A ocupação efectiva e o estabelecimento do sistema colonial em Moçambique e África

A ocupação efectiva e o estabelecimento do sistema colonial em Moçambique e África

As formas de administração colonial (directa e indirecta) e os tipos de colónias
Apesar de o continente africano ter ficado praticamente sob o domínio dos países europeus por volta de 1899, não existia, numa primeira fase, uma política colonial com objectivos muito claros e definidos. Após a partilha colonial, seguiu-se um período de conquista e ocupação colonial que, em muitos casos, viria a determinar os métodos de administração que vieram a prevalecer até à I Guerra Mundial. No período entre os dois conflitos mundiais, estas antigas práticas estruturaram-se em política oficial, permitindo então a burocratização da sua administração.

Prevalecia, no entanto, uma convergência de opiniões daquilo que poderia designar-se por administração conjunta ou indirecta, dando possibilidade as autoridades africanas de participarem na administração em posição subordinada. Estas formulações estavam relacionadas com a maneira como se constituíram os impérios coloniais no final do século XIX, a sua dimensão, a falta de pessoal europeu para administrar as novas possessões e a necessidade de contenção nas despesas administrativas.

administração directa, cuja extensão à totalidade das possessões coloniais se revelava pouco viável, no plano imediato, foi apenas aplicada a pequenos territórios costeiros, como foram os casos das «Quatro comunas do Senegal» — Dacar, São Luís, Rufisque e Goreia, pelos franceses – e das Colónias da Coroa Serra Leoa, Costa do Ouro (Gana) e Lagos (pertencente à actual Nigéria), pelos ingleses, mas viria a traduzir-se num fracasso, devido ao pouco entusiasmo dos funcionários coloniais e ä frustração geral dos novos africanos ocidentalizados, que se viam sistematicamente afastados do aparelho administrativo.

No período entre as duas guerras, as chefaturas africanas deixaram de ser autoridades indígenas para se tornarem meros agentes administrativos, participando na recolha dos impostos, nas operações de recenseamento, no recrutamento de mão-de-obra e seu alistamento, estando as suas atribuições e poderes tradicionais muito limitados ou diminuídos. No caso de estes chefes não cumprirem as novas funções com a diligência necessária, poderiam ser substituídos por elementos da sua família, menos hostis as práticas coloniais, ou por antigos funcionários ou militares africanos.

A Inglaterra era a única metrópole europeia a estar bem-dotada de colónias de povoamento ou colónias «brancas», situadas nas regiões de clima temperado, sendo as únicas em que os britânicos estabeleceram uma evolução no sentido de um governo responsável. Assim, o Canadá viu-se dotado de um governo logo em 1841, seguindo-se a Austrália (1900), a Nova Zelândia (1907) e a União Sul-Africana (1910), sendo estas praticamente independentes.

As colónias de exploração localizavam-se nas Índias Britânicas ou Holandesas, na Indochina, na África Negra e em Madagáscar, tendo-se fixado nelas plantadores, funcionários administrativos e militares, em número sempre crescente. Nestes casos, estas possessões coloniais tornaram-se «colónias da Coroa», administradas por um governador, sendo este assistido por um conselho eleito, constituído por representantes das populações locais, não havendo qualquer perspectiva duma evolução no sentido de um governo autónomo.

As formas de exploração económica: o papel das companhias monopolistas

O sistema económico colonial era o prolongamento natural do sistema da potência colonizadora, reservando-se às colónias o papel de produtoras de matérias-primas destinadas à exportação, ficando estas totalmente dependentes dos países capitalistas desenvolvidos para a obtenção de quaisquer produtos manufacturados ou tecnologia.

O padrão de trocas comerciais reflectia um crescimento lento, baseado fundamentalmente nas importações de tecidos e de alguns objectos de uso, enquanto que as exportações se limitavam praticamente aos produtos agrícolas, como a borracha, Óleo de palma, café, amendoim e cacau. A acção combinada do capital europeu e da mão-de-obra africana, trabalhando sob coacção, produziu consideráveis excedentes de produtos agrícolas e minerais para o mercado europeu e os seus lucros foram repatriados.

No entanto, parte deste capital acumulado foi reinvestido, permitindo que, após a II Guerra Mundial, surgissem algumas indústrias de transformação e de manufactura leve. A monetização da economia africana já estava estabilizada no decorrer da primeira década do século XX, ainda que tenha sofrido algum retrocesso no decorrer do primeiro conflito mundial.

Até ao final da I Guerra Mundial, os investimentos estrangeiros em África, nas áreas da agricultura e indústria, foram relativamente modestos e com objectivos muito limitados, ainda que se tivessem montado algumas infra-estruturas necessárias ao desenvolvimento colonial, com especial relevo para as estradas, portos e linhas-férreas. Este desenvolvimento colonial foi, em grande medida, autofinanciado pela grande massa dos africanos, através da obrigatoriedade do pagamento do imposto, como consequência imediata da presença colonial no nosso continente. Os africanos foram assim coagidos a participarem nas actividades económicas dos europeus, numa tentativa de ampliação dos sectores monetários da economia. O chamado imposto de palhota foi muito usado nos primeiros tempos da dominação colonial, sendo substituído na década de 1920 por um imposto pessoal ou de capitação, que permaneceu como a forma mais generalizada até ao fim do período colonial.

No que respeita ao trabalho forçado, este começou a ser efectuado pelos administradores europeus com vista a satisfazer a necessidade de mão-de-obra para os novos projectos económicos, tanto de carácter privado como público, já que os salários como os preços de compra mais favoráveis não exerciam qualquer atracção sobre os africanos.

Estes recrutamentos, que podiam ter um carácter migratório ou semipermanente, foram usados:
  • De forma directa, pelos agricultores e companhias concessionárias.
  • Pelos serviços públicos, como carregadores ou trabalhadores nas construções de estradas e linhas férreas.
  • Para o cultivo forçado de produtos agrícolas de exportação.
  • Para as forças militares ou brigadas de trabalho.
  • Por diversos agentes privados, com o apoio das autoridades administrativas.
Ainda que este sistema tenha entrado em declínio logo no início do século XX, quer porque as necessidades de mão-de-obra fossem menores, quer em função da pressão exercida pela opinião pública internacional, tendo sido depois formalmente rejeitado pela Convenção de Trabalho Forçado de 1 930, o seu uso continuou a fazer-se praticamente até ao final da II Guerra Mundial.

Convenção sobre o Trabalho Forçado ou Obrigatório: foi adoptada na Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em Genebra, em 10 de Junho de 1930. Esta convenção adoptou diversas disposições, tais como:
  • Todos os membros da OIT, que ratificassem a Convenção deveriam suprimir o mais rapidamente possível o emprego do trabalho forçado ou obrigatário em todas as suas formas.
  • Poderia empregar-se o trabalho forçado ou obrigatório, num período transitário, unicamente para fins públicos e a título excepcional.
  • O Conselho poderia ainda examinar a possibilidade de suprimir, sem novo adiamento, o trabalho forçado ou obrigatório, em todas as suas formas.

As companhias comerciais ou concessionárias

Inicialmente, os governos metropolitanos não estavam interessados em mobilizar dinheiro e homens para as colónias. Entregaram então a exploração e a ordem pública de vastos territórios africanos a companhias privadas ou concessionárias, dotadas de amplos privilégios. Estas, em princípio, não eram dotadas de direitos de soberania, mas possuíam exércitos próprios e tinham o privilégio de cobrar impostos.

Apesar dos abusos e de uma vontade sistemática de rentabilizar os seus investimentos, os retornos destas companhias foram lentos, já que a maioria dos dividendos foram pagos apenas depois da II Guerra Mundial. Muitas delas faliram ou desapareceram, submersas pelos encargos administrativos. O insucesso comercial de grande parte destas empresas obrigou os governos coloniais dos territórios africanos a assumirem um papel mais activo no desenvolvimento económico. Logo, em 1889, a Empresa Alemã da África Oriental entregou os seus privilégios ao governo alemão, o mesmo acontecendo com a Companhia Imperial Britânica da África Oriental (1894) e a Real Companhia do Níger (1900), que fizeram o mesmo, relativamente a Londres.

O papel das companhias concessionárias na África Oriental

A Associação Britânica da Africa Oriental
British East African Association (Associação Britânica da África Oriental), fundada em 1887, teve como seu mais dinâmico incentivador William Mackinnon, Em 1847, juntamente com Robert Mackenzie, encontrava-se envolvido no comércio costeiro na baia de Bengala. Concentrou-se na actividade de transporte marítimo, através da British Steam Navigation Company, fazendo os seus navios carreiras regulares para Aden e Zanzibar.

O seu interesse por África remonta a 1876, quando pediu o controlo comercial e administrativo de todas as possessões do sultão de Zanzibar, no continente africano. A sua empresa teria todos os direitos desfrutados por uma administração colonial, participando o sultão dos lucros da mesma. Apesar da perda de prestígio que isso significava para a sua autoridade, o sultão aceitou, pois sabia que o controlo sobre essas concessões seria bastante preçário, ao mesmo tempo que procurava que os capitalistas ingleses investissem no «desenvolvimento e civilização de África». Por influência do governo inglês, que não pretendia ver-se sobrecarregado com novos encargos, estas negociações viriam a ser suspensas.

Mackinnon não desistiu e, em 1878, candidatou-se a uma nova concessão, esta de dimensões bem mais modestas, limitando-se ao arrendamento de Dar-es-Salaam e ao território compreendido entre aquela povoação e o Lago Niassa. O sultão viria a recusar a proposta. Foi assim que, em 1887, criou a Associação que viria a ter, num futuro próximo, um importante papel na partilha da África Oriental.

A Sociedade para a Colonização Alemã
Na década de 1870, os comerciantes alemães detinham já uma importante posição no comércio externo de Zanzibar, representando sensivelmente o dobro das exportações da Grã-Bretanha na mesma altura.

Os primeiros pianos alemães para adquirir territórios na África Oriental vieram da «Gesellschaft für Deutsche Kolonisation» (Sociedade para a Colonização Alemã), fundada em 28 de Margo de 1884. Carl Peters, um dos membros fundadores da Sociedade, veio a África nesse mesmo ano, com o intuito de adquirir terras em qualquer local frente à ilha de Zanzibar. Em Africa, procedeu fundamentalmente à assinatura de tratados com os chefes africanos locais, tendo percorrido o interior entre Bagamoyo e Dar-es-SaIaam. A Sociedade conseguiu colocar posteriormente, por decreto de 27 de Fevereiro de 1885, um dia depois do encerramento da Conferência de Berlim, os territórios visitados por Peters sob a protecção da Alemanha, transmitindo o controlo destes à Sociedade para a Colonização Alemã.

A Companhia Imperial Britânica da Africa Oriental

Associação Britânica da África Oriental era uma pequena empresa com um capital modesto. O seu interesse estava situado no interior, numa região acima do Lago Vitória, onde se localiza o actual Uganda. Os acordos entre a empresa britânica e o sultão de Zanzibar foram reconhecidos pelo governo britânico e, em 18 de Abril de 1888, a associação passou a designar-se por Imperial British East Africa Company (IBEAC) (Companhia Imperial Britânica da Africa Oriental), cuja concessão lhe permitia a administração e exploração dos territórios desde Kipini, no norte, ao rio Umba, no sul, permitindo-lhe também a sua penetração para o interior.

As negociações anglo-alemãs (Tratado Zanzibar-Heligolândia, de 1 de Julho de 1890) vieram a travar a expansão da IBEAC, mas os ingleses ganharam através da diplomacia os territ6rios que sempre tinham pretendido - Quénia, Uganda e Zanzibar.

IBEAC foi entregue a administração e controlo do novo protectorado do Uganda. Em 6 de Agosto de 1890, uma expedição avançou para o interior, tendo conseguido junto dos chefes africanos a abolição do comércio de escravos, liberdade de comércio e consciência, ficando, porém, a sua autoridade limitada pela presença de um residente britânico. A Companhia foi obrigada a retirar-se do interior devido ä escassez de fundos, já que as despesas excediam largamente as receitas e as perspectivas, num futuro imediato, não pareciam ser as melhores.

O Governo britânico, após ter considerado a África Oriental de grande importância estratégica, na expectativa de novos mercados, declarou oficialmente o Protectorado Britânico do Uganda, em 12 de Abril de 1894.

Mais tarde, em 1 de Julho de 1895, o governo viria a assumir igualmente o controlo da região entre o Buganda e a costa, estabelecendo o Protectorado Britânico da África Oriental. A faixa costeira foi colocada sob a administração do Protectorado Britânico de Zanzibar.

A IBEAC foi salva da falência, através do pagamento de 250 mil libras pelas despesas efectuadas, tendo devolvido a sua carta de privilégio, acabando por ser liquidada em 1895.

A Empresa Alemã da Africa Oriental

Os territórios alemães na Africa Oriental foram entregues à administração e exploração da «Deutsche-Ost Africa Gesellchaft» (DOAG) (Empresa Alemã da África Oriental), tendo como principal accionista o imperador alemão. Em 1887, esta empresa adquiriu os direitos da Sociedade para a Colonização Alemã, permanecendo o seu controlo nas mãos de Carl Peters. Os alemães conseguiram, através de um acordo com o sultão de Zanzibar, em 26 de Abril de 1888, uma faixa costeira que se estendia do rio Umba, no norte, ao rio Rovuma, no sul. Contudo a capacidade administrativa da empresa era frágil. O capital era pequeno e insuficiente para implementar uma autoridade efectiva e o aparato necessário à exploração comercial do território.

Apos ter estabelecido a sua administração em Africa, em 15 de Agosto de 1888, a empresa alemã começou desenfreadamente a cobrar impostos sobre funerais, transportes, cacau, para além de ter instaurado uma pesada burocracia. Isto levou a que os comerciantes suahili e árabes liderassem uma revolta, cujo centro era Bagamoyo, a partir 22 de Setembro daquele ano. A revolta estendeu-se rapidamente a todo o território da DOAG, recusando os revoltosos a aceitar a autoridade do sultão. Esta viria a ser liderada por Abushiri ibn-Salim, um traficante de escravos, proprietário de engenhos de açúcar e membro de uma família local proeminente.

O Estado alemão concedeu os créditos necessários para debelar a revolta, tendo-se constituído um exército formado essencialmente por tropas africanas. Em Maio de 1889 são lançadas operações em Bagamoyo e Dar-es-Salaam. A revolta seria facilmente esmagada, pela ausência de apoio dos chefes locais a Abushiri ibn-Salim. Este viria a ser capturado e enforcado, em 15 de Dezembro de 1889.

Posteriormente, verificou-se que a DOAG não tinha condições financeiras para cumprir as suas obrigações administrativas. O governo alemão assumiu o seu controlo em 1 de Janeiro de 1889, quando fundou a colónia real da Africa Oriental. A empresa foi generosamente indemnizada e continuou a sua existência como uma empresa comercial privada.


Bibliografia
SOPA, António. H10 - História 10ª Classe. 1ª Edição. Texto Editores, Maputo, 2017.
Fig.1: Colonialismo Português
 

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