Os Gnathostomata

3.6. Os Gnathostomata

Esta linha evolutiva engloba os cordados mais conhecidos popularmente: anfíbiospeixesrépteisaves e mamíferos. A característica principal que partilham entre si é a presença de mandíbulas na boca (a palavra «gnathostomata» significa boca provida de mandíbulas) e ainda um arco maxilar no esqueleto visceral.

O surgimento da mandíbula é um dos principais eventos evolucionários dos vertebrados.

A mandíbula permite manipular os alimentos por meio de músculos e associados a dentes. Tal facto permitiu aos peixes primitivos arrancar grandes pedaços de algas e animais maiores, explorando novas fontes de alimentos. Os peixes são os primeiros mandibulados desta linha evolutiva. Sem os dentes, os animais estavam restritos à filtração, à sucção do alimento ou à captura de pequenos invertebrados. A maior vantagem competitiva sobre as ágnatas levou esses últimos quase extinção.

A mandíbula resultou de uma modificação no primeiro arco branquial; a parte superior do arco originou a maxila, que fica em contacto com o crânio, e a parte inferior originou a mandíbula.

O hábito predador, devido ao surgimento das mandíbulas, e outras modificações corporais tornaram estes animais activos e ágeis nadadores e predadores.

3.6.1. Grupo dos peixes

A Zoologia Sistemática moderna já não considera os peixes como uma classe única, tendo, para o efeito, reclassificado estes animais em diferentes classes.

Classe Placoderme

Esta classe inclui os peixes extintos (fósseis) do Silúrico e Devónico. O seu corpo era coberto por uma placa córnea endurecida (placoderme significa “pele com placas”). O passo mais importante na sua evolução foi o desenvolvimento de mandíbulas. A maioria vivia primariamente na água doce e, talvez mais tarde, nos mares.

Classe Chondrichthyes – peixes cartilagíneos

Os peixes cartilagíneos têm o esqueleto interno de cartilagem, não ossificado, composto por uma cápsula craniana portadora de mandíbulas, arco branquial, coluna vertebral com grandes restos da corda e as cinturas dos pares de barbatanas.

Fig. 68 Escamas placoides ampliadas. A. Vista superficialB. Secção mediana de uma escama.

Em relação aos seus ancestrais, os peixes cartilagíneos mantêm restos da placa externa da cobertura do corpo, mas apenas sob forma de escamas placoides. Os peixes cartilagíneos não dispõem de uma cobertura (opercular) das brânquias, o que torna as 5 fendas branquiais visíveis por fora.

Fig. 69: Estrutura interna do cação, um peixe cartilagíneo.

Características principais

O tamanho destes peixes é muito variável, indo de 90 cm atá 12 metros. Existem diferenças notáveis entre, por exemplo, cações (vão até 90 cm) e tubarões (medem entre e 18 metros).

O tegumento de todo o grupo consiste numa pele rija, coberta de pequenas escamas placoides, com muitas glândulas mucosas. Para natação, possuem diferentes tipos de barbatanas, sustentadas por raios. A barbatana caudal é heterocerca (o lobo superior é maior que o inferior).

A boca é ventral, com dentes cobertos de esmalte. O ânus fica entre as barbatanas pélvicas, A maioria dos tubarões assemelha-se ao cação quanto anatomia geral. As raias têm o corpo muito achatado, com barbatanas peitorais grandes, amplamente unidas à cabeça e ao tronco. 

As quimeras distinguem-se taxonomicamente dos cações e das rajas. São peixes do fundo dos oceanos (baixas latitudes) ou de águas rasas (altas latitudes).

Em relação à fisiologia, destacam-se os seguintes aspectos:

  • Notocorda persistente; muitas vértebras, completas e separadas, cinturas peitoral e pélvica presentes;
  • O coração apresenta duas câmaras (uma aurícula e um ventrículo), com seio venoso e cone arterial; contém apenas sangue venoso;
  • Os glóbulos vermelhos são nucleados e ovais;
  • A respiração faz-se por brânquias presas as paredes opostas; tem entre cinco a sete pares de bolsas branquiais, tendo cada bolsa uma abertura independente em forma de fenda;
  • Sem bexiga natatória;
  • Exibem dez pares de nervos cranianos;
  • A excreção dá-se por meio de rins mesonéfricos. O principal produto de excreção (nitrogenada) das larvas é a amónia; a da maioria dos adultos é a ureia, a temperatura do corpo é variável;
  • Os sexos são separados e a fecundação é interna, podendo ser, quanto ao nascimento, ovíparos ou ovovivíparos; sem metamorfoses.

Ecologia e hábitos alimentares

Os dentes dos elasmobrânquios reflectem os Seus hábitos alimentares. Os dos tubarões são triangulares e com bordas serrilhadas usadas para cortar, rasgar ou talhar.

A maioria das raias habitam o fundo dos mares e os seus dentes geralmente são pequenos, obtusos e em forma de um ladrilho; são usados para rasgar e triturar. Alimentam-se de algas marinhas, invertebrados e peixes. As grandes barbatanas peitorais são usadas para a natação.

Sistemática dos peixes cartilagíneos

Na figura seguinte, encontram-se representados os diferentes tipos de peixes cartilagíneos.

Fig. 70 Representantes das diferentes formas dos peixes cartilagíneos: cação (Squalis acanthias) (A); raia (Raja sp.) (B); quimera (Chimaera colliei) (C).

Os tubarões (seláquios) e as raias (rajiformes) fazem parte dos elasmobrânquios (Elasmobranchia). As quimeras pertencem aos holocéfalos (Holocephala). Estas são as duas ordens dos peixes cartilagíneos. Os torpedos (rajiformes) estão providos de órgãos eléctricos. Para a sua orientação, os seláquios desenvolveram um sistema de linhas laterais e as ampolas de Lorenzini. Estas são pequenas aberturas na cabeça do tubarão, que lhes permitem perceber as vibrações.

Fig. 71: Disposição das ampolas de Lorenzini na cabeça de um tubarão.

Fig. 72: Terminologia técnica para a classificação dos elasmobrânquios.

Classe Osteichthyes – peixes Ósseos

A esta classe pertencem os peixes ósseos, que congregam a maior parte das espécies de peixes. O seu corpo, constituído por cabeça, tronco e cauda, esta coberto de escamas ósseas dérmicas.

Características principais dos peixes ósseos

Nos peixes ósseos, assiste-se ocorrência de todos os tamanhos possíveis.

O corpo dos peixes ósseos é, geralmente, fusiforme. Além das escamas, encontramos as barbatanas, que são os órgãos de natação. As barbatanas podem variar quanto ao tipo (Ósseo ou cartilagíneo) e forma. Estas possibilitam ocupar e explorar a água na sua total dimensão vertical e horizontal. A cauda é, geralmente, homocerca (tem lobos simétricos).

A pele dos peixes ósseos possui muitas glândulas mucosas. As escamas descritas são dos tipos cicloide e ctenoide, mas também podem ser de tipo ganoide. A boca é terminal e a localização varia e acompanha os hábitos alimentares. Os dentes e as mandíbulas estão presentes e também variam no seu desenvolvimento de acordo com a alimentação.

Os olhos são grandes e sem pálpebras. Os restos da notocorda persistem em muitos casos.

Fisiologia

O sistema sanguíneo e vascular caracteriza-se por um coração com duas camaras (ventrículo e aurícula), com seio venoso e cone arterial, contendo só o sangue venoso; quatro pares de arcos aórticos; glóbulos vermelhos nucleados. São poiquilotérmicos.

Quanto respiração, a maioria das espécies é branquial (têm pares de brânquias implantadas em arcos branquiais ósseos), dentro de uma camara disposta em ambos os lados da cabeça, coberta pelo opérculo. Geralmente, está presente uma bexiga natatória. Em outras formas ocorreram modificações para se formar uma espécie de pulmão.

Fig. 74 Estruturas respiratórias de um peixe de respiração branquial. Brânquias de um peixe ósseo (carpa): brânquias na camara branquial com o opérculo cortado (A); parte de uma brânquia mostrando os rastelos e filamentos branquiais, com a direcção no sangue dos últimos; vasos aferentes escuros, vasos aferentes claros (B).

Fig. 75 Estruturas respiratórias de um peixe de respiração branquial (cont.). Parte de um filamento, muito ampliado, em que cada lamela contém capilares onde o sangue é oxigenado (C); posição dos filamentos branquiais durante a respiração, sendo a direcção das correntes de água e do sangue mostrada, respectivamente, por linhas continuas e descontínuas (D).

As escamas são de quatro tipos: placóide, ganóide, ciclóide e ctenoide.

  • Escamas placóides – ocorrem nos peixes cartilaginosos e apresentam uma estrutura similar à dos dentes; são placas pequenas, em geral rômbicas.
  • Escamas ganóides – são maiores; tom geralmente uma forma rômbica ou arredondada; a superfície exposta é coberta por uma camada de esmalte (ganoína).
  • Escamas ciclóides – são delgadas e elásticas e têm uma forma variável.
  • Escamas ctenóides – diferem das ciclóides apenas na ocorrência de denticulação na parte posterior.

Fig. 76: Tipos de escamas de peixes ósseos: tenóide (A); ciclóide (B); ganóide (C e D).

O sistema nervoso e sensorial inclui lobos ópticos e um cerebelo muito desenvolvido. Os órgãos sensoriais são equiparáveis aos cartilagíneos: com linha lateral, otólitos para orientação e equilíbrio, etc.

Os rins são mesonéfricos para excreção de amónia e ureia.

A reprodução é dioica. São geralmente ovíparos (ou ovovivíparos), de fecundação externa.

Fig. 77: Meia secção ilustrando as principais estruturas internas.

Sistemática dos peixes ósseos

A classificação geral actual baseia-se nas características das barbatanas: os que possuem barbatanas carnudas (Sarcopterygii) e os que apresentam raios nas suas barbatanas (Actinopterygii).

As figuras 78-83 apresentam a terminologia técnica para a classificação dos peixes ósseos.

Fig. 78: Tipos de dentes mais comuns.

Fig. 79: Tipos de bocas.

Fig. 80: Exemplo de uma barbatana dorsal contínua de um peixe com espinhos e raios (A); barbatana adiposta (B); pínulas (C).

Fig. 81: Escamas “normais”.

Fig. 83: Barbatana caudal.

3.6.2. Os tetrápodes

Este grupo dos vertebrados compreende animais com quatro extremidades (patas) locomotoras, independentemente das transformações que estas tenham sofrido em adaptação ao tipo de locomoção nos diferentes meios. Os anfíbios são os únicos tetrápodes anamniotas (Anamniota), isto é, com um embrião que não apresenta âmnio; todos os outros são anamniados.

O grupo dos tetrápodes poderá ter evoluído a partir de um peixe com nadadeiras lobadas (Sarcopterygii).

Classe dos anfíbios

Os anfíbios são animais poiquilotérmicos. São os tetrápodes mais antigos da Terra; foram descritas mais de 4000 espécies. Dominam a Vida nos ambientes de terra seca e aquática.

Características principais

A sua pele é lisa, fina, húmida e glandular, coberta de muco, bastante vascularizada, sem escamas ou placas, apta para a respiração cutânea, que nesses animais chega a ser mais importante do que a respiração pulmonar.

Os anfíbios têm o crânio largo e achatado, quando comparado com a maioria dos peixes.

Como não existe palato secundário, as coanas abrem-se na região anterior do tecto da boca. Em alguns, pode não haver nenhum dente, enquanto noutros podem estar ausentes apenas na mandíbula.

O número de vértebras é bastante variável (10 a 200). O esterno não se liga às vértebras.

Fisiologia

Para a Vida anfíbia, estes animais desenvolveram respiração pulmonar e cutânea; no estágio larval, ocorre respiração branquial.

O seu coração tem três cavidades: duas aurículas e um ventrículo. O sangue arterial, que entra na aurícula ou átrio esquerdo, e o sangue venoso, que chega à aurícula ou átrio direito, vão juntar-se no nível do ventrículo único. Por isso, diz-se que a circulação desses animais é fechada, dupla, porém incompleta (há mistura de sangue arterial com sangue venoso).

Ao nível do sistema nervoso e sensorial, pode dizer-se que a maioria dos anfíbios desenvolveu como particularidade um ouvido médio e membrana timpânica.

Os anfíbios evitam temperaturas extremas e muito secas porque não têm regulação da temperatura do corpo. Durante o Inverno, rãs e salamandras aquáticas hibernam no fundo de lagos e rios que não congelam; sapos e salamandras terrestres enterram-se ou vão até abaixo da linha de congelamento.

Durante a hibernação, todos os processos vitais são extremamente reduzidos.

Para a sua reprodução, a maioria das espécies de anfíbios deposita ovos: na água, na terra ou podem eclodir em larvas aquáticas ou em miniaturas dos adultos terrestres. O desenvolvimento ocorre por metamorfoses: a larva chama-se girino, com brânquias (inicialmente externas e depois internas) e com barbatana caudal. Os adultos adquirem pernas e pulmões. A cauda desaparece. A fecundação é externa, na água, onde se dá a fertilização, não havendo há copula verdadeira. Os anfíbios possuem capacidade de regeneração de órgãos externos desprendidos (por exemplo, a cauda). Esta capacidade denomina-se autotomia.

Fig. 85: Desenvolvimento embrionário de salamandra.

Sistemática dos anfíbios

Os anfíbios derivam de um ancestral semelhante a um peixe. Estão descritas três ordens.

  • Ordem Urodela ou Caudata: são as salamandras; com cauda bem desenvolvida; membros sempre presentes, mas podem estar reduzidos; o corpo é alongado; quase todas elas são aquáticas.

As salamandras são conhecidas por manterem as características larvais no adulto (pedomorfose): linha lateral funcional, ausência de pálpebras e presença de brânquias externas.

  • Ordem Anura: os anuros compreendem os sapos, as rãs e as pererecas. A característica principal é a locomoção por salto. Outra é o desaparecimento da cauda larval no adulto, dai o nome anura, que significa sem cauda. Anuros são cosmopolitas (estão praticamente em todo globo terrestre), com cerca de 3500 espécies. Muitas espécies de anuros são comestíveis e entram na gastronomia internacional (Rana esculenta).
  • Ordem Gymnophiona ou Apoda: parecidos com as cobras, sem patas locomotoras («ápode» significa desprovido de pernas, patas). Inclui as cobras-cegas.

Fig. 86: Formas de anfíbios: urodela (A), anura (B) e ápode (C).

 Bibliografia

PIRES, Cristiano; LOBO, Felisberto. Biologia 11ª Classe – Pré-universitário. 1ª Edição. Longman Moçambique, Maputo, 2010.

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