As particularidades do Colonialismo Português: o caso de Moçambique

As particularidades do Colonialismo Português: o caso de Moçambique

A partir de 1850, o capitalismo português estava em franca ascensão, ainda que o pais se mantivesse num estado quase feudal e muito dependente do financiamento externo. Vinte anos mais tarde, surgia a base de uma indústria têxtil que procurava romper com a tradicional dependência inglesa, tendo como mercado preferencial as colónias africanas.

Percentagem do comércio com as colónias no comércio total de Portugal
Anos
Importações
Exportações
Total Importações + Exportações
1896
2,90
11,50
6,56
1900
2,83
18,25
8,27
1910
3,72
18,74
8,80
1920
3,80
14,10
6,07

A formulação de um Império Colonial Português em Africa data da segunda metade do século XIX, após a independência do Brasil (1822). A sua construção, a par da ocupação gradual do espaço colonial, então sob a ameaça de outras potências europeias, passava por uma profunda transformação das suas estruturas sociais e económicas, pondo fim ao tráfico esclavagista. A descoberta de importantes jazigos auríferos na África austral, aliada ao clima de prosperidade em Moçambique, beneficiando-se das relações com o Natal e da abertura do canal do Suez (1 869), levaram o governo português a iniciar um novo ciclo de reformas e de desenvolvimento do seu sistema colonial.

A partir da década de 1880, a actividade colonial assumiu uma importância maior ao nível dos comerciantes portugueses, em parte motivada por uma política mais dinâmica do Governo e da Sociedade de Geografia de Lisboa. Seria neste âmbito que se organizaria a «expedição de obras públicas», em 1877, com o objectivo de abrir vias de comunicação para o comércio com o interior. Simultaneamente, legislava-se sobre a liberdade de trabalho, pondo fim ao sistema esclavagista, ainda que se mantivessem formas de coerção muito próximas dele. A escassez de meios financeiros e humanos obrigou o Governo português a recorrer aos capitais estrangeiros, à abertura dos mercados e ao aumento das exportações.

Durante toda a década de 1890, as possessões portuguesas em África viveram um clima altamente instável, chegando a Grã-Bretanha e a Alemanha a negociarem um acordo secreto que previa a partilha do «império português» (Tratado de Westminster) na eventualidade de Portugal ser obrigado a abdicar das suas colónias. Esta instabilidade teve muito a ver com a crise financeira portuguesa de 1890, que obrigou à desvalorização da moeda e a um reajustamento unilateral da sua divida externa.

As colónias foram obrigadas a pagarem por si e a encontrarem alguma forma de contribuírem para os problemas externos da economia metropolitana. Assim, os administradores coloniais deram prioridade procura de meios menos dispendiosos e mais directos de levar a colónia a não dar prejuízo. No entanto, o ambiente de insegurança política que ainda se Vivia em Moçambique não permitia a atracção de investimentos, já que mesmo as povoações costeiras mais antigas eram regularmente ameaçadas e atacadas pelos chefes africanos locais.

O Governo português transferiu então para companhias privadas ou concessionárias a administração, ocupação militar e desenvolvimento de grande parte da colónia, deixando a região meridional, a sul do Save, para ser explorada directamente pelo Estado como reserva de mão-de-obra para as minas sul-africanas.

A implantação destas companhias concessionárias e a penetração dos investimentos estrangeiros propiciaram, de um modo geral, o seu desenvolvimento económico, alargando as formas de organização capitalista da produção e da comercialização. O sucesso destas companhias deveu-se, fundamentalmente, a uma organização capitalista moderna, mas também fazendo recurso aos seus privilégios e às actividades comerciais e agrícolas.

Algumas das grandes companhias privilegiadas criadas em Moçambique

Ano
Companhia
1888, 13 de Fevereiro
Concedida à Companhia de Ofir (Companhia de Moçambique, em 1891) o privilégio de uma concessão na África Oriental Portuguesa, por um prazo de 30 anos.
1891, 11 de Fevereiro
Assinado o decreto concedendo os territórios de Manica e Sofala à Companhia de Moçambique.
1891, 26 de Setembro
Concedido à empresa Bernardo Daupias & C. o territ6rio compreendido entre o rio Lúrio, a Sul, o rio Rovuma, a Norte, o Oceano índico, a leste e a região dos Lagos, a Oeste.
1892, 5 de Maio
Constituída definitivamente a Companhia de Moçambique.
1892, 24 de Setembro
Concedido à Companhia da Zambézia a administração por conta própria, por um período de 10 anos, dos prazos da Coroa situados a norte do rio Zambeze.
1893, 9 de Março
Accionistas ingleses e franceses adquirem o capital da empresa Bernardo Daupias & C., passando a nova empresa a designar-se por Companhia do Niassa.

A ocupação militar em Moçambique

A aceleração da actividade militar nas colónias portuguesas começou a partir da Conferência de Berlim, numa tentativa de fazer a ligação entre Angola e Moçambique, concretizando assim o projecto do «mapa cor-de-rosa». Realizaram-se uma série de expedições, iniciadas em meados de 1888, de acordo com um plano elaborado em Lisboa. Esta tentativa de expansão foi interrompida no Niassa e em Manica, com os conflitos anglo-portugueses, estando na origem do célebre Ultimatum de 1890.

A ocupação militar de Moçambique foi feita em três períodos distintos, que apresentamos na página seguinte (ver também Fig. 73).

Ultimatum inglês: foi emitido pelo governo inglês contra Portugal, em 11 de Janeiro de 1890, obrigando este último pais a retirar as suas forças militares do interior da Africa Austral (nas actuais zonas do Zimbabwe e Zâmbia), quando estas procediam à sua ocupação militar, pretendendo concretizar o sonho de uma «Africa Meridional Portuguesa».

  • 1850-1894: período em que Portugal usou apenas as suas tropas coloniais e os aliados africanos locais, em guerras feitas sem grande motivação, não impressionando nem colonizados, nem a metrópole colonial, nem as outras potências europeias interessadas em substituir-se a Portugal em Moçambique. Mas não se pode ignorar a resistência tenaz das famílias prazeiras no vale do Zambeze que, entre 1867 e 1869, causaram pesadas derrotas aos exércitos portugueses em Massangano.
  • 1895-1910: este foi verdadeiramente o período de ocupação colonial, superiormente gerido pelo Governo central, em Lisboa. São usadas tropas portuguesas e armamento largamente superior ao dos seus adversários africanos. Isto não quer dizer que a ocupação se tenha feito por uma série de vitórias acumuladas umas sobre as outras. Catástrofes e derrotas não faltaram, tal como ocorreu com a campanha dos Namarrais (1896-1897), no norte de Moçambique. Noutros casos, esta ocupação revelou-se demasiado frágil, tal como ocorreu no Bàrué, onde persistiram formas mais ou menos de guerrilha, na zona montanhosa da fronteira com o actual Zimbabwe. Na última década, a região do Niassa mantinha-se ainda fora da alçada do poder colonial, derrotando apenas o chefe Mataka, o principal chefe Yao, em 1912. A sul do rio Lúrio sé se viria a proceder penetração militar a partir de 1905, ficando terminada após 1910 (Figs. 70, 71 e 72).
  • 1910-1926: surgiu um novo surto de dificuldades para Portugal, obrigando-o a um conjunto de operações encarniçadas, mas que nunca puseram em causa a sua presença colonial. Estas parecem dever-se a um conjunto de circunstâncias, como:
— As reivindicações de certos africanos evoluídos, que julgavam justificar-se um afrouxamento do jugo colonial.
— Persistência ou acentuação de toda a espécie de abusos coloniais.
— Os ataques alemães em Angola (1914) e em Moçambique (1916-1918) e à perda de prestígio que isso resultou para Portugal. Estes acontecimentos militares propiciaram a ocupação de partes do planalto dos macondes (1917), processo que ainda iria decorrer até 1924.

Fig.1: Colonialismo Português

Um ataque dos Namarrais às tropas portuguesas, em 19 e 20 de Outubro de 1896

«Cerca das 10 horas da manhã, marchando-se com dificuldade por um caminho estreito, estabeleceu-se contacto com o inimigo, que às ocultas fuzilava os nossos, sendo necessário fazer avançar o pelotão de Caçadores 4, de guarda avançada, e formar os seus homens em cordão, na frente da coluna, que então logrou avançar um pouco mais desafogadamente, desembocando na maxamba da Mujenga pouco depois das 1 1 horas.
Tendo formado quadrado com a face da frente a noroeste, o tiroteio do inimigo, invisível, mas perto, desencadeou-se como saraivada, causando-nos logo vinte e uma baixas. Nestas circunstâncias e nada conseguindo com o fogo das nossas fileiras, fez-se entrar em bateria no ângulo mais flagelado uma das pecas, ao mesmo tempo que o pelotão de cavalaria, em linha, apesar da espessura do mato, carregava o adversário, desalojando-o. Mal os nossos recolheram ao quadrado, as guerrilhas namarrais romperam de novo fogo, ferindo o próprio governador-geral e outros oficiais. Recorreu-se então ao expediente de mandar ocupar por esquadras de landins e caçadores uns morros de muchém que existiam nas proximidades do quadrado, constituindo-se ao mesmo tempo uma trincheira que o envolvia e servia de abrigo aos nossos. Assim se conseguiu a segurança, que se la tornando muito necessária.
[…]
À noite, o fogo, que afrouxara pela tarde, aumentou de intensidade, tendo vindo em auxílio dos namarrais a gente do Marave e do Matibane, o que obrigou as tropas a uma continuidade e fatigante vigilância.

A situação ia-se tornando comprometedora, tanto mais que se averiguou que o guia atraiçoara a coluna, levando-a aquele ponto, onde se cria que não poderia resistir.

Isto obrigou Mouzinho [de Albuquerque], que projectava avançar na manhã seguinte para Naguema, a retirar para Natule as 4.30 da madrugada, levando ä frente o comboio e debaixo dum intenso fogo, que não deixou de perseguir implacavelmente a coluna senão a alguns quilómetros do termo da marcha que se atingiu perto das 10 1/2 horas. A guarda da retaguarda teve muitas vezes de conter pelo fogo o adversário, que chegou a aproximar-se a 100 metros».

O ataque ao quadrado de Marracuene, em 2 de Fevereiro de 1895 sem que no bivaque se desse por tal, e sem que agora mesmo se possa reconstruir exactamente a cena, negros ágeis e subtis como cobras, que se tinham entranhado nas moitas avizinhadas das sentinelas, de rojo, coleantes, sem fazer estalar um ramo ou rumorejar um folhedo, devem ter fulminado algumas delas com azagaiadas certeiras; outros, mascarados com os capotes e os bonés do piquete que safra a talar o campo e não voltara, terão passado sorrateiros pelos postos, falando-lhes em português como se fossem pragas tresmalhadas desse mesmo piquete que reuniam ao corpo; ainda outros, talvez os mais numerosos, conseguiram insinuar-se pelas abertas da linha de vigilância, cosidos com a terra, cobertos com a vegetação e a noite: agrupados depois estes traiçoeiros assaltantes junto à margem do Incomáti, avançaram para a face direita do quadrado, na sua parte formada pelos pelotões de Caçadores 3, para abrir uma primeira brecha na desprotegida muraIha dos peitos humanos, que eles já sentiam palpitar ao alcance das azagaias. Tudo isto foi instantâneo, mais pronto do que um grito de alarme. As tropas só se sobressaltaram ao distinguirem, já ali ao pé, um tropel de gente que vinha correndo e gritando: Camaradas, não façam fogo! Camaradas angolas!».


Bibliografia
SOPA, António. H10 - História 10ª Classe. 1ª Edição. Texto Editores, Maputo, 2017.

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