Filosofia política na Idade Moderna

2.2.3. Filosofia política na Idade Moderna

A Filosofia moderna surge no início do século XVI e termina no fim do século XVIII, período extremamente rico em acontecimentos políticos (fim do significado político do império e do papado, afirmação das potencias nacionais, primeiro da Espanha, depois da França, da Inglaterra, da Holanda, e outros países, contestação do poder absoluto dos soberanos e introdução dos governos constitucionais, etc.).

A época moderna, em síntese, apresenta três características fundamentais:
a)     a libertação do Homem em relação as explicações teológicas da realidade, através da razão;
b)    a libertação do Homem dos regimes ditatoriais, através da democracia;
c)     a libertação do Homem da dependência da Natureza, através da técnica.

Esta tripla emancipação do Homem permitirá aos filósofos pensar sem que tenham de obedecer a regras previamente estabelecidas, como acontecia na época precedente, o que resultará numa pluralidade de visões sobre os temas tradicionais da Filosofia política.

Nicolau Maquiavel (1469 – 1527)
Com o fim do império cristão e com o enfraquecimento do poder político do papado, surgem, fora de Itália, Estados nacionais e, em Itália, as repúblicas e as senhorias. Eram regimes onde se respirava o ar de liberdade e onde se procurava, acima de tudo, o bem-estar material dos cidadãos, em detrimento do bem-estar espiritual.
       Maquiavel viveu em Florença no tempo dos Médici. Observava com apreensão a falta de estabilidade da Vida política numa Itália dividida em principados e condados, onde cada um possuía a sua própria milícia. Esta fragmentação do poder transformava Itália numa presa fácil de outros povos estrangeiros, principalmente franceses e espanhóis. Maquiavel, que aspirava ver a Itália unificada, esboça a figura do príncipe capaz de promover um Estado forte e estável.
       Por isso, em O Príncipe, Maquiavel desenha as linhas gerais do comportamento de um príncipe que pudesse unificar a sua Itália. Para tal, Maquiavel parte do pressuposto de que os homens, em geral, seguem cegamente as suas paixões, esquecendo-se mais depressa da morte do pai do que da perda do património.
     As paixões que se colocam em primeiro lugar são, além da cobiça e do desejo de prazeres, a preguiça, a vileza, a duplicidade e a insolência. Por isso torna-se imperioso que o governante da república prepare as leis segundo o pressuposto de que todos os homens são réus e que procedem sempre com malicia em todas as oportunidades que tiverem.
      O Príncipe deve impor-se mais pelo temor do que pelo amor, para alcançar os seus objectivos: preservar a sua Vida e a do Estado. Porém, Maquiavel adverte que o príncipe não deve esquecer a sua reputação.

Critica a "O Príncipe"
   Escrito em 1513, O Príncipe popularizou-se e foi alvo de inúmeras interpretações. Acredita-se que Maquiavel era apologista do absolutismo e do mais completo imoralismo, pois afirmava que «é necessário que um príncipe, para se manter, aprenda a ser mau e que se valha ou deixe de se valer disso segundo a necessidade». Mas, na óptica de Rousseau, trata-se de uma sátira, e a intenção verdadeira de Maquiavel seria o desmascaramento das práticas despóticas, ensinando (...) o povo a defender-se dos tiranos.
      Alguns hermeneutas de Maquiavel postulam a necessidade de se desfazer o mito do maquiavelismo para se entender Príncipe. Na linguagem comum, chama-se pejorativamente maquiavélica a uma pessoa sem escrúpulos, traiçoeira, astuciosa que, para atingir os seus fins, usa todos os meios possíveis ao seu alcance, incluindo a mentira e a má-fé.

Vamos recordar…
filosofia política de Maquiavel tem em vista a unificação da Itália fragmentada.
Nesta, os fins justificam os meios (pode usar-se qualquer meio para acingir um fim desejado).
Maquiavel recomenda que o príncipe se imponha mais pela força do que pelo amor (ditadura).

Os filósofos ingleses

No século XVII, registavam-se, em Inglaterra, lutas acesas entre o rei e D parlamento, com o predomínio ora de um, ora de outro, acabando por se impor definitivamente Q parlamento, no fim do século. Por isso, Hobbes, Locke, Berkeley e, posteriormente Hume, deram o seu contributo para a política do seu pais. Enquanto em França o absolutismo triunfava sem precedentes, a Inglaterra sofria revoluções lideradas pela burguesia, visando limitar a autoridade dos reis. O primeiro movimento revolucionário foi a chamada Revolução Puritana, em meados do século XVII, culminando com a execução do Rei Carlos I e a ascensão de Cromwell. Mas a efectiva liquidação do absolutismo deu-se com a Gloriosa, em 1688, quando Guilherme III foi proclamado rei, após ter aceite a declaração de direitos, que limitava muito a sua autoridade e concedia mais poderes ao parlamento.

Com a tendência muito em voga da secularização do pensamento político, os filósofos do século XVII estavam preocupados em justificar racionalmente e legitimar o poder do Estado, sem recorrer intervenção divina ou a qualquer explicação religiosa. Dai decorre a preocupação com a origem do Estado.

Thomas Hobbes (1588 – 1679)
Inglês, oriundo de uma família pobre, conviveu com a nobreza, da qual recebeu apoio e condiqöes para estudar, e defendeu fortemente a direito absoluto dos reis, ameaçado pelas novas tendências liberais. Teve contacto com Descartes, Francis Bacon e Galileu. Preocupou-se com a problemática do conhecimento e da política. A sua doutrina política encontra-se patente nas obras De Cive e Leviatã.

Fig. 14: Thomas Hobbes.
 

Para Hobbes, a origem do Estado é fruto de um «contrato social, decorrendo de conflitos entre os indivíduos. Na sua óptica, o Homem conheceu dois estados: o primeiro é natural e o segundo contratual. A situação dos homens deixados entregues a si próprios é de anarquia, geradora de insegurança, angústia e medo. Os interesses egoístas predominam e o homem torna-se um lobo para o outro homem (homo homini lupus). As disputas geram uma guerra de todos contra todos (bellum omnium contra omnes). A situação de guerra não acomoda o Homem. O medo e o desejo de paz levaram o homem a fundar um estado social e a autoridade política, abdicando dos seus direitos em favor do soberano, que, por sua vez, terá um poder absoluto.
       A renúncia de poder deve ser total, caso contrário, se se conservar um pouco que seja da liberdade natural do Homem, instaura-se de novo a guerra. Este poder exerce-se ainda pela força, pois só a iminência do castigo pode atemorizar os homens. Cabe ao soberano julgar sobre o bem e o mal, sobre o justo e o injusto; ninguém pode discordar, pois tudo que o soberano faz é resultado do investimento da autoridade consentida pelo súbdito.

John Locke (1632-1704)
Igualmente inglês e contemporâneo de Hobbes, era descendente de uma família de burgueses comerciantes. Esteve refugiado durante algum tempo na Holanda por se ter envolvido com pessoas acusadas de atentar contra o rei Carlos II. Interessou-se também, para além dos problemas gnoseológicos, pelos problemas políticos.

Fig. 15: John Locke.

As contribuições políticas de Locke encontram se registadas principalmente na obra Dois Tratados Sobre o Governo. Tal como Hobbes, Locke distingue dois estados em que o Homem terá estado: o estado de natureza e o estado contratual. Este difere do primeiro na concepção do estado de natureza. Para Locke, no estado de natureza, os homens são livres, iguais e independentes, e não um estado de guerra de todos contra todos, como concebeu Hobbes. Para Locke, no estado natural cada um é juiz em causa própria. Pela liberdade natural do Homem, ele não pode ser expulso da sua propriedade e ser submetido ao poder político de outrem sem dar o seu consentimento. A renúncia à liberdade natural dei pessoa acontece quando as pessoas concordam em juntar-se e unir-se em comunidade para viver com segurança, contorto e paz umas com as outras.
    Os homens unidos em comunidade devem agir baseados no que a maioria da comunidade  consente. O acto da maioria considera-se acto de todos, se o assentimento da maioria não fosse recebido como o acto de todos, nada a não ser consentimento de cada um poderia fazer com que qualquer acto fosse de todos. Mas tal consentimento é utópico, na medida em que as várias obrigações suplementares que os membros devem cumprir afectam necessariamente muitos membros da assembleia pública. Portanto, quem abandona o estado de natureza e entra na comunidade abandona todo o poder necessário aos fins que ditaram a reunião em sociedade, à maioria da comunidade, a menos que concordem expressamente num número maior do que a maioria. E isto atinge-se através de uma união política. Assim, o que dá início e constitui qualquer sociedade política é o assentimento de qualquer número de homens livre: capazes de constituírem uma maioria para se unirem e incorporarem tal sociedade. É isto que legitima qualquer governo do mundo.
        Desta forma, Locke surge como o defensor da propriedade privada e da democracia na época moderna. Ele estabelece a distinção entre a sociedade política e a sociedade civil, entre o público e o privado, que devem ser regidos por leis diferentes. Assim, o poder político não deve ser determinado pelas condições de nascimento, e o Estado não deve intervir, mas sim garantir e tutelar o livre exercício da propriedade, da palavra e da iniciativa económica.

Vamos recordar...
Tanto Hobbes como Locke acreditam que humanidade conheceu duas fases: a do estado de natureza e o estado de contrato social. No primeiro em geral não há obrigações entre os cidadãos (reina o (individualismo»). No estado de contrato social, existem regras de convivência social e uma direcção que orienta a sociedade.

Charles de Montesquieu (1689 – 1755)
Pensador de reconhecido saber enciclopédico e pai do constitucionalismo liberal moderno, escreveu L'Esprit de Lois, em 1748.
      Esta obra compreende 31 livros, dos quais dois são dedicados à problemática religiosa. Na sua obra, pretende descobrir as leis naturais da Vida social. A lei social entende-a não como um princípio racional do qual se deve deduzir todo um sistema de normas abstractas, mas à relação intercorrente dos fenómenos empíricos.
    As leis são relações indispensáveis emanadas da natureza das coisas. Por isso, ser algum pode existir sem leis. Tanto a divindade como o mundo material e as inteligências superiores ao Homem possuem as suas leis, da mesma forma que este último também as possui. Existem as seguintes leis:

Leis da Natureza
1ª Lei — igualdade de todos os seres inferiores;
2ª Lei — procura de alimentação;
3ª Lei — encarto entre seres de sexos diferentes;
4ª Lei — desejo de viver em sociedade (exclusivo ao homem: provém da conhecimento).

Leis Positivas
- Organizados em sociedades, os homens perdem a fraqueza e a igualdade e instaura-se um estado de guerra entre nações, em virtude de cada uma das nações sentindo a sua força, daí a necessidade da existência de leis para regular a convivência entre diferentes povos — é o direito das gentes. Este direito baseia-se no princípio de que as diversas nações devem fazer umas às outras, na paz. o maior bem e, na guerra, o menor mal possível, sem prejudicar os seus verdadeiros interesses.
- Existem igualmente leis que regulam o relacionamento daqueles que governam e aqueles que são governados — é o direito político.
- O conjunto de normas que regulam as relações entre os cidadãos chama-se direito civil.

Montesquieu procura determinar os diversos tipos de associação política, estabelecendo tanto a natureza quanto o espírito dos mesmos. Define como tipos sociológicos fundamentais do Estado, a democracia, a monarquia e o despotismo e apresenta as leis constitutivas de cada um nos vários sectores da Vida humana.

O grande mérito de Montesquieu, em política, foi o de ter desenvolvido a conhecida teoria de separação de poderes, em que advoga a separação dos poderes legislativoexecutivo judicial, com o fim de estabelecer condições institucionais de liberdade política através de uma equilibrada divisão de funções entre os órgãos do Estado (parlamento, governo e tribunais).

Esta divisão impede que algum deles actue despoticamente. O poder legislativo tem a função de criar as leis. Este papel é desempenhado pelo parlamento. O poder executivo tem a função de implementar as leis e de as fazer cumprir e esse papel é desempenhado pelo governo, nas suas múltiplas funções. O poder judicial serve para julgar aqueles que violam a lei, portanto, são os tribunais que se encarregam dessa tarefa. A condição que Montesquieu considera fundamental é a sua separação efectiva, pois não basta que estes poderes existam para que o seu funcionamento seja pleno.

Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778)
    Rousseau nasceu em Genebra, na Suíça, e viveu a partir de 1742 em Paris, onde fervilhavam as ideias liberais que culminaram na Revolução Francesa, em 1789. Conquistou a amizade de Diderot, filósofo do grupo iluminista, do qual fazia parte Voltaire, entre outros, e que se tornaram conhecidos como enciclopedistas, pelo facto de elaborarem uma enciclopédia que divulgava os novos ideais, a saber: tolerância religiosa, confiança na razão livre, oposição à autoridade excessiva, naturalismo, entusiasmo pelas técnicas e pelo progresso.
   Rousseau inicia a sua reflexão política partindo da hipótese de o homem se ter encontrado num estado de natureza e num outro estado contratual. O primeiro estado é minuciosamente descrito em Discurso Sobre a Desigualdade Entre os Homens e o segundo em O Contrato Social. Segundo Rousseau, enquanto os homens «só se dedicavam a obras que um único homem podia criar e às artes que não solicitavam o concurso de várias mãos, viveram tão livres, sadios, bons e felizes quanto o podiam ser por sua natureza, e continuaram gomar entre si das doçuras de um comércio independente; mas, desde o instante em que um homem sentiu necessidade do socorro de outro, desde que constatou ser útil a um só contar com provisões para dois, desapareceu a igualdade, introduziu-se a propriedade, o trabalho tornou-se necessário e as vastas florestas transformaram-se em campos aprazíveis que se impôs regar com o suor dos homens e nos quais logo se viu escravidão e a miséria germinarem e crescerem com as colheitas». Portanto, a propriedade introduz a desigualdade entre os homens, a diferenciação entre o rico e o pobre, o poderoso e o fraco, o senhor e o escravo, culminando na predominância da lei do mais forte. O homem que surge é um homem corrompido pelo poder e esmagado pela violência. Trata-se de um falso contrato. Há que considerar a possibilidade de um contrato verdadeira, legitimo, em que o povo esteja reunido sob uma sé vontade.

contrato social, para ser legitimo, deve ser fruto do consentimento de todos os membros da sociedade. Cada associado aliena-se totalmente, isto é, renuncia a todos os seus direitos a favor da comunidade. Mas como todos abdicam igualmente, na verdade, cada um nada perde, pois este acto de associação produz, em lugar da pessoa particular de cada contratante, um corpo moral e colectivo composto por tantos membros quantos os votos da assembleia, alcançando a sua unidade, o seu eu comum, a sua Vida e a sua vontade (democracia directa), A democracia rousseauniana critica o regime da democracia representativa (alguns cidadãos representam D povo nas decisões dos destinos do pais e na elaboração e aprovação das leis), pois considera que toda a lei não ratificada pelo povo em pessoa é nula. Eis a razão pela qual propõe uma democracia participativa ou directa. Só se mantém a soberania do povo através da reunião das assembleias frequentes de todos os cidadãos. Porém, reconhece que este sistema é aplicável sobretudo nas pequenas sociedades.

Vamos recordar...
– Para Montesquieu, as formas de organização social são: a democracia, a monarquia e o despotismo. É o pai da teoria de divisão de poderes, tendo-a concebido para evitar as ditaduras.
– Rousseau defende que o Homem viveu num estado natural, em que todos eram iguais e que esta igualdade desapareceu a partir do momento em que uns começaram a ser necessários aos outros.
– Propõe um contrato social que seja fruto do consentimento de todos os membros da comunidade (democracia directa).

Bibliografia
GEQUE, Eduardo; BIRIATE, Manuel. Filosofia 12ª Classe – Pré-universitário. 1ª Edição. Longman Moçamique, Maputo, 2010.

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