A luta de Libertação Nacional e a Independência de Moçambique


A luta de Libertação Nacional e a Independência de Moçambique

Os três movimentos nacionalistas de luta pela Independência de Moçambique que antecederam a formação da FRELIMO

O processo independentista africano influenciou os nacionalistas moçambicanos, nos campos e nas cidades, que passaram também a acreditar na independência de Moçambique, chegando a enviar delegações para negociarem com as autoridades portuguesas ou, noutros casos, a escrever directamente ao Governo português, exigindo a independência da colónia. Mas foi a actividade política nos países vizinhos, com especial relevo para Tanganica, Quénia, Uganda, Rodésias do Norte e do Sul e Niassalândia, que influenciou muitos dos moçambicanos que lá viviam e trabalhavam. Apesar de continuarem quase desconhecidas, sabia-se já da existência de várias pequenas associações mutualistas ou de entreajuda, formadas por moçambicanos emigrantes, desde os finais da década de 1950.

Com um carácter nitidamente político, ultrapassando as associações anteriores, está a UDENAMO (União Democrática Nacional de Moçambique), sob a liderança de Adelino Gwambe, criada em Outubro de 1960, na então Rodésia do Sul. No Tanganica, surgiu a MANU - Mozambique African National Union, fruto da fusão da Makonde Union (União dos Macondes) e da Zanzibar-Mozambique Makonde and Makua Union, em Janeiro de 1961, sob forte influência da TANU, liderada por Mathews Mmolle e Lourenço Milinga, e a UNAMI (União Nacional Africana de Moçambique Independente), na antiga Niassalândia (hoje Malawi), muito próxima do Malawi Congress Party, do dr. Kamuzu Banda, por iniciativa de José Baltazar da Costa e Evaristo Gadaga, tendo iniciado as suas actividades em Agosto de 1962.

No entanto, estas organizações políticas encontravam-se divididas, por questões de carácter étnico, pelas diferenças ideológicas e sociais dos seus membros. Porém, as rápidas mudanças politicas que ocorrem em África, como a independência do Tanganica em 1961, e dentro do próprio quadro nacionalista moçambicano, com a visita de Eduardo Mondlane a Moçambique, em Fevereiro de 1961, a fundação da CONCP (Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas), em Marrocos, em Abril desse mesmo ano, e da UNEMO (União Nacional dos Estudantes de Moçambique), em Paris, em Fevereiro de 1962, criaram progressivamente o ambiente propicio para a unidade destas organizações politicas. Neste contexto, realizou-se uma Conferência em Dar-es-Salaam, com o objectivo de discutir a criação de uma única organização que unisse os nacionalistas moçambicanos. A 25 de Junho de 1962 foi fundada a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), a partir da dissolução das três organizações anteriores, tendo sido eleitos Eduardo Mondlane como presidente e Uria Simango, como vice-presidente.

O massacre de Mueda
Em 16 de Junho de 1960, o Governador português, do então distrito de Cabo Delgado, realizou uma banja em Mueda com a população local, em especial com a delegação que tinha vindo do Tanganyika, Faustino Ferreia Cesteiro Vanomba e Chibilite Vaduvane (ou Quibirite Diwane, no Tanganyika), que tinham chegado aquela administração em 13 de Junho. Anteriormente, já outras delegações tinham estado em Moçambique, como foi o caso de Faustino Vanomba, em Fevereiro de 1960, Tiago Mula Mulombe, em 22 de Margo, e Simão Nchucha, Lazima Dalama, Simone Chambumba, Modesta lossufo, Mariano Tumiaueto, Cosme Paulo e Titicó Funde, em 27 de Junho. Estes dois líderes pretendiam fazer propaganda da Sociedade dos Africanos de Massacre de Mueda (gravura de Matias Ntundo).
Moçambique, ao mesmo tempo que apresentavam as suas reivindicações, como o fim do trabalho forçado (recrutamento de trabalhadores, trabalho nas estradas, liberdade de circulação, etc.), e a liberdade (Uhulu, em xi-maconde). A população que acompanhava estes delegados exigia também a libertação de outros sete propagandistas, já detidos em 27 de Abril daquele ano, e cujo propósito era pedir autorização para distribuir e vender os cartões da Sociedade dos Africanos de Moçambique.
O governador português, na reunião, falou apenas que os preços dos produtos agrícolas iam ser bons, mas não anunciou a liberdade, que a população contava ouvir. Perante a exigência de Faustino e Chibilite, o Governador mandou-os prender, originando o levantamento popular que veio a ocorrer, visando impedir a transferência dos seus líderes para a actual cidade de Pemba. O número de mortes é ainda impreciso, indo de 16 até mais de 500.
«Saindo da administração, o Governador dirige-se à população e afirmou que o Governo português decidiu aumentar o preço do milho, amendoim, castanha de caju, etc. O público gritou que não estava para negociar o preço dos cereais, mas sim exigir o fim da colonização. Voltando ao gabinete, o Governador saiu minutos depois com Kibiriti Divane, Faustino Vanomba e as outras oito pessoas algemadas. Estes são obrigados a entrar na sua viatura «Land-Rover». Quando o Governador se dirigia ao carro a multidão gritou que não estava para assistir pessoas a serem algemadas e presas, tendo o Governador sido impossibilitado de entrar no carro.
O Governador ordena fogo e dispara com uma pistola. Em seguida, o pelotão que estava escondido avança para a multidão e abre fogo. Durante cerca de um minuto, houve alguma resistência das pessoas em deixar o recinto, mas quando viram compatriotas estatelados como o velho Kajugwili, André Adukule e outros, começaram a dispersar apressadamente. Os disparos duraram quatro minutos e caíram 600 pessoas. O pároco de Mueda, Padre Van-Mberque começou a dar a extrema-unção aos mortos. Estes foram enterrados numa vala comum no dia 17 de Junho de 1960 pelos soldados do pelotão e cipaios».
Tenente-General Raimundo Pachinuapa.

A fundação da FRELIMO

A preparação
O I Congresso da FRELIMO, realizado em Dar-es-Salaam, entre 23 e 28 de Setembro de 1962, apenas três meses após a sua constituição, definiu e legalizou as suas estruturas, discutindo a estratégia e a táctica da luta contra o ocupante colonial, tendo em vista preservar a unidade de todas as forças. Assim, um dos grandes sinais dados nesta reunião foi ter-se passado duma perspectiva meramente regionalista e tribal para uma perspectiva nacional, ainda que este processo tenha decorrido num ambiente de grande confronto político e ideológico. Objectivo: a libertação de Moçambique, através da «luta armada», já que todos os meios negociais tinham falhado perante a intransigência do Governo português, e o estabelecimento da estrutura da organização, com os seus órgãos fundamentais.

Assim, paralelamente a uma intensa actividade diplomática, no sentido dos outros países compreenderem e apoiarem a libertação do povo moçambicano, criaram-se as condições para a organização de um exército, capaz de levar a cabo a luta armada. Foram estabelecidos contactos com a Argélia e, em Janeiro de 1963, seguia para aquele país o primeiro grupo de moçambicanos para treinos militares.

No mesmo ano, um segundo grupo seguiria para aquele país. Outros grupos partiriam também para a antiga URSS e República Popular da China. Foram criados campos de treinos (Bagamoyo e Kongwa e, mais tarde, Nachingwea) junto das fronteiras moçambicanas, contando-se para isso com a solidariedade tanzaniana.

Eduardo Chivambo Mondlane
Eduardo Mondlane nasceu em Nwadjahane, na província de Gaza, em 20 de Junho de 1920. Perdeu os seus pais bastante cedo, tendo passado a sua infância a guardar gado.
Entre 1932 e 1934 frequentou o ensino rudimentar na escola pública, em Coolela, e na escola da Missão Suíça, em Maússe. Apoiado por André Daniel Clerc, então director das escolas da Missão Suíça, prosseguiu os seus estudos em Lourenço
Marques (actual Maputo). Em 1938 concluiu a 4ª classe e obteve o diploma de catequista em Ricatla. No ano seguinte, tornou-se pregador, instrutor e impulsionador dos «Mintlawa» (grupos da juventude), nos arredores da capital.
Frequentou a Escola Secundária de Lemana, na África do Sul, entre 1944 e 1947, seguindo-se a Jan H. Hofmeyr School for Social Work, em Joanesburgo e Ciências Sociais, na Universidade de Witwatersrand, tendo-lhe sido recusada a sua permanência naquele país, após a subida ao poder do Partido Nacionalista. Em 1950 seguiu para Lisboa, com vista a prosseguir a sua formação universitária. Em virtude de o curso que pretendia seguir não existir naquele país, o que era agravado pelo ambiente político. Decidiu sair então daquele pais. Bacharelou-se em Artes pela Oberlin College, em 15 de Outubro de 1956. Em 1960 doutorou-se pela Northwestern University, nos cursos de Psicologia Social e Antropologia.
Em Fevereiro de 1961, deslocou-se a Moçambique, tendo visitado várias localidades e diferentes grupos sociais. No mesmo ano, deixou de trabalhar na Organização das Nações Unidas, tendo assumido a docência no Departamento de Antropologia da Syracuse University.
A convite dos vários movimentos nacionalistas moçambicanos, foi criada a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), tendo assumido a presidência da mesma. Em 1963 deixou a Universidade e regressou à Tanzânia. Sob a sua liderança iniciou-se a pesada tarefa de desencadear a luta armada de libertação nacional, que passava pela formação dos guerrilheiros moçambicanos e obtenção de armamentos. 
Em Fevereiro e Maio de 1968 visitou as províncias de Cabo Delgado e Niassa Ocidental, tendo sido reeleito para a presidência da FRELIMO, no decorrer do 2.0 Congresso da organização, realizado entre 20 e 25 de Julho do mesmo ano.
As divergências vividas no interior da FRELIMO, praticamente desde a sua fundação, levaram ao assassinato de Eduardo Mondlane, em 3 de Fevereiro de 1969.
Era casado com Janet Mondlane (15 de Outubro de 1956), de quem teve trés filhos.


Campo de treino político-militar de Kongwa
Encontrava-se situado na região de Dodoma, no centro da Tanzânia, tendo sido criado em 4 de Abril de 1964. O local onde este estava situado era seco e agreste, sem quaisquer condições para a sua existência. Ali vieram instalar-se os jovens moçambicanos, como foi o caso do segundo grupo de guerrilheiros treinado na Argélia, a que se seguiriam posteriormente os combatentes da SWAPO (South West African People's Organization) (Namíbia) e do ANC (Congresso Nacional Africano) (África do Sul).
O campo foi aberto sob a direcção de Samora Machel, coadjuvado por outros importantes membros da FRELIMO, como Alberto Chipande e Raimundo Pachinuapa.
Neste campo travaram-se importantes discussões sobre a natureza da guerra a desenvolver e sobre a verdadeira definição do inimigo a combater.
Campo de treino político-militar de Nachingwea
O campo de Nachingwea encontrava-se na antiga Propriedade Agrícola Dezassete, no distrito de Nachingwea, a menos de 100 kms da fronteira moçambicana. No decorrer da sua existência o campo viria a conhecer grandes transformações, de forma a acolher os jovens guerrilheiros que ali efectuavam os seus treinos militares, bem como toda a actividade produtiva que ali era desenvolvida.
Neste campo, Samora Machel lançou, a 27 de Maio de 1969, a ofensiva da produção, tendo-se introduzido a produção manual como parte integrante da formação militar. Nachingwea tornou-se também um centro onde se forjou a unidade nacional, criando-se um pensamento comum sobre a guerra revolucionária prolongada que então se desenvolvia.

O desencadeamento e o desenvolvimento da luta de libertação nacional

O início da luta armada em território moçambicano foi pensada como um levantamento militar a ocorrer em todo o Moçambique. Os ataques viriam a efectuar-se em várias províncias do pais, como foi o caso do Niassa, Tete, Zambézia e Cabo Delgado, com pequenas diferenças de horas ou de dias, em resultado das dificuldades que os guerrilheiros moçambicanos encontraram no terreno. Simbolicamente, o ataque a Chai, em 25 de Setembro de 1964, foi considerado como o inicio do desencadeamento da luta armada. Um pequeno grupo de 12 guerrilheiros, liderados por Alberto Chipande, avançou para aquele posto administrativo português, apos sabotarem as pontes e as vias de comunicação, com o objectivo de dificultarem o avanço do exército inimigo. Posteriormente, a acção conjunta das forças guerrilheiras com a população, em Cabo Delgado, viria a permitir a organização das zonas sob o controlo da FRELIMO e o seu avanço para outras áreas, tendo sido abertas, posteriormente:
  • A frente do Niassa Oriental, em 6 de Novembro de 1965, sob o comando de Samora Machel.
  • A frente de Tete, em 8 de Margo de 1968.
  • A frente de Manica e Sofala, em 25 de Julho de 1972, quando as forças guerrilheiras atravessam o rio Zambeze, no seu avanço para o sul.
  • A frente da Zambézia, em 1 de Julho de 1974.
De particular relevância era a organização clandestina na cidade de Lourenço Marques (actual cidade de Maputo), onde se constituiu a IV Região Militar da FRELIMO, tendo sido enviados alguns combatentes para apoiar o trabalho que se estava a realizar. A PIDE, polícia política portuguesa, viria a prender militantes e intelectuais proeminentes como José Craveirinha, Malangatana Valente, Sansão Mutemba, Rui Nogar, Luís Bernardo Honwana, Domingos Arouca, e os combatentes vindos de Dar-es-Salaam, como Joel Monteiro, Josefate Machel, Matias Mboa e a direcção do Centro Associativo dos Negros, então encerrado, entre Dezembro de 1964 e 31 de Julho de 1965. Estas prisões viriam a inviabilizar a continuidade da existência desta frente, ainda que a actividade clandestina, apesar de todas as suas fragilidades, se tivesse mantido até à independência nacional.

Fig, 20 Guerrilheiros moçambicanos em posição de ataque.

O desenvolvimento da luta permitiu o surgimento de novos conflitos nas zonas onde a administração portuguesa tinha deixado de existir, tornando-se obstáculos continuidade e desenvolvimento do combate. Um dos conflitos mais graves vividos pela FRELIMO foi aquele que dividiu «militares» e «políticos», tendo origem no carácter de guerra a desenvolver e no tipo de sociedade a criar. A Frente considerou que esta era fruto de uma visão conservadora e tribalista, demonstrando uma falta de compreensão do carácter popular da luta de libertação nacional. Assim, ao nível militar, foi decidido reestruturar o Departamento de Defesa, já que era na frente militar que os conflitos se faziam sentir com maior incidência. Na reunião do Comité Central da FRELIMO, em Outubro de 1966, foi decidida a criação de um Comando político-militar centralizado, sob a direcção do presidente Eduardo Mondlane, com o objectivo de orientar a frente militar. Em consequência desta decisão, viria a surgir o Conselho Nacional do Comando, em Abril de 1967, encabeçado por Samora Machel, então Secretário do Departamento de Defesa, com o objectivo de coordenar e abastecer as diferentes forças. A nova estrutura permitiu então que:
  • ·       As comunicações entre as frentes de combate e os quartéis-generais passassem a estabelecer-se com maior regularidade.
  • ·       As armas e os equipamentos começassem a chegar mais rapidamente as áreas de combate.
  • ·       O recrutamento de jovens se intensificasse.
  • ·       Se desenvolvessem as campanhas militares contra o exército português.
Até 1967, a estrutura do exército da FRELIMO viria a ganhar uma maior complexidade, tendo-se constituído unidades especiais de artilharia e anti-aérea, para além do efectivo militar ter sido consideravelmente aumentado, estimado agora em cerca de oito mil guerrilheiros, a que se juntaram ainda as milícias populares e os recrutas já treinados mas não armados.

O 2o Congresso

O 2.o Congresso da FRELIMO, realizado em Matchedje (Niassa), de 20 a 25 de Julho de 1968, veio a definir uma linha de orientação politica muito Clara, subordinando todas as outras frentes de combate a ela. Participaram neste Congresso 170 delegados e observadores vindos de todas as províncias de Moçambique, o que garantiu a sua representatividade e permitiu um pormenorizado e amplo debate em moldes democráticos. O Congresso, ao aprovar a tese da guerra popular prolongada, ao decidir os comités populares de gestão, ao traçar orientações concretas para a produção, comercializa educação, saúde e cultura, e ao definir como inimigo o sistema de exploração do Homem pelo Homem, traçou os objectivos para o sucesso da luta armada, pondo fim à dominação colonial estrangeira e à liquidação das estruturas de opressão tribais e coloniais.

Apesar de o Congresso ter sido um passo significativo na resolução da crise, o certo é que os conflitos entre «militares» e «políticos» se mantiveram, culminando com o assassinato do presidente Eduardo Mondlane, em 3 de Fevereiro de 1969, através dum livro armadilhado.

Em reunião do Comité Central, foi nomeado um Conselho Presidencial, formado por Samora Machel, Marcelino dos Santos e Uria Simango. Samora Machel, na qualidade de membro do Conselho da Presidência e de Secretário do Departamento de Defesa, imprimiu uma nova dinâmica à luta armada. O Comité Central da FRELIMO, reunido de 9 a 14 de Maio de 1970, nomeou posteriormente Samora Machel para o cargo de presidente da FRELIMO e Marcelino dos Santos para a sua vice-presidência.

Após a derrota estratégica da grande operação Nó Górdio, desencadeada pelo exército português em Cabo Delgado, a partir de finais de Maio/princípios de Junho de 1970, a FRELIMO passou então à contra-ofensiva obrigando o inimigo a abandonar não só as zonas libertadas mas muitos dos aquartelamentos que até então ocupava.

Foi na província de Tete que a frente de libertação desencadeou a sua resposta à operação militar realizada pelos portugueses, e que se pautava por passar o rio Zambeze, operar a sul da grande linha estratégica de defesa que constituía aquele rio e preparar a abertura da frente de Manica e Sofala, o que viria a acontecer em 25 de Julho de 1972. O exército inimigo achou-se incapaz de deter o avanço dos nacionalistas moçambicanos que operavam nas áreas administrativas de Chimoio, Inhaminga, Cheringoma, Dondo, Vila Gouveia, Maringué e Pungué, sabotando a linha-férrea Beira-Rodésia do Sul, preparando o avanço mais para o sul de Moçambique, na direcção das províncias de Inhambane e Gaza.
A abertura da frente de Tete possibilitou igualmente que a guerrilha zimbabwiana começasse a operar na então Rodésia do Sul, visando derrubar o regime minoritário de Ian Smith.

Operação Nó Górdio: foi a maior e mais cara campanha militar portuguesa em Moçambique, no decorrer da luta de libertação nacional. Iniciou-se a 1 de Julho e terminou em 6 de Agosto de 1970, tendo nela participado mais de 8000 militares portugueses. O objectivo era erradicar as rotas de infiltração da guerrilha independentista ao longo da fronteira com a Tanzânia e destruir as bases permanentes da FRELIMO em Moçambique.

O surgimento das zonas libertadas e a emergência de novas formas de relações sociais

A partir dos finais de 1965, nas províncias de Cabo Delgado e do Niassa Ocidental, a FRELIMO controlava e administrava vastas regiões, apos a retirada de contingentes do exército português, isolado em quartéis e em sérias dificuldades de logística, perante a ofensiva militar das forças nacionalistas moçambicanas. Dois anos depois, em finais de 1967, as zonas libertadas na província do Niassa, já compreendiam grande parte do Niassa Ocidental, quase a totalidade do Niassa Oriental e pequenas áreas em torno das bases dos guerrilheiros no Niassa Austral. Em Cabo Delgado, estas zonas abrangiam as áreas que se estendiam a norte da linha que liga a foz do rio Montepuez à foz do rio Lugenda, junto ao Rovuma. Nestas mesmas áreas, os portugueses continuavam a dominar nas aldeias onde se encontravam os aquartelamentos das suas unidades militares, e nas cidades.

Nas zonas libertadas pela FRELIMO, procuravam-se constituir milícias populares, visando impedir a entrada do inimigo, ao mesmo tempo que se organizava o quotidiano das populações, planificando-se as actividades produtivas, a saúde e a educação. A organização da Vida nestas zonas está na origem de profundas divergências dentro da frente de libertação, desembocando numa profunda crise no seu seio.

No 2.o Congresso da FRELIMO, para se tentar ultrapassar os conflitos existentes, decidiu-se tornar as zonas libertadas nas bases materiais para o desenvolvimento da guerra, tendo-se para isso traçado directivas para o desenvolvimento da produção agrícola e artesanal, a partir duma gestão cooperativista, e do aprofundamento dos conhecimentos científicos.

Estas transformações fizeram-se, muitas vezes, em resultado da própria implantação da FRELIMO nas diferentes regiões.

Em Cabo Delgado, por exemplo, a maioria das machambas manteve-se individual e a forma de produção dominante era familiar. No período da guerra, os camponeses distinguiam dois tipos de produção:
  • ·       Produção destinada a alimentar o exército guerrilheiro, os postos de saúde e as escolas.
  • ·       Produção destinada ao consumo familiar.
Apesar de existirem machambas colectivas, estas nunca se desenvolveram de forma a dar uma contribuição significativa produção alimentar.

As cooperativas que se estabeleceram durante a guerra eram, fundamentalmente, de comercialização. Estas recolhiam uma certa quantidade de produtos agrícolas, como castanha de caju, gergelim ou amendoim, que levavam para a Tanzânia para trocar por sal, açúcar, Óleo, roupas e enxadas. No regresso, estas mercadorias eram novamente trocadas com os camponeses. Nestas operações, as cooperativas realizavam os seus lucros. Nesta área, importa recordar a produção de artesanato, como a célebre escultura maconde, sendo usada para fins de propaganda e relações públicas.

As bases militares da guerrilha, ainda que continuassem dependentes da produção dos camponeses, tinham também a sua própria produção. A sua actividade produtiva estava sujeita a programas de tarefas diárias, dedicando-se à agricultura, caça e ao transporte de água.

A organização da Vida nas zonas libertadas pressupunha também um novo relacionamento entre guerrilheiros e a população, que passava pelo novo tipo de poder – o poder popular. A nova administração popular procurava que os camponeses, participassem juntamente com os guerrilheiros, nas discussões e na procura de soluções para os problemas locais, sobretudo no que se referia as actividades produtivas. O II Congresso da FRELIMO, em 1968, viria a aprovar a tese do estabelecimento do poder popular, em resposta às políticas anti-populares do chairman de Cabo Delgado e das chefias tradicionais do Niassa. Foi decidida a criação de Comités Populares de Gestão, eleitos directamente pelas populações.

A vitória da FRELIMO sobre o colonialismo português e a assinatura dos Acordos de Lusaka

Apesar de o golpe de Estado em Portugal, em 25 de Abril de 1974, ter posto o fim ao regime fascista, as suas posições  em relação à questão colonial permaneceram ambíguas e vagas. O Comité Executivo da FRELIMO emitiu assim, em finais de Abril, um comunicado exortando à intensificação e desenvolvimento da luta armada, o que permitiu manter a ofensiva militar, reabrindo-se a frente da Zambézia em 1 de Julho de 1974. Para sul, unidades especiais de avanço atravessaram o rio Save, montaram bases em Inhambane e fizeram reconhecimentos em Gaza e Lourenço Marques durante o mês de Agosto de 1974.

As conversações realizadas em Lusaka, em 5 e 6 de Junho de 1974, entre delegações da FRELIMO e do Governo Português, levou:
  • ·       Ao reconhecimento do direito do Povo moçambicano independência.
  • ·       Ao reconhecimento da FRELIMO como único e legitimo representante de todo o Povo.
A 20 de Setembro de 1974, o Governo de Transição tomou posse em Moçambique. Este era constituído por um Alto-comissário português, Vitor Crespo, e por um primeiro-ministro moçambicano, Joaquim Alberto Chissano. O corpo de ministros era composto por seis ministros indicados pela FRELIMO e outros dois indicados pelo Governo Português. A Comissão Militar Mista era integrada por três moçambicanos. A tarefa fundamental deste governo era criar as condiqöes para a extensão a todo o pais do Poder Popular Democrático estabelecido nas zonas libertadas. Foram assim criados os grupos dinamizadores, que tinham como objectivo principal difundir a linha política da frente, ao mesmo tempo que enquadravam a população moçambicana no projecto político que então se preconizava.

Com a entrada de Samora Machel em Moçambique, a 24 de Maio de 1975, no que ficou conhecido pela viagem do Rovuma a Maputo, encontrávamo-nos já nas vésperas da independência. A 19 de Junho, na praia do Tofo, na 7.a Sessão do Comité Central, seria aprovada a Constituição da República Popular de Moçambique e a Lei da Nacionalidade. As zero horas do dia 25 de Junho, no Estádio da Machava, o Presidente da FRELIMO, em nome de todo o povo moçambicano, proclamava a independência de Moçambique.

Fig.1: Assinatura dos Acordos de Lusaka


Samora Moisés Machel
Nasceu em Xilembene, província de Gaza, em 29 de Setembro de 1933. Em 1949 concluiu a 4.a classe na Escola da Missão de S. Paulo de Messano. Em 1952 foi nomeado praticante de enfermeiro auxiliar, tendo sido colocado no Hospital Central Miguel Bombarda, em Lourenço Marques. Quatro anos depois, foi colocado na ilha da Inhaca. Em 1959, voltou a Lourenço Marques, tendo começado a frequentar o curso liceal, no período nocturno.
Desde 1961 que Samora Machel começou a ter problemas com as autoridades portuguesas, o que levou sua reprovação no exame final do curso normal de enfermagem, a interrogatórios na PDE, obrigando-o a abandonar Moçambique, e a juntar-se å FRELIMO na Tanzânia, em 1963. Nesse mesmo ano, dirigiu o segundo grupo de moçambicanos que foram receber treino militar na Argélia, tendo regressado à Tanzânia, em Abril do ano seguinte. Naquele país, passou a chefiar o campo militar de Kongwa, tendo assumido também a chefia das operações dos primeiros ataques da FRELIMO em Moçambique.
Em Novembro de 1966, assumiu a chefia do Departamento de Defesa, na sequência do assassinato de Filipe Samuel Magaia. Na sequência do assassinato de Eduardo Mondlane, viria a integrar o triunvirato com Uria Simango e Marcelino dos Santos. Em Maio de 1970, assumiu a presidência da Frente de Libertação de Moçambique, tendo enfrentado, de imediato, a operação militar portuguesa Górdio». Sob a sua direcção, desenvolveu-se a luta na província de Tete, abrindo-se a frente de Manica e Sofala e Zambézia. Samora Machel chefiou a delegação da FRELIMO nas conversações do governo português, após o golpe de Estado em Portugal em 25 de Abril de 1974, levando à assinatura dos Acordos de Lusaka, que abriram caminho à independência do pais. Apos a independência do país, a 25 de Junho de 1975, tornou-se o primeiro presidente da República Popular de Moçambique. Na presidência do país, Samora Machel procurou levar o pais sua independência económica, num ambiente de grande confrontação, com a Rodésia do Sul e África do Sul. A sua morte, ocorrida em 19 de Outubro de 1986, insere-se neste quadro de confrontação politica e militar na região.
O 3.o Congresso da FRELIMO, que teve lugar entre 3 e 7 de Fevereiro de 1977, estabeleceu a indústria como a base de desenvolvimento do pais (Fig. 36). A passagem da Frente de Libertação de Moçambique, que se tinha até então caracterizado por uma frente ampla dos diferentes grupos sociais, para um partido marxista-leninista, viria a implantar a planificação centralizada, o monopólio do Estado na iniciativa do desenvolvimento, o controlo do mercado pelo Estado e o fim do debate sobre as alternativas económicas para o futuro do país.
Ao nível do campo, perante as novas políticas aplicadas, assentes no projecto de aldeamento da população e na promoção de cooperativas sem qualquer autonomia, nem investimento estatal significativo, originou a contracção da produção camponesa, agravada pela ruptura da rede de comercialização, até então sustentada pelos pequenos comerciantes colonos. Paralelamente, os recursos disponíveis foram essencialmente aplicados nas grandes unidades agrárias estatais,   que viriam a revelar-se ineficientes.
A decisão de Moçambique de aplicar integralmente as sanções decretadas pela Organização das Nações Unidas ao regime de minoria branca de Ian Smith, na Rodésia do Sul, e o isolamento económico a que procedeu a Africa do Sul em relação a Moçambique, viria ainda a agravar a frágil economia do pais, já que esta estava extremamente dependente de alguns sectores, como os transportes ferroviários e portos, e migração de trabalhadores para os países vizinhos. A atitude de Moçambique levou a que estes países promovessem acções militares de desestabilização no território moçambicano e apoiassem a formação de um movimento anti-governamental, inicialmente conhecido por Mozambique Nacional Resistance (MNR) mais tarde designado por RENAMO. O apoio de Moçambique aos guerrilheiros zimbabueanos foi decisivo para a independência da então Rodésia do Sul. Neste ambiente de grande conflitualidade regional, morreu o Presidente Samora Machel, o primeiro presidente da República Popular de Moçambique, em 19 de Outubro de 1986, num acidente de aviação, cujas causas ainda permanecem por esclarecer.
Na década de 1980, devido ä grande debilidade económica do país, iniciou-se um processo de reformas, no sentido duma certa liberalização da economia e da redução da intervenção estatal na área económica. Estas iniciativas permitiram a adesão de Moçambique ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional e abriram a via para a posterior aplicação de um programa de reajustamento estrutural.
Do ponto de vista político, Samora Machel estabeleceria ainda negociações, em 1984, com o regime sul-africano, levando ä assinatura do Acordo de Nkomati, com o compromisso das duas partes se absterem de apoiar activamente os respectivos movimentos de oposição armada.


Bibliografia
SOPA, António. H10 - História 10ª Classe. 1ª Edição. Texto Editores, Maputo, 2017.

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