A evolução da historiografia africana

A evolução da historiografia africana

A evolução histórica do continente africano influenciou a evolução historiográfica, por ter sido caracterizada por grandes disparidades. Existem diferenças entre o norte e o sul do Saara, entre a costa e o interior, entre o oriente e o ocidente, etc. – Todas estas particularidades iriam fazer-se sentir no curso da historiografia africana.

Das origens até ao Século XV

Os primeiros trabalhos sobre a História de África datam da época do surgimento da escrita (IV milénio a.n.e.). Nessa altura, surgiram no Egipto (e de forma geral em toda a África do Norte), tal como em todo o oriente, as mais antigas formas de literatura histórica - as cosmogonias e as mitografias.

A expansão do Islão e o comércio proporcionaram, tanto na Antiguidade como na Época Medieval, um contexto favorável difusão de ideias, inclusive a nível da História. O Egipto foi referência nas obras dos autores clássicos como Heródoto e outros.

O resto do continente, que ainda desconhecia a escrita e tinha escassos contactos com outras civilizações, não produziu muito neste domínio.

O saber era, via de regra, conservado e transmitido por via da oralidade e da experiência.
Durante este período, o estudo da África tropical foi bastante limitado, e as informações eram raras e pouco credíveis. Exceptuam-se desta realidade as fontes clássicas sobre o mar Vermelho e o oceano índico produzidas por mercadores.

Sobre a África ocidental, norte do Sudão e África oriental, as melhores informações dos séculos XI-XV são da autoria de mercadores árabes como Al-Masu'di (?-950), Al-Bakri (1014-1094), Al-Idrisi (?-1166), Ibn Battuta (1304-1369), Hassan Ibn Muhammad al Wazza'n (o Leão Africano 1494-1552), etc.

Embora nos pareça ter havido nesta época algum dinamismo no processo de elaboração, a verdade é que estas produções não passaram de descrições de regiões de África a partir das informações possíveis na época.

Não existia, pois, nenhum estudo sistemático sobre as mudanças ocorridas ao longo do tempo e as informações eram em geral duvidosas.

Um dos primeiros e mais importantes historiadores de Africa foi Ibn Khaldun (1332-1406). Estudou África e as suas relações com o Mediterrâneo e o Próximo Oriente, introduziu na História de África o modelo de ciclo e tentou chegar à verdade histórica através da critica e da comparação. Estudou, igualmente, o Mali, com base na tradição oral da época.

Quando o Islão, e com ele a escrita, chegou à África oriental, os negros africanos começaram a conservar a sua História através de textos escritos.
Foi assim que surgiram o Ta'rikh al-Sudan, Ta'rikh al-Fattash, a Crónica de Kano, a Crónica de Kilwa, etc.

Do século XV até ao século XVIII

No século XV iniciou o contacto dos europeus com a costa africana que deu lugar produção de obras literárias com algum valor histórico.

Sobre a costa da Guiné e outras regiões de África foram produzidos, especialmente por missionários, materiais que fornecem testemunhos directos e datados, bem como compilações de relatos. Porém, também estes são essencialmente descrições sobre a situação da época e não propriamente História.
Este quadro iria prevalecer até à expansão Otomano no século XVI.

Do século XVIII à princípios do século XX

Desde finais do século XVIII assiste-se a uma nova atitude dos europeus em relação ao continente africano. Nesta altura regista-se um Certo interesse dos autores europeus pelas questões africanas. Para este facto, concorreram vários factores ligados à pretensão expansionista da Europa, nomeadamente a expedição de Napoleão ao Egipto (1798), a tomada de Argel pela Franca (1830) e a ocupação do Egipto pela Inglaterra (1882).

A partir do século XVIII, a Europa começaria a prestar uma certa atenção a África. Os livros europeus começavam a contemplar à Africa com um número considerável de páginas.
A visão eurocentrista da História resultou da convergência do Renascimento, do Humanismo e da evolução científica e industrial.

Partindo do que chamavam herança greco-romana única, os eurocentristas julgavam os objectos, os conhecimentos, o poder e a riqueza da sua sociedade preponderantes; como tal, julgavam que a civilização europeia devia sobrepor-se as demais; consequentemente, a sua História era a Chave de todo o conhecimento e a História dos outros continentes e, em especial, a africana sem nenhuma importância.

Hegel foi muito claro a este respeito quando disse: África não é um continente histórico, ela não demonstra nem mudança nem desenvolvimento, Este ponto de vista manteve-se no século XIX e tinha ainda alguns adeptos em pleno século XX.

A nova historia africana

A implantação de uma nova Historia de Africa foi produto de historiadores profissionais que fizeram dela o objecto do seu ensino e dos seus escritos.

A promoção de uma História de Africa descolonizada começaria por volta de 1947, quando intelectuais africanos começaram a definir a sua própria concepção em relação ao passado africano buscando, nele, as fontes de uma identidade cultural negada pelo colonialismo. Tratava-se já de uma História livre de mitos e de preconceitos subjectivos.

A partir de meados do século XX foram criadas universidades, dando novo impulso à História de África. Surgia uma História de Africa comparável à de qualquer outra parte do mundo.

O início do estudo da História de Africa noutros continentes constituiu, igualmente, um factor importante para a reestruturação da História africana.
As independências dos países africanos a partir da década de 1960 criaram um renovado interesse por Africa e uma considerável curiosidade popular.

Portanto, a partir do século XIX, a História de Africa seguiu três correntes principais: o eurocentrismo, o afrocentrismo e ainda uma corrente intermédia - progressista - que visava estabelecer um certo equilíbrio entre as duas primeiras claramente radicais em defesa dos objectivos que perseguem.

Problemas da historiografia africana

O estudo da História tem-se mostrado particularmente difícil para os historiadores, devido a uma série de factores, Entre esses factores temos a escassez das fontes, as deficiências em termos de cronologia, a predominância de mitos, etc.

  • As fontes

Em termos de documentos escritos, o continente africano é pobre, dai que se diga que não é possível dar valor à fonte escrita na historiografia africana porque as fontes escritas que existem são poucas.

Pode-se recorrer a fontes antigas (egípcias, núbias, greco-latinas) árabes, europeias, africanas recentes (escritas por africanos ou europeus) asiáticas ou americanas.
Nas sociedades africanas, em épocas recuadas só sabiam ler e escrever os escribas e os monges, enquanto a massa da população e a aristocracia, tal como na Europa, era analfabeta.

A escassez de fontes escritas podia ser minimizada pelo recurso à arqueologia, mas não é o que sucede, como veremos mais adiante. As dificuldades no uso da arqueologia têm a ver com a exiguidade de meios financeiros para suportar os custos das escavações e também a ausência de especialistas em diferentes ciências auxiliares, uteis à actividade arqueológica.

  • A cronologia

Uma das grandezas básicas para a reconstituição da História é o tempo. Entretanto, para o caso de África, são muito poucos os registos de datas referentes ao período anterior à nossa época.

Os africanos sempre consideraram o tempo e tentaram estabelecer formas de contagem; dai que certos reis, uma vez chegados ao poder, depositavam anualmente num vaso, pepitas de ouro até à morte, o que permitia contabilizar os anos de reinado.

Ora, este procedimento era insuficiente para uma correcta datação, pois apenas permite saber quanto tempo o rei esteve no poder ou quantas dinastias governaram um certo império. Entretanto, não permite saber com precisão o momento em que os acontecimentos tiveram lugar.

Portanto, qualquer um que se lance na tarefa de reconstituir a História de África terá como obstáculo a deficiente datação dos acontecimentos.

  • Os mitos

Outro grande problema da História africana é o dos mitos, ou seja, as diferentes ideias que influenciaram a evolução da historiografia africana.
Os diferentes povos que estiveram em Africa e as diferentes transformações sociopolíticas, económicas e culturais levaram ao aparecimento de diferentes interpretações do passado africano, com repercussões na historiografia africana.

Um dos mitos foi a ideia, defendida por Georg Hegel em 1830 e que se popularizou na época, que dizia que além da parte Norte, a Africa não ter movimento histórico, é a-Histórica. Acredita na passividade histórica dos povos africanos e dos povos negros em particular.

Esta forma de pensar influenciou sobremaneira a elaboração da História africana nos séculos XIX e XX, falseando as perspectivas em favor de uma concepção eurocêntrica da História, que se difundiu por todo o lado, mesmo nos países que nunca tinham sido colonizados.
Hoje, essa visão tende a desaparecer; contudo, prevalece ainda em muitos historiadores, tanto no ocidente como fora dele.

O período colonial e o pós-independência geraram, igualmente, novos pontos de vista; naturalmente, este aspecto dificulta o estudo da História deste continente.
Portanto, ao estudar a História de África, o historiador deve estar sempre atento ao perigo de manipulação de fontes resultante da influência dos mitos.

Tarefas da história africana

Entre os principais desafios dos historiadores africanos coloca-se a produção de uma História cada vez mais isenta e objectiva. Assim, uma das principais tarefas da História africana é a desmistificação da História.

Os historiadores africanos, desde meados do século XX, começaram a tentar uma História do mundo verídica, na qual Africa e os outros continentes fossem vistos na mesma dimensão e ocupassem o seu verdadeiro lugar no plano internacional.

Para esta reversão, o papel dos historiadores africanos é particularmente importante, por ter sido a História de Africa a mais negligenciada e desfigurada pelo racismo no século XIX e nos princípios do XX.

O esforço tendente a descolonizar a História de Africa incluiu a modificação dos juízos de valor, invertendo os papéis entre os intervenientes da História de África. Os agentes coloniais, que antes eram vistos como heróis ao serviço da civilização em marcha, passaram a cruéis exploradores, enquanto o africano passava a vítima inocente.

Métodos da historiografia africana

Tendo em conta as condições especificas do seu desenvolvimento, nos últimos anos a História de África caminhou busca de novos métodos, com vista a alcançar, no seu estudo, zonas não suficientemente exploradas.

Neste sentido, há a destacar os progressos da História analítica (História de campo, que não depende apenas dos arquivos) para a História colonial e pré-colonial, cuja documentação é rara. O facto de os arquivos coloniais terem sido criados e mantidos por estrangeiros e, naturalmente, incorporarem os preconceitos dos seus autores, torna ainda mais importante a busca de métodos que libertem a História dos arquivos.

Portanto, ao historiador africano impõe-se o recurso a outras fontes (que não as escritas), como é o caso da informação oral, sob o risco de chegar a resultados desastrosos.
Os historiadores de África fizeram um trabalho pioneiro neste âmbito, ao debruçarem-se sobre os períodos pré-colonial e colonial.



Bibliografia
SUMBANE, Salvador Agostinho. H11 - História 11ª Classe. 2ª Edição. Texto Editores, Maputo, 2017.

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