Facto e tempo históricos (e métodos específicos da História)

Facto e tempo históricos

O facto histórico
O facto é algo (um acontecimento, por exemplo) que se verifica, podendo ser descrito de uma forma precisa, medido, avaliado. O facto pode ser uma acção realizada pelo Homem ou não. Em termos históricos, o facto histórico é todo o acontecimento que deixa marcas no pensamento do Homem, na sociedade e na humanidade em geral.

Nem todo o acontecimento é um facto histórico. Este distingue-se de outros acontecimentos pelo seu carácter irreversível, espacial e temporal, para significar que os acontecimentos históricos não se repetem tal como se deram e que se localizam no tempo e no espaço.

O tempo histórico

Como poderíamos definir este novo conceito que nos aparece?
Comecemos por ver algumas ideias a respeito desta noção:

«... é o meio indefinido e homogéneo no qual se desenvolvem os acontecimentos sucessivos; parte da duração ocupada por acontecimentos; (...)» Dicionário.

«(...) É certo ser difícil imaginar uma ciência, seja ela qual for, que possa abstrair-se do tempo. Contudo, para muitas delas que, por convenção, o fragmentam em partes artificialmente homogéneas, o tempo não é mais do que uma medida (...) o tempo da História é (...) o próprio plasma em que banham os fenómenos, é como que o lugar da sua inteligibilidade».
Marc Bloch op. cit. pp. 28-29.

Filipe Rocha foi mais expressivo: «Atrevo-me a declarar sem receio de contestação que, se nada sobrevivesse, não haveria tempo futuro e, se agora nada existisse, não teríamos tempo presente». E observa: «os corpos sé se podem mover no tempo Observando o conteúdo dos extractos acima podemos concluir que este conceito designa um determinado espaço indefinido e homogéneo, no qual decorrem os fenómenos. Ele é parte intrínseca dos fenómenos. É nele que se enriquecem os fenómenos, tornando-se inteligíveis.

Para datar, é preciso ter uma unidade de tempo. Consideram-se, em geral, unidades de tempo muito maiores: o tempo curto, o tempo médio e o tempo longo.

A medição do tempo histórico

Estrutura e conjuntura
Um dos historiadores que mais reflectiu sobre o tempo histórico foi Fernand Braudel. Para ele, o tempo histórico não obedece à sequência do calendário, mas sim à sequência, mudança ou permanência dos fenómenos. Partindo deste pressuposto, este historiador acaba por propor uma dimensão tripla do tempo histórico, nomeadamente o tempo curto, o tempo médio e o tempo longo.

Como já vimos, para este autor a curta duração refere-se aos acontecimentos ou eventos e o seu estudo não carece de análise e investigação profundas.
A média duração está associada ao tempo das conjunturas, ou seja, das pequenas ou curtas variações cíclicas.

Já a longa duração, por seu lado, refere-se às grandes mudanças ou grandes permanências. É o tempo das estruturas.
Por outras palavras, são as estruturas que servem de marcos para a determinação dos períodos históricos por que passou a humanidade.

Sincronia e diacronia

Uma característica incontornável da História é a dinâmica da duração. Neste sentido, é imprescindível ao historiador a referência ao tempo histórico, que, segundo Braudel, deve ser visto numa dimensão tripla que inclui o tempo curto, que se refere aos eventos ou acontecimentos, o tempo da conjuntura e o tempo longo das estruturas, das permanências, quase imóvel.

O historiador deve associar o seu estudo histórico a uma determinada duração e nunca pode ser tentado a aplicar a certas épocas históricas aspectos típicos de outras, pois cairia na anacronia.

Tendo em conta a dimensão tripla do tempo histórico, a explicação histórica deverá guiar-se por duas posições metodológicas - a sincronia e a diacronia.

A sincronia consiste em verificar, numa mesma época, a conjugação dos diversos fenômenos sociais, económicos, políticos, mentais, etc., que dêem a compreensão dessa época. Por seu turno, a diacronia é a análise da evolução dos fenómenos num período mais longo, procurando captar as camadas mais profundas do passado humano, numa perspectiva mais dinâmica.

Os métodos específicos da História

Comecemos este parágrafo com duas citações de dois notáveis historiadores:
«A História actua através da interpretação das provas, que são a expressão colectiva das coisas, que singularmente se chamam documentos.»
R. G. Collingwood

«Pensei nada dever escrever sem ter submetido investigação mais exacta cada um dos factos, usando maior rigor tanto para o que eu próprio tinha visto, como para o que conhecia por ter ouvido.»
Tucídides

Os dois extractos consubstanciam uma ideia geral em História, segundo a qual é imprescindível a existência de factos para o estudo da História, o que significa que o trabalho do historiador não se desenrola senão em volta desses mesmos factos ou acontecimentos, consistindo a sua análise em procedimentos (métodos) próprios e com fins específicos.
Em geral, a ciência histórica socorre-se da heurística, critica e síntese.

A. Heurística – é a procura de documentos, ou seja, o processo de recolha de fontes históricas. A heurística é uma arte com as suas regras, instrumentos, modos de trabalhar; por isso ser historiador requer um certo tacto, perícia. Muitas vezes, os documentos só se revelam quando, o historiador os reclama, procura, faz surgir por meio de engenhosos processos para isso imaginados.

A selecção de fontes inclui a exploração da bibliografia do tema a abordar. Portanto, no início do seu trabalho, o historiador deve ler tudo quanto existe sobre o assunto que vai tratar, de modo a que evite repetições desnecessárias e se possa orientar com os predecessores o género de fontes que poderá encontrar sobre o tema.

B. Critica – em presença dos documentos, o historiador preocupa-se em compreendê-los. Para isso deve escutá-los, deixá-los falar, dar-lhes a possibilidade de se revelar como são.
A critica desdobra-se em duas operações:

Crítica externa, que compreende:
  • Crítica de autenticidade – é feita para que o historiador se certifique que a fonte chegou ao seu conhecimento sem ter sofrido mutilações ou deturpação do seu conteúdo. Analisa se o documento é autêntico ou não.
  • Critica de proveniência – o historiador confronta a fonte com outras que abordam problemas similares, para tentar encontrar respostas às perguntas: quem redigiu o documento? Quando? Onde? Como? Como é que o documento chegou até nós?
Critica interna, que se subdivide em:
  • Critica de credibilidade – o historiador procura verificar a sinceridade, competência e exactidão do documento.
  • Critica de interpretação – o historiador procura detectar com exactidão o que o autor da fonte disse ou quis dizer.
A critica interna inclui a Hermenêutica. Esta consiste na interpretação dos documentos com o fim de saber em que medida é que a informação fornecida responde às questões colocadas inicialmente. Com efeito, feita a critica dos documentos e, portanto, apurada a sua autenticidade e credibilidade o historiador fica diante de uma gama de informações, mas não de um conjunto de respostas as questões por si colocadas. Deste modo, impõe-se a selecção das informações que permitam construir a resposta desejada.

C. Síntese histórica - (do grego synthesis, que significa «composição»): junção material ou mental das partes ou aspectos de um objecto, o que permite revelar os seus nexos internos, indispensáveis, e desta forma as leis inerentes a este objecto; reconstrução dos factos históricos na sua complexidade.

A investigação histórica deverá ter, como fim lógico, a elaboração de um trabalho cujo epilogo se concretiza através da síntese – a reconstituição dos factos na sua complexidade.
A critica, externa e interna, dá-nos apenas factos isolados e muitas vezes heteróclitos. Torna-se, pois, necessário repor esses factos isolados no seu contexto e sequência lógica, com os seus antecedentes e as suas repercussões, fazendo deles um todo com uma significação própria. É a verdadeira construção histórica.
Existem vários tipos de síntese ou construção histórica:
  • Biografia – História de um individuo.
  • Monografia – História de uma região, de uma guerra, de um período, de um pais, etc.
  • História geral – História em um ou em todos os seus aspectos (político, económico, social, institucional, cultural, religioso, técnico e psicológico).
  • História comparativa e filosofia da História – Procura induzir leis gerais de um conjunto de factos e tende, frequentemente, a adoptar a forma de História Universal.



Bibliografia
SUMBANE, Salvador Agostinho. H11 - História 11ª Classe. 2ª Edição. Texto Editores, Maputo, 2017.

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