In: Ordine Nuovo, de 11 de Junho de 1921

O Nazismo na Alemanha

A consolidação do regime político alemão, saído da I Guerra Mundial, fez-se em benefício de uma «direita» que nutre uma profunda desconfiança em relação República. Os nacionais-alemães, que integraram o governo entre 1923 e 1928, representavam ainda uma Alemanha agrária e prussiana. A eleição do marechal Von Hindenburg, em 1925, caracterizou-se por uma intervenção no sentido mais conservador. O exército torna-se num refúgio dos adversários do novo regime, cujo reforço se faz custa do aumento dos orçamentos, ao mesmo tempo que encoraja a actividade dos grupos paramilitares, como os Capacetes de AGO. O processo de fascização entra em ruptura com o modelo parlamentar existente.

O Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP), ou simplesmente Partido Nazi, foi fundado em Munique, em Janeiro de 1919. Caracterizou-se, desde logo, pelas suas preocupações de carácter social, tendo recebido o apoio dos homens de negócios e do exército. Os seus princípios doutrinários passavam:
  • Pela defesa da xenofobia - o povo alemão, ariano, generoso e trabalhador.
  • Pela defesa do racismo - os judeus, inspiradores das ideologias marxistas, democráticas e das relações universais, que os nazis acusavam de gerar o apodrecimento do Estado.
  • Pela exaltação do sentimento patriótico e chauvinista - restaurar a Alemanha eterna e conquistar o «espaço vital», através da sua expansão territorial, à custa da URSS e da França.

Xenofobia: Medo irracional, aversão ou profunda antipatia em relação aos estrangeiros, estando normalmente associada a aversão a outras raças e culturas (racismo).
Chauvinismo: Sentimento ultranacionalista de certos grupos, que os leva a odiar as minorias e a perseguir os estrangeiros.

Apos uma tentativa falhada de golpe de Estado, em 8 de Novembro de 1923, conhecido pelo (putsch da Cervejaria de Munique», Adolf Hitler procedeu rápida reconstituição do Partido Nazi, cujo crescimento viria a ocorrer de 1929, através da mobilização da pequena burguesia desesperada, tendo o apoio e financiamento dos grandes industriais e banqueiros. Neste período, verifica-se a primeira refundição radical do programa nacional-socialista, marcado pelo esbatimento das exigências demasiado «anticapitalistas». Finalmente, em 1930, o partido declara-se partidário da legalidade constitucional, com vista à sua chegada ao poder.

A demissão do governo, que procurava executar uma política deflacionista e elaborar uma reforma agrária moderada, levou à constituição de um governo autoritário, integrando os nazis, ainda que numa posição subordinada, com o objectivo de neutralizar os sindicalistas e os socialistas. Nas eleições de Julho de 1932, os nazis obtém um grande resultado, passando de 107 para 230 deputados, o que leva o chanceler alemão a pensar na hipotética restauração do regime imperial. Ainda que nas eleições de 6 de Outubro, os nazis não conseguissem os mesmos resultados, fruto da violência das milícias e da diminuição do apoio financeiro do grande capital, Adolf Hitler tornou-se no novo chanceler a 4 de Janeiro de 1933. Iniciava-se então o processo de liquidação do Estado de direito, em que assentava a de Judeus detidos.

República, um ano apos a subida do Partido Nazi ao poder, este tornava-se o único partido na Alemanha, ao mesmo tempo que procedia à expulsão das diferentes sensibilidades políticas no governo e depuração da ala «esquerdizante» dentro do próprio partido.

A política fascista portuguesa em Moçambique

O Corporativismo em Portugal
A passagem da monarquia república em Portugal, em 5 de Outubro de 1910, não traduziu um alargamento das bases sociais ou económicas do novo regime. Por outro lado, a instabilidade política agravou-se.

Em 15 anos incompletos da vigência da Constituição, sucederam-se oito presidentes da República e 44 governos, abrindo campo a uma intervenção mais acentuada das forças armadas na Vida governamental.

Em Dezembro de 1917, o golpe militar do major Sidónio Pais, cuja ditadura duraria apenas um ano foi o preludio da reacção nacionalista de 1926.

A organização do movimento militar do «28 de Maio» nasceu nos primeiros dias de 1926, com o objectivo de restabelecer a ordem pública. A revolta, iniciada às primeiras horas da madrugada daquele dia, viria a terminar na noite do dia seguinte, com a demissão do governo, tendo sido nomeado como presidente do Conselho o capitão de marinha José Mendes Cabeçadas Júnior. O golpe militar não terminou com a instabilidade política e econ6mica, obrigando o Estado português a tentar contrair um grande empréstimo externo, no valor de doze milhões de libras, com o objectivo de estabilizar a moeda, amortizar a divida e compensar os previsíveis saldos orçamentais negativos. Após uma bem-sucedida campanha na imprensa, evidenciando a forma catastrófica como estavam sendo geridas as finanças portuguesas, António de Oliveira Salazar foi convidado para o governo, em 1928, apos ter imposto as suas condições. Dentro de uma apertada política de austeridade, Salazar procurava com a sua política financeira:
  • Restabelecer o equilíbrio financeiro a todo o custo.
  • Concentrar nas mãos do Estado o poder financeiro.
  • Canalizar o poder financeiro do Estado para os serviços públicos.
A Constituição de 1933 estabeleceu um Estado autoritário e centralizador, procurando a monopolização da Vida política através da instituição de um partido único – a União Nacional, — criado apenas em 1930, que tinha como objectivo o enquadramento das massas populares.

Defendendo sem qualquer ambiguidade a propriedade e a iniciativa privadas, admitindo e defendendo a intervenção do Estado na economia, promoveu a restauração dos organismos corporativos, patronais e operários, estando estes rigorosamente submetidos ao governo central. A sua criação e orientação técnica pertenciam exclusivamente aos ministérios interessados. Ao contrário do que acontecia com as associações patronais, a existência dos sindicatos nacionais estava regulamentada até aos mínimos pormenores. Através desta regulamentação, o governo tentava eliminar toda a estrutura, federativa ou sindicalista, que implicasse as liberdades colectivas.

O caso de Moçambique

Quando ocorreu o golpe de Estado do «28 de Maio», as colónias portuguesas defrontavam-se com a ausência de um sistema político-administrativo coerente e o começo da tendência para a internacionalização dos problemas africanos. Para além disso, ocorria uma conjuntura económica depressiva, registando-se a queda geral da procura e dos preços dos produtos tropicais. Ao contrário do que pronunciavam colonos, que reclamavam medidas de urgência, como um auxílio financeiro da metrópole, Salazar viria a tomar medidas contrárias:
  • Reinstalar o centralismo económico e administrativo numa escala nunca antes praticada, pondo fim autonomia financeira do império.
  • Impor o princípio de equilíbrio do orçamento que vigorava já em Portugal, à custa da contenção do crédito.
·       Aumentar a ligação entre a metrópole e o Império, de modo a combater a crise económica internacional pelo reforço das trocas no espaço económico português.
No caso particular de Moçambique, foram promulgadas medidas tendentes a reforçar as relações com a Metrópole, o que passou pela unificação territorial, abolindo o sistema de companhias concessionárias e de arrendamento dos prazos. Assim, não foi renovada a concessão à Companhia do Niassa, quando esta terminou em 1929, passando a parte nortenha de Moçambique, bem como a região dos prazos, para a posse directa do Estado português. O Acto Colonial, aprovado em 8 de Julho de 1930, foi o instrumento legal que permitiu uma maior concentração de poderes, quer tanto ao nível do governo central ou dos governos das colónias, e o reforço da integração das colónias e da metrópole.

Acto Colonial: é a designação pela qual ficou conhecido o decreto-lei n.o 18 570 de 8 de Julho de 1930, o qual definia a forma como se deviam processar as relações entre a metrópole e as colónias portuguesas ao nível politico, económico e administrativo. Através do Acto Colonial, foi colocado um fim à autonomia financeira das colónias e foi decretada a unificação administrativa de cada colónia sob a chefia de um governador. Esteve em vigor entre 1930 e 1951, ano em que uma nova lei o substituiu e alterou o termo «colónia» para «província ultramarina».

Do ponto de vista económico, com o objectivo de assegurar a sobrevivência da frágil indústria têxtil portuguesa, o governo estabeleceu as normas do futuro sistema de produção camponesa do algodão, em Novembro de 1926. Por esta lei, eram feitas concessões de zonas a companhias que se comprometeriam a erguer uma fábrica de descaroçamento e o respectivo armazém, bem como de fornecer sementes aos camponeses. Estes, depois da colheita, ficavam obrigados a vender a sua produção as companhias a um preço estabelecido pelo governo. No que respeitava ao vinho português, foi concedido a Moçambique um empréstimo financeiro, que facilitou crescentes importações daquela bebida, aumentando de 3 082 315 litros em 1926, para 6 758 601 litros em 1930.

A assinatura de uma Convenção com a África do Sul, em 1928, fez duplicar o rendimento da colónia, em divisas, do trabalho mineiro, ao mesmo tempo que estabelecia outros aspectos, que enumeramos a seguir:
  • Impunha o repatriamento compulsivo dos trabalhadores, após 18 meses de trabalho. 
  • Estabelecia um sistema de pagamento diferido, pelo qual metade do salário do trabalhador era pago pelas minas ao governo de Moçambique em divisas, sendo o trabalhador reembolsado em escudos.
A aprovação dum novo Código de Trabalho dos Indígenas nas Colónias Portuguesas, em 1928, apos as críticas proferidas na Sociedade das Nações, ficava proibido, teoricamente, o uso do trabalho forçado nas plantações e machambas, obrigando os proprietários das mesmas a observar novas condições de trabalho, no que respeita a alojamento, alimentação e saúde.

No entanto, os «indígenas» estavam ainda sujeitos ao trabalho forçado para os serviços públicos e, no caso de fuga ao imposto, para as plantações e propriedades particulares.


Bibliografia
SOPA, António. H10 - História 10ª Classe. 1ª Edição. Texto Editores, Maputo, 2017.

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