Epistemologia contemporânea e o problema da possibilidade ou não do conhecimento

Epistemologia contemporânea e o problema da possibilidade ou não do conhecimento

As questões relativas possibilidade e à validade do conhecimento, cruciais na Filosofia de todos os tempos, ganharam renovado interesse na sociedade moderna, voltada para o saber científico e tecnológico. Quanto maior a importância da ciência, maior é a necessidade de dotá-la de sólidos fundamentos teóricos e critérios de verdade.

Epistemologia, gnosiologia ou teoria do conhecimento é a parte da filosofia cujo objecto é o estudo reflexivo e critico da origem, natureza, limites e validade do conhecimento humano. A reflexão epistemológica incide, pois, sobre duas áreas principais: a natureza ou essência do conhecimento e a questão das suas possibilidades ou do seu valor.
A epistemologia foi entendida tradicionalmente como teoria do conhecimento em geral. No século XX, no entanto, os filósofos interessaram-se principalmente na construção duma filosofia da ciência, na suposição de que, ao formular teorias adequadas ao conhecimento científico, poderiam avançar pela mesma via na solução de problemas gnosiológicos mais gerais.

A elaboração de uma epistemologia desse tipo constituiu a preocupação principal dos autores do Círculo de Viena, que foram o germe de todo o movimento do Empirismo ou Positivismo lógico. Esses pensadores tentaram construir um sistema unitário de saber e conhecimento, para o que se requeria a unificação da linguagem e da metodologia das diferentes ciências. A linguagem única deveria ser intersubjetiva – o que exige a utilização de convenções formais e de uma semântica comum e universal, ou seja, qualquer proposição deveria poder ser traduzida para ela.

Encontramo-nos no início do século XXI. Mais do que viver a realidade, o Homem constrói, recria a sua realidade a tal ponto que já é difícil delinear rigorosamente o mundo real da realidade virtual, a Vida da Vida artificial, a inteligência da inteligência artificial. Contudo, os conceitos que utilizamos para nos referirmos as novas realidades continuam a estar carregados de velhos modelos de compreensão e explicação da realidade.

É um facto que a ciência moderna, ao opor-se ao senso comum e as verdades religiosas, se constitui como um conhecimento que se funda na tentativa de apropriação de um objecto tal qual ele é, sem que os sentimentos, os gostos, as crenças, os preconceitos pessoais, interfiram na sua elaboração. Caracterizar a ciência como um conhecimento objectivo supõe que o Homem postule a dicotomia entre o sujeito e o objecto e que o conhecimento científico do objecto corresponda a uma representação exacta e fidedigna desse mesmo objecto ou realidade.

O sujeito manter-se-ia imparcial, neutro, limitar-se-ia a deixar-se impregnar pelo objecto, tal como uma pelicula fotográfica se deixa impregnar pela imagem de uma paisagem, coisa ou pessoa. Então, o conhecimento científico mais não seria do que uma reprodução, uma cópia da realidade.

Texto 01
A adaptação faz-se por assimilação e acomodação
O desenvolvimento psíquico que se inicia com o nascimento e termina na idade adulta é comparável ao crescimento orgânico. Tal como este, consiste essencialmente numa marcha para o equilíbrio. O desenvolvimento é, portanto, em certo sentido, uma equilibração progressiva, uma passagem perpétua de um estado de menor equilíbrio a um estádio de equilíbrio superior. Cada um destes estádios é, pois, caracterizado pelo aparecimento de estruturas originais, cuja construção o distingue dos estádios anteriores» (Jean Piaget, Seis Estudos de Psicologia).

A essência destas construções, para Piaget, encontra-se no decorrer dos estádios ulteriores, como parte fundamental sobre as quais se vêm edificar os caracteres novos. Cada estádio constitui, assim, pelas estruturas que o definem, uma forma de equilibração particular e a evolução mental efectua-se no sentido de uma equilibração cada vez maior. Deste modo, o autor realiza um esforço para nos levar à compreensão do fenómeno «evolução» num processo continuo de adaptação que ocorre através do processo de assimilação e acomodação às condições do meio.

Segundo Jean Piaget, toda a necessidade tende primeiro a incorporar as pessoas e as coisas na actividade própria do sujeito; portanto a assimilar o mundo exterior às estruturas já construídas e, segundo, a reajustar estas em função das transformações sofridas, portanto a acomodá-las aos objectos externos.

Nesta perspectiva (ainda de acordo com o autor), toda a Vida mental, como a própria Vida orgânica, tende a assimilar progressivamente todo o ambiente, o meio, e realiza esta incorporação graças às estruturas ou órgãos psíquicos cujo raio de acção é cada vez mais extenso: a percepção e os movimentos elementares facultam, primeiro, a posse dos objectos próximos e no seu estado momentâneo e depois a memoria e a inteligência prática permitem, ao mesmo tempo, reconstruir o seu estado imediatamente anterior e antecipar as suas transformações futuras.

A inteligência lógica, sob forma de operações concretas e, finalmente, abstractas, termina esta evolução, tornando o sujeito senhor dos mais longínquos acontecimentos no espaço e no tempo. Neste ponto, Piaget estabelece uma ligação entre o processo do desenvolvimento psicossomático com o acto do conhecer a realidade objectiva à sua volta. Pode-se chamar adaptação ao equilíbrio destas assimilações e acomodações (...). O desenvolvimento mental surge, na sua organização progressiva, como uma adaptação cada vez mais precisa à realidade.

Adaptado de Jean Piaget; Seis Estudos de Psicologia.

Questões para a reflexão
1. O que entende por adaptação?
2. Em que circunstâncias ocorre uma adaptação? Dê um exemplo.

Texto 02
Análise fenomenológica do acto de conhecer
«Encontramos como primeiros elementos no conhecimento o sujeito pensante, o sujeito cognoscente e o objecto conhecido. Todo o conhecimento há de ser de um sujeito sobre um objecto. É deste modo que a parelha sujeito cognoscente - objecto conhecido é essencial em qualquer conhecimento. Esta dualidade do objecto e do sujeito é uma separação completa, de maneira que o sujeito é sempre o sujeito e o objecto é sempre o objecto.

Nunca se pode fundir o sujeito no objecto nem o objecto no sujeito. Se se fundissem, se deixassem de ser dois, não haveria conhecimento. O conhecimento é sempre, pois, essa dualidade de sujeito e objecto» (G. Morentel J. Bengoecha, Fundamentos da Filosofia).

Para os dois autores, o acto de conhecer é um processo dialético que pressupõe a existência de dois elementos fundamentais que se posicionam um diante do outro. Esta dualidade estabelece-se como uma relação da correlação, uma relação dupla, de ida e volta, que consiste em o sujeito ser sujeito para objecto e o objecto ser objecto para sujeito.
Neste ponto, os dois autores concordam com Nicolai Hartmann em como o processo do conhecimento impõe uma dialéctica entre o sujeito e o objecto, numa relação da correlação em que nenhum pode existir de uma forma independente, como duas faces de uma moeda.
«Mas além disso esta correlação é irreversível. (...) Não há a possibilidade de o objecto se converter em sujeito ou o sujeito se converter em objecto» (ibid). Esta relação consiste em que o sujeito faca algo. Mas o que é que o sujeito faz?

O sujeito sai de si até ao objecto para apoderar-se dele, para captar. Esse apoderar-se de objecto não consiste contudo, em tomar o objecto, agarrá-lo e metê-lo dentro do sujeito. Não. Isso acabaria com a correlação. O que o sujeito faz, ao sair de si mesmo para se tornar dono de objecto, é captar o objecto mediante um pensamento, como observam Morente e Bengoecha (N. Hartmann em Fenomenologia do Acto de Conhecer) Por fim, não temos somente o sujeito e o objecto, mas agora também temos o pensamento. O pensamento, pois, produzido por uma acção simultânea do objecto sobre o sujeito e do sujeito ao querer ir até ao objecto

Adaptado de G, Morente e Juan Bengoechea, Fundamentos de Filosofia.

Questões para a reflexão
1. Na fenomenologia do acto de conhecer «não há a possibilidade de o objecto se converter em sujeito e o sujeito converter-se em objecto».
·       Como explica esta irreversibilidade? (Apoie-se no texto).
2. Com base no texto, explique como são produzidos os pensamentos.

Bibliografia
CHAMBISSE, Ernesto Daniel; COSSA, José Francisco. Fil11 - Filosofia 11ª Classe. 2ª Edição. Texto Editores, Maputo, 2017.

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