Historiografia: Judaica, grega, romana, cristã medieval, do século: XIV, XV-XVI

Historiografia

A historiografia pode ser definida como o conjunto de obras concernentes a um assunto histórico, produzidas numa determinada época e/ou num determinado local.
Quando se diz historiografia moçambicana, refere-se às obras escritas sobre a História de Moçambique, tanto por autores nacionais como estrangeiros.

A historiografia envolve tudo quanto foi escrito para proporcionar informações sobre o passado humano, como seus testemunhos. Integram esta literatura os relatos autobiográficos e memorialistas (da sociedade como um todo e não pessoais), a História oral (desde as tradições históricas transmitidas oralmente, até ao registo escrito ou gravado de depoimentos orais de autores ou testemunhas de acontecimentos históricos).
No sentido mais amplo, inclui também trabalhos de metodologia, a publicação de documentos, o ensino da História e a apreciação de obras literárias de teor histórico.

O surgimento da História

Durante vários milênios de existência humana, o passado foi sendo transmitido de geração em geração por via da oralidade e da experiência.
O registo do passado dos seres humanos começou por volta do IV milênio a.n.e., quando surgiu a escrita.

O aparecimento da escrita permitiu aos sacerdotes dessas antigas culturas fixar por escrito o passado religioso, até aí conservado e transmitido por via oral. Igualmente, começaram a ser registadas as memórias dos antigos heroísmos guerreiros (a tradição épica).
Neste processo foram produzidas as primeiras formas de literatura histórica que se conhecem, as cosmogonias e mitografias.
«A História (=inquérito) nasceu do mito como a filosofia e a ciência».

Com estas produções deu-se um importante passo na conservação das antigas produções cosmogónicas e épicas, reduzindo-se o perigo de esquecimento ou deturpação.

As cosmogonias
As cosmogonias são os registos das primeiras tentativas, pré-científicas, de explicação do universo. Essa explicação inclui tanto elementos naturais como sobrenaturais.

As mitografias

Por mitografia entende-se a narração de factos com recurso a seres sobrenaturais.

O Mito de Osíris
O deus Osíris era um grande rei, que sucedera ao seu pai, Geb (a Terra); de parceria com a sua mulher, a deusa mágica Isis, ensinou aos Homens a agricultura, inventou o pão, o vinho e a cerveja (elementos essenciais da alimentarão do povo Egípcio) revelou-lhes a metalurgia. Mas o seu irmão Tifão ou Sete mata-o: afoga-o no Nilo, corta-o em pedaços, que espalha pelos canaviais. Então osis procura-o, recolhe-o e reúne os membros separados, refaz o corpo (como múmia) e, usando da sua ciência mágica, ressuscita Osíris, que viverá agora eternamente, mas no céu. Vingando-o, o seu filho, o deus Hórus, combate e vence Sete, e sucede ao seu pai no trono do Egipto. Dele recebe em herança este reino dos reis humanos – os Faraós, que assim têm carácter divino.
Freitas, Gustavo de, 900 textos e documentos de História. Antiguidade e Idade Média.

A produção das mitografias e cosmogonias não resultou da intensão de fazer História, mas sim da tentativa de explicar problemas com que a comunidade se debatia no dia-a-dia, tais como a sua origem, o destino para que caminhava, o seu próprio presente, etc.
O objectivo principal da produção desta literatura era narrar os acontecimentos, com vista a transmitir para a posteridade e exaltar os nomes dos reis e dos homens importantes e suas faquinhas épicas.

Em jeito de síntese, podemos caracterizar a historiografia oriental nos seguintes termos:
·       Está associada a uma História mítica e teocrática, pois, sustentava-se em mitos e cosmologias.
·       O seu objecto de estudo eram os deuses e os homens importantes, considerados únicos responsáveis pela evolução da sociedade.
·       Não tinha investigação ou explicação causal e não se preocupava com a verdade ou com a objectividade.
Apesar de não ser uma verdadeira ciência, a produção deste tipo de literatura foi importante para o conhecimento da História do Oriente Antigo, pois nela surgiram informações uteis sobre a História daquela região, tais como, listas de dinastias ou de reis, listas dos sacerdotes, inscrições comemorativas e biografias de homens importantes, etc.

A historiografia judaica

Um dos exemplos da historiografia oriental antiga é-nos dado pela historiografia judaica. A historiografia judaica antiga baseia-se no Velho Testamento, a primeira parte da Bíblia Sagrada. A Bíblia é composta por vários livros, de diversos gêneros literários, aglutinando, portanto, quase toda a produção literária judaica da época. Como tal, a Bíblia constitui literatura nacional do povo judeu e, portanto, uma importante fonte de informação da história judaica e dos povos com quem os judeus estavam em contacto.

Tendo sido escrita e conservada pelos sacerdotes, a Bíblia constitui para os judeus um instrumento de unidade, que era posto em causa pelo contacto com os outros povos.
Existiam duas formas de poder entre os judeus: o poder espiritual, dos sacerdotes, e o poder temporal, dos reis, sempre em aliança, em rivalidade ou em luta.

O desentendimento entre os dois poderes resultava do facto de os sacerdotes pretenderem a unidade do povo judaico, recusando, por isso, o contacto com outros povos, enquanto os reis davam prioridade ao alargamento do território integrando as populações vencidas, o que significava a junção dos deuses dos vencidos com os dos judeus.

A Bíblia funcionou, portanto, como instrumento dos objectivos da classe sacerdotal, em especial a defesa da tradição judaica e o ataque a tudo o que lhe fosse estranho.
Tendo como base a Bíblia, a historiografia judaica teve como principal característica a incapacidade de aceder a uma concepção universalista do Homem, ou seja, a limitação do homem ao homem judeu.

Assim, para os judeus, a História da humanidade confundia-se com a História judaica contada na Bíblia. Os outros povos apenas eram referenciados na medida em que tivessem algum relacionamento com os judeus.

Como livro sagrado dos cristãos, a Bíblia teve credibilidade quase universal constituindo, até ao século XIX, a única fonte da História dos judeus e dos povos do Médio Oriente, com quem estiveram em contacto.

Sé no século XIX, com a decifração dos escritos egípcios e suméricos surgiu uma alternativa para as fontes da História judaica. A Bíblia passaria a ocupar um lugar secundário como fonte histórica.

A historiografia grega

Na Grécia também existiu uma abordagem mítica e teocrática da História. Dos vários mitos, destacou-se o Mito das Cinco Idades, que considerava que a humanidade tinha passado por cinco etapas de evolução, nomeadamente, a idade do ouro, da prata, do bronze, dos heróis e do ferro. De entre estas, a etapa do ouro era a melhor porque não havia preocupações, sofrimento, velhice, etc., enquanto a última, a do ferro, era a pior.
Entretanto, e de acordo com o conceito de ciência, não podemos dizer que, nesta altura existia ciência histórica.

A cientificação da História só teria início na Grécia Clássica. É o que nos leva a falar do surgimento da História na Grécia.
    No século V a.n.e. a Grécia era uma sociedade democrática, fruto de cerca de três séculos de reformas, iniciadas por Drácon, que vivera dois séculos antes.

Na democracia ateniense, o poder era exercido por uma assembleia - Bulé - que exprimia directamente, não através de deputados, a vontade nacional. Decidia sobre a guerra ou a paz, as finanças, votava leis e decretos, julgava certos crimes, etc. Cada pessoa podia tomar a palavra, propor uma decisão ou emenda. Os magistrados eram simples servidores do povo. 

A justiça estava, igualmente, nas mãos do povo. Já não era preciso ser de origem nobre para se ocupar de questões importantes da Vida do país. O importante era agora a competência e a capacidade individual.

A abertura da Vida nacional a todos os cidadãos levou a Grécia a destacar-se em vários domínios da Vida e do pensamento. A evolução do pensamento grego da época reflectiu-se no desenvolvimento de várias ciências, incluindo a História.

O Mito das Cinco Idades
De ouro foi a primeira raça dos homens dotados de voz que os imortais criaram, eles que são habitantes do Olimpo (e..) para eles tudo era perfeito: o solo fértil oferecia-lhes, por si, frutos numerosos e abundantes; e eles contentes e tranquilos viviam da terra, no meio de bens inúmeros. A segunda raça a vir, a de prata, bem pior que a anterior, fizeram-na os deuses que habitam no Olimpo.
Zeus-pai modelou ainda uma terceira raça de homens dotados de fala; a de bronze (...) Depois que a terra encobriu esta raça, Zeus Crónida modelou ainda a quarta (...) Agora é a raça de ferro. Nem cessam de dia, de ter trabalhos e aflições, nem, de noite, de serem consumidos pelos duros cuidados que lhes oferecem os deuses.
No entanto, algum bem será misturado aos seus males, Zeus aniquilará também esta raça de homens dotados de voz.
Hesíodo, Os Trabalhos e os Dias.

Heródoto, O «Pai da História»

O surgimento e desenvolvimento da História, na Grécia, deve-se, em grande parte, ao papel de Heródoto (484-424), o «pai da História», o primeiro a adoptar uma atitude científica em relação à História.
Heródoto

Heródoto tentou escrever uma História mais universal, pois para além de escrever sobre os gregos, falava, também, dos bárbaros. Era a passagem da historiografia gentílica à historiografia ecuménica (universal).

      Outra inovação trazida por Heródoto foi a explicação da razão dos factos que descrevia.
Finalmente, Heródoto escreveu, sempre, com base em testemunhos fidedignos, ou seja, dignos de crédito. Assim, ele preferiu utilizar a tradição oral, mas sempre aquela prestada por protagonistas ou testemunhas dos acontecimentos, bem como o seu testemunho.

Além de Heródoto, o início da cientificação da História deveu-se também a Tucídides, a quem se atribui o início do questionamento das fontes, visando apurar a sua veracidade e credibilidade.

Outros historiadores gregos foram Xenofonte, Plutarco, Éforo, etc.
Graças a Heródoto e Tucídides, a História começou a caminhar para a sua cientificação, adoptando um objecto de estudo, uma metodologia própria e um objectivo bem definido; senão, vejamos:
  • Estuda-se o passado e o presente dos seres humanos ou, como vulgarmente se diz, do Homem.
  • Alarga-se a noção de fonte histórica que, para além da tradição oral, passa a considerar os testemunhos oculares.
  • Cria-se uma metodologia que envolve a recolha de dados através da observação e da informação, a reflexão, a análise critica e a comparação das fontes e, finalmente, a síntese.
  • A sua finalidade é sobretudo a verdade histórica, pelo que defende objectividade e neutralidade na análise.
Portanto, na Grécia Clássica temos uma Historia humanista (o seu objecto de estudo é o Homem), científica (inicia-se neste caminho), auto-reveladora (procura a projecção do presente no futuro, ensinar aos indivíduos o seu passado e a relação entre o passado e o presente, para revelar o sentido da acção humana) e pragmática (porque tenta tirar do ocorrido uma lição útil para o futuro).

Embora demonstrando notáveis progressos, a historiografia grega revelava ainda algumas insuficiências.
    Os historiadores gregos viram-se confrontados com a contradição entre o ideal da História Universal, baseada em fontes fidedignas (que defendiam) e a incapacidade de falar de regiões relativamente afastadas, devido à escassez de fontes. Deste modo, sentiram-se obrigados a fazer uma História regional e não a universal que defendiam.

Por outro lado, as fontes orais e as testemunhas oculares não permitem abarcar períodos relativamente longos, sendo difícil manter a fidelidade aos eventos originais; numa História que buscava de facto a verdade, percebe-se que ficassem também a este nível limitados.

A historiografia romana

O estudo da historiografia romana remete-nos, antes de mais, para um breve relance sobre a formação do Império Romano, fase de maior desenvolvimento político, económico e social da Roma Antiga. A formação do Império Romano resultou da conquista romana de vários estados, na Europa, Ásia e Norte de África.

A constituição do império conduziu a uma miscelânea de povos, costumes, formas de Vida, etc., num só Estado, que adquiriu a designação de Império Romano. Deste modo, o desenvolvimento social de Roma foi bastante influenciado pelas civilizações, com as quais os romanos estiveram em contacto.

No que se refere História, os romanos recorreram língua e às metodologias dos gregos, que tinham avançado neste campo do saber.
Os romanos não se limitaram a copiar mecanicamente a História grega, procuraram fazer uma História própria, tipicamente romana. Deste processo resultou, pois, uma historiografia romana que, apresentando alguns traços comuns grega, tem as suas particularidades.

Com efeito, a História romana tem como característica a forte ligação ao passado, considerado, nesta época recuada, o centro das virtudes nacionais.
Por outro lado, esta era uma História predominantemente política, feita por homens políticos, que abordava assuntos políticos e com fins políticos.

Para os romanos a História é, em geral, uma exaltação da cidade e do império, o que a leva a assumir um carácter nacional e patriótico. É, portanto, uma História apologética. Por outro lado, é uma História pragmática. O carácter nacional da História romana explica a predominância dos anais (anotações dos principais acontecimentos políticos) nos escritos que lhe dão corpo.

Os principais historiadores romanos

Políbio (203 a.C. – 120 a.C.): grego, que viveu como prisioneiro em Roma, onde produziu toda a sua obra histórica, levou a Roma as tendências racionalistas da historiografia grega. A principal contribuição de Políbio foi a aplicação do modelo de ciclo História, conduzindo à concepção de que a História é o conhecimento do geral, daquilo que se repete, que obedece a leis e, por isso, é susceptível de previsão.

Tito Lívio (59 a.C. – 17 d.C.): intelectual ao serviço da política imperial, tinha como principal preocupação elevar bem alto o imperador e o império romanos, não hesitando em sacrificar a verdade para alcançar esse seu ideal de História. Foi um típico historiador romano.

Tácito (55 d.C. – 120 d.C.): político e homem das letras, autor de uma vasta obra histórica, por vezes confundia a História com a literatura. O seu maior defeito foi ter feito uma comparação parcial dos romanos com os bárbaros, ao apresentar uns como tendo costumes mais puros e outros como sendo mais corruptos.
Outros autores romanos foram: Flávio Josefo, Salústio, Plutarco, Suetônio, etc.

A historiografia cristã antiga

O cristianismo surgiu na Palestina no momento da conquista daquele território pelos romanos. Da Palestina, o cristianismo propagou-se para as restantes partes do mundo, o que foi facilitado pelo facto de transportar uma mensagem social e ecumênica condenando a escravatura.
Inicialmente, visto pelas classes dominantes como uma ameaça ao seu poder, o cristianismo foi alvo de perseguições; porém, registou uma evolução continua e, em 391, foi elevado a religião oficial do Estado.

A concepção cristã da História

Segundo o cristianismo, a História é um combate constante entre Lúcifer (o mal) e Deus (o bem) e tem uma trajectória, irreversível, que começa com o pecado original, passa pela redenção e termina com o juízo final.
       A ideia principal é que, devido ao pecado original, o Homem espalhou sobre a Terra o pecado e Cristo veio ao mundo para restabelecer a ordem e fazer triunfar a igreja, numa luta que terminará com o juízo final. Deste modo, a Terra é apenas um lugar transitório para expiação e redenção do pecado e o Homem em Vida tem, pois, a oportunidade de se preparar para o juízo final.

As fontes da História cristã

Para o estudo da historiografia cristã recorria-se tanto as fontes doutrinárias como às históricas. Muitos documentos históricos foram destruídos alegadamente por serem apócrifos (documentos face aos quais não se conseguiu apurar a autenticidade).
     Contudo, este procedimento suscita algumas interrogações, senão vejamos:

Será possível sustentar, sem os referidos documentos tomados como falsos, que em algum momento houve deturpação de informação? Poderemos algum dia ter a noção Clara da dimensão (ou mesmo dos autores) de certas falsidades se não tivermos os documentos que testemunham as falsidades?

Ora bem, poderíamos levantar várias outras questões, mas estas já nos permitem afirmar que, no interesse da verdade histórica, nada aconselha à destruição de uma fonte histórica, qualquer que seja. Em História, as fraudes são, também, matéria de estudo, pois permitem-nos compreender tudo quanto esteve em redor da produção de tais documentos falsos, independentemente dessa falsificação ter sido intencional ou não.

Portanto, a destruição de documentos considerados apócrifos, não se pode entender de outra maneira que não como tentativa de garantir a manutenção de uma unidade doutrinária. Daqui, conclui-se que a História cristã foi elaborada com base em informações previamente selecionadas e, por isso, construiu uma visão de História humana sob um ponto de vista apologético.

Os historiadores cristãos

Eusébio de Cesareia (265-339): Foi autor de uma crônica composta por uma cronografia e por cânones cronológicos. Enquanto a cronografia resumia a História universal, defendendo a prioridade, no tempo de Moisés e da Bíblia, os cânones eram tábuas cronológicas que mostravam os sincronismos entre a História sagrada e a profana. A cronologia bíblica começa com a data da criação, seguindo-se a do povo judeu até ao nascimento de Cristo, com o qual começava a História cristã.

Santo Agostinho (354-430): teólogo e filósofo, foi o autor do que se poderá considerar a primeira filosofia cristã da História.

Paulo Orósio (c.385-c,420): escreveu Sete Livros de Historia Contra os Pagãos, onde tenta mostrar que os tempos anteriores a Cristo tinham sido mais duros do que os posteriores, como forma de rejeitar a ideia de que as desgraças que se abatiam sobre a sociedade romana, em especial as invasões dos bárbaros, resultavam do abandono das religiões anteriores a Cristo.

A historiografia cristã medieval

A sociedade medieval
A partir de finais do século V assistiu-se na Europa a uma nova realidade caracterizada por:
·       Queda do Império Romano do Ocidente, na sequência da tomada de Roma pelos bárbaros.
·       Abandono das cidades e formação de pequenas comunidades rurais baseadas na identidade religiosa.

·       Implantação do cristianismo no Ocidente e a afirmação do pensamento cristão como forma de pensamento dominante.

Estas transformações no Império Romano reflectiram-se no surgimento de uma nova concepção historiográfica baseada na concepção cristã do mundo.
      Deste modo, a historiografia medieval:
  • Considerava que toda a acção humana é movida pelos desígnios de Deus e, como tal, a Sabedoria da História é a Sabedoria Divina.
  • Defendia que acima da vontade dos Homens está a vontade de Deus e o seu desígnio sobre o Mundo, ou seja, a Providência.
  • Colocava como objectivo da História, antes de mais, o cumprir desses desígnios por todos os povos.
  • Afirmava-se como uma História universalista, começando em Adão e terminando na época do Historiador, repetitiva e cíclica, apologética e apocalíptica (prevê o fim do mundo).
Além das fontes referidas na historiografia cristã antiga, também constituem literatura histórica medieval as hagiografias, as histórias, actas de sínodos e concílios, bulas e outros diplomas de origem papal, as obras de clérigos seculares, os manuais dos confessores, entre outras de carácter eclesiástico.

Para a reconstituição da História medieval existem também os documentos oficiais, como os diplomas régios, bem como fontes provenientes da cultura popular, do folclore das diversas regiões.
A nível metodológico, a interpretação dos dogmas divinos sobrepunha-se investigação das razões humanas. Os aspectos morais sobrepunham-se aos vividos, na explicação dos fenómenos.

Os gêneros predominantes eram os anais e os cronicões. Os anais são narrativas de factos político-militares, divididos em períodos de um ano, relatando, secamente, os factos, enquanto os cronicões tomam por unidade de tempo períodos relativamente longos.
A historiografia cristã foi alvo de duras críticas, sobretudo nas épocas do Renascimento e do iluminismo, quando o Homem voltou a ser colocado no centro da análise dos historiadores.

A título de exemplo, refira-se à afirmação de Charles-Victor Langlois, que caracterizou a Idade Média como «uma longa noite durante a qual a História retornou à infância».
Esta era uma Clara indicação de que durante a Idade Média a História esteve autenticamente estacionária, sem quaisquer progressos dignos de realce.

Este ponto de vista tem a sua razão de ser. Os progressos registados na época clássica, que antecedeu a medieval, no que se refere ao objecto de estudo, aos métodos e função da História perderam-se com o advento da História cristã.

Se é verdade que a alegação acima é válida, não é menos verdade que existem outros elementos a considerar antes de afirmar taxativamente que na Idade Média a História regrediu. Senão, vejamos:
  • Com os cristãos surgiu a primeira filosofia da História, o que é claramente um passo em frente na evolução da História.
  • Também com os cristãos vingou a ideia da universalidade da História, pois consideram um Deus único, criador do céu e da terra e de cuja providência depende a existência humana.

A historiografia do século XIV

A segunda metade deste século ficou caracterizada por revoltas, umas no campo, opondo os trabalhadores rurais aos proprietários das terras, e outras na cidade, entre os artesãos e os grandes mercadores.

O relançamento do comércio levou valorização dos mercadores, sobretudo a nível económico. Construíram fábricas, emprestaram dinheiro, comandaram as rotas comerciais terrestres da Europa e Asia, etc. Também começaram a erguer, em torno das antigas cidades, os burgos de que resultaria a designação «burguesia», projectando algumas cidades à categoria de república (Veneza, Florença, Gênova, etc.).

No século XIV, a burguesia era consideravelmente forte a nível social, económico e cultural, mas o poder político continuava nas mãos da nobreza e do clero, detentores dos bens fundiários. Iniciava-se então a luta da burguesia pela tomada do poder político.

Acompanhando a evolução histórica da época, surgiu, a partir de finais do século XIII, um novo tipo de historiografia, designada palaciana, produzida por encomenda dos senhores feudais ou dos príncipes.

Esta era, portanto, uma História que, em geral, estava mais preocupada em apresentar uma imagem positiva sobre a instituição servida pelo cronista do que com a verdade e objectividade dos factos.

A nível metodológico, registaram-se progressos, como o início do inquérito «no terreno», mas ainda predominava a narração sobre a investigação dos factos, e as ideias expostas eram quase sempre favoráveis aos detentores do poder.
       No centro da análise dos historiadores estavam os deuses, os senhores e os príncipes.

Burguesia: classe social que surgiu na Idade Média na Europa (séculos Xl e Xll) que deu origem ao renascimento comercial e urbano. Dedicava-se ao comércio e prestação de serviços.
      Os burgueses, assim designados por serem habitantes dos burgos, eram antigos servos que, por falta de alternativas, dedicaram-se ao comércio.
As origens da burguesia remontam da alta Idade Média, quando as cidades começaram a se formar e crescer e os artesãos e comerciantes começaram a emergir como uma força económica. Eles formaram associações e companhias (as guildas) com o objectivo de promover o comércio.
     Nos séculos XVII e XVIII, a burguesia apoiou as revoluções burguesas fazendo cair as leis e os privilégios da ordem feudal absolutista, abrindo caminho para a rápida expansão do comércio. Os burgueses defendiam ideias como liberdades pessoais, direitos religiosos e civis, livre comércio e outras.

 A historiografia nos séculos XV-XVI

Prosseguindo os progressos iniciados na Baixa Idade Média, assistiu-se nos séculos XV e XVI a grandes transformações:
·       A nível económico, foi o tempo da expansão europeia, do comércio colonial e do surgimento de novas teorias económicas.
·       Politicamente, foi o tempo do surgimento dos regimes absolutistas.
  • A emergência das ciências constituía o essencial da tendência de evolução na arena cultural.
  • A nível social, registou-se a afirmação progressiva da burguesia, cada vez mais forte economicamente.
  • No campo religioso, ocorreu a reforma protestante, um dos acontecimentos mais marcantes da época.
Em síntese, os séculos XV e XVI foram marcados por grandes transformações que levaram a uma verdadeira Revolução Cultural, marcada pelo desejo de mudança - o Renascimento - cujo aspecto mais saliente é a tentativa do Homem de sair da sua menoridade, ou seja, abandonar a convicção de que é incapaz de atingir, por si próprio, a felicidade.

A luta da burguesia pela sua emancipação política e espiritual estava assim a começar tendo como pano de fundo a rejeição do regime católico - feudal - e a implantação de uma nova ordem mais ajustada ao desenvolvimento da burguesia.


Bibliografia

SUMBANE, Salvador Agostinho. H11 - História 11ª Classe. 2ª Edição. Texto Editores, Maputo, 2017.

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