As resistências africanas

As resistências africanas

Ainda que as resistências africanas, no seu conjunto, não tenham atingido os seus objectivos mais importantes, estas não deixaram de ter um profundo significado, na medida em que provam que os africanos nunca se resignaram à ocupação europeia e que, muitas vezes, esta dinâmica era movida por ideologias racionais e inovadoras, tendo consequências importantes no seu tempo. As resistências conquista colonial tornaram-se um dos momentos fundadores do nacionalismo africano, e a referência a essas resistências um dos ingredientes mais habituais da moderna cultura política em Africa.
O fracasso desta luta deveu-se a múltiplos factores, muitos dos quais anteriores à divisão do continente africano pelas potências europeias, tais como:
  • O facto de os Estados africanos mais poderosos serem fruto de conquistas recentes. 
  • O particularismo étnico.
  • As divisões internas entre as camadas ou classes dirigentes, ou entre estas e as populações que dominavam.
As acções desenvolvidas pelos Estados africanos tiveram como objectivos:
  • Manter a soberania das sociedades autóctones.
  • Tentar atenuar alguns abusos específicos do regime colonial.
  • Destruir o poder estrangeiro que estava na origem de tal abuso.
Neste combate, os africanos usaram tácticas diversas, em função de múltiplos factores, que passavam pela organização política, social e cultural dos Estados africanos na véspera da colonização, e pelo seu grau de integração na economia do mercado. Assim:
  • Reagiram, de imediato, contra as tropas estrangeiras, apesar de estas últimas serem militarmente superiores.
  • Tentaram evitar o contacto com os invasores, na perspectiva de obterem o reconhecimento da sua soberania, através de um tratado ou acordo, enquanto procuravam aumentar o seu potencial militar.
  • Submeteram-se pacificamente ao poder estrangeiro, reagindo depois com o objectivo de reconquistarem a sua independência.
Muitos destes estados enfrentaram os invasores sem procurar alianças, mas houve casos em que estes tentaram estabelecer bases mais amplas, reactivando laços ancestrais com povos e culturas aparentadas, ou apelando directamente para a ajuda económica dos camponeses insubmissos, dando assim à rebelião major envergadura e garantindo o apoio das populações na luta contra o opressor comum.

Depois, já com a dominação estabelecida e a implantação de relações capitalistas, as populações africanas continuaram a insurgir-se perante os abusos cometidos pelas autoridades coloniais, pela imposição do trabalho forçado ou compelido e pela pesada tributação a que ficaram sujeitas.

Mais do que pôr em causa o sistema que os provocava, esta agitação tinha em vista corrigir situações intoleráveis. As acções empreendidas pelos africanos foram de vária ordem, tais como:
  • Fuga aos impostos.
  • Simulação de doenças.
  • Ritmo lento no trabalho.
  • Greves e fugas.
  • Sabotagem dos equipamentos agrícolas.
  • Queima dos entrepostos e feitorias.
  • Roubos nos armazéns das companhias concessionárias e dos negociantes locais.
  • Destruição dos meios de transporte e das vias de comunicação.
Os camponeses também constituíram comunidades de refugiados em zonas desabitadas e de difícil acesso, escapando assim ao poder colonial. Outros grupos preferiram afrontá-lo directamente, atacando os recrutadores de mão-de-obra, os cobradores de impostos e os policiais africanos, na ânsia de protegerem as suas aldeias e famílias. Foram numerosas as revoltas camponesas. Ainda que limitadas no espaço e no tempo, sendo muitas vezes desorganizadas, mutáveis e circunscritas, possibilitaram a criação duma consciência política, permitindo-lhes mais tarde integrarem movimentos anticolonialistas de maior envergadura.

Figuras de resistência

Cetshwayo (c. 1826-1884)


Fig.1: Cetshwayo
A partir de Abril de 1877, com a chegada de Sir Bartle Frere, governador geral britânico da Colónia do Cabo e comissário para a África do Sul, dava-se início submissão dos zulus. Em 11 de Dezembro de 1878, este enviou ao rei Zulu, Cetshwayo, um ultimato que era uma verdadeira declaração de guerra.

Em virtude de o rei africano não o ter aceite, a Grã-Bretanha viria a sofrer a maior derrota da sua história colonial. Em 22 de Janeiro de 1879, um poderoso exército Zulu, de 20 mil homens, derrotou as forças britânicas em Isandhlawana, tendo morto cerca de 800 europeus.

A guerra que se seguiu foi uma das grandes campanhas coloniais. Em 1 de Junho de 1879, novo desastre viria a ocorrer, tendo morrido o príncipe imperial de Franca, o filho de Napoleão III. Pouco depois, após o envio de nova expedição militar britânica, comandada pelo seu mais famoso general, Sir Garnet Wolseley, o poderio zulu entrou em declínio. Em 4 de Julho de 1879, o kraal real em Ulundi foi conquistado, sendo Cetshwayo capturado pouco tempo depois.

A Zululândia foi então dividida em 13 pequenos Estados em permanente conflito entre si, desfazendo-se desse modo o poder de Cetshwayo. Em 1882, este deslocou-se a Londres, para pedir o apoio do governo britânico contra os seus rivais. Foi recebido pela rainha Vitória, mas o seu pedido foi recusado. Viria a morrer no seu kraal, em 8 de Fevereiro de 1884, provavelmente envenenado.

Menelik (1844-1913)

Fig.2:  Manelik

Era descendente da família real de Shoa, uma região no centro da Etiópia, onde mais tarde iria erguer-se a capital Adis Abeba. Durante o seu reinado (1865-1908) viria a construir um Estado forte, centralizado e moderno, tendo dotado o país com um sistema postal, moeda própria, uma linha férrea e um jornal.

Organizou um exército poderoso, com mais de cem mil espingardas. Pressionado pelos países estrangeiros – ingleses, franceses, italianos, suíços, austríacos e russos -, viria a assinar um Tratado de Paz e Amizade Perpétuas com a Itália, em 2 de Maio de 1889. Nesse tratado, a Itália reconhecia Menelik como imperador da Etiópia em troca de vários privilégios estratégicos e comerciais. Um mal-entendido deliberado, que tinha a ver com a tradução desse tratado, obrigava a Etiópia a usar os serviços diplomáticos da Itália nas suas relações com o exterior, o que tornava, na verdade, aquele reino africano, um protectorado italiano. Em Setembro de 1895, Menelik declarou guerra à Itália. Em Margo de 1896, na batalha de Adowa, o exército etíope conseguiu uma esmagadora vitória sobre o exército italiano, composto por 18 mil homens. Ras Makonnen – o pai do futuro imperador Hailé Selassié – comandando as forças etíopes, provocou 6000 mortos, 1500 feridos e 1800 prisioneiros aos italianos. As negociações subsequentes levaram à assinatura do Tratado de Adis Abeba, em 26 de Outubro de 1896. Revogou-se o tratado anterior, reconhecendo-se ainda a soberania e independência da Etiópia.

Samori Turé (c. 1830-1900)

Fig.3: Samori Turé

Samori é uma figura lendária da Africa Ocidental. O seu império surgiu a partir de 1870, continuando sob várias formas, até à sua destruição pelos franceses, em 1898. Este estava assente num exército criado e treinado sob uma rigidez militar sem precedentes. Era constituído fundamentalmente por infantaria, a que viria posteriormente a acrescentar-se a cavalaria. Ao transformar o seu reino num Estado islâmico permitiu a consolidação do mesmo. Ao adoptar o título de almani, assumia-se simultaneamente como governador temporal e espiritual do seu povo.

Apos ter pedido a protecção da Inglaterra, Samori viu-se envolvido numa série de campanhas e batalhas contra os franceses, entre 1881 e 1885. Em 28 de Março de 1886 foi assinado um tratado de paz e um acordo de comércio, nos quais ficaram estabelecidas as fronteiras entre a esfera de influência francesa e a do seu império.

Ele reconheceu um protectorado francês no seu reino, mas não aceitou que isso desse à Franca qualquer autoridade de o governar. Em Maio de 1891, apos uma nova sucessão de incidentes na fronteira, Samori rompeu com a Franca. Samori viria a adoptar uma política sistemática de «terra queimada», recusando-se ao combate contra os franceses, mantendo assim a integridade do seu exército, vindo a construir um novo império numa região totalmente diferente do Sudão. Em 1898, os franceses viriam a lançar novas campanhas militares e, em 29 de Setembro, Samori foi preso. Foi banido para o Gabão, onde viria a falecer de pneumonia, em 2 de Junho de 1900.


Bibliografia
SOPA, António. H10 - História 10ª Classe. 1ª Edição. Texto Editores, Maputo, 2017.

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