A questão da verdade e dos estados do espírito face ao verdadeiro

 A questão da verdade e dos estados do espírito face ao verdadeiro

Verdade e falsidade são dois conceitos para nos muito familiares, mas difíceis de definir. A verdade não é uma coisa: esta mesa, aquela caneta não são rigorosamente verdades; no entanto, pensar que «esta caneta é preta» ou que «aquela mesa é redonda», é dizer verdades, se de facto tais propriedades competem à caneta e à mesa. Portanto, verdade é um valor que qualifica um juízo; consiste em julgar que os objectos são o que são, isto é, em afirmar ou negar a um objecto (sujeito) certa qualidade (predicado).

Segundo Aristóteles, verdade é dizer que é o que é, e que não é o que não é.
Daqui podemos concluir que a verdade é a conformidade do pensamento com o objecto ou, o mesmo é dizer, o acordo do conhecimento com a coisa.

Distinguem-se três espécies de verdades: ontológica, lógica e moral.

A verdade ontológica consiste na conformidade das realidades com a ideia de Deus que as concebeu.
A verdade lógica é a conformidade da inteligência com a realidade.
Finalmente, a verdade moral consiste na conformidade entre aquilo que pensamos e as nossas palavras ou acções.

A inteligência pode adoptar diversas atitudes perante a verdade, correspondendo a cada um estado de espírito:
a)      Estado de ignorância – Entende-se por ignorância a ausência de conhecimento. É costume distinguir entre ignorância propriamente dita (ou culpável) e nascença (inculpável), isto é, a carência da ciência não devida. Por exemplo, o aluno que não sabe a lição, de facto, é um ignorante (não sabe o que devia saber); mas um sapateiro que não sabe a fórmula química da água será um nesciente nessa matéria (pois não tem obrigação estrita de conhecer tal assunto) mas não ignorante propriamente dito. A ignorância pode ainda ser:
·       Vencível, no caso de ser possível dominá-la por meios próprios e normais.
·       Invencível, no caso contrário.

b)      Estado de dúvida – A dúvida é uma hesitação da mente entre o sim e o não, ou seja, o espírito hesita e não adere a nenhuma das partes. A dúvida pode ser:
·       Espontânea, que consiste na não adesão da inteligência em caso de prévio exame dos motivos duma ou doutra parte.
·       Reflexiva, que é a hesitação em aderir a qualquer das partes depois de examinar as razões.
·       Sistemática (ou céptica), que consiste em não aderir definitivamente a nenhuma das partes com pretexto de que tudo é incerto.
·       Metódica, que é uma dúvida provisória até completa verificação duma verdade tida como certa.

c)      Estado de opinião – Como estado intermédio entre a dúvida e a certeza, a opinião caracteriza-se por uma adesão cautelosa do espírito a uma das partes, sem excluir a possibilidade de que pode enganar-se. Nessa adesão, embora cautelosa, a inteligência é inclinada para uma das partes por motivos que lhe parecem mais plausíveis e prováveis.

Assim, podemos distinguir várias espécies de probabilidade:
·       Matemática, a que se baseia numa previsão de ordem quantitativa, representada por uma fracção (em que o numerador exprime todos os casos favoráveis e o denominador indica os casos possíveis).
·       Estatística, a que toma por base uma média comprovada.
·       Psicológica ou moral, a que não pode determinar, rigorosamente, o número de casos prováveis, devido à intervenção de vários factores (ex.: os prognósticos desportivos).

d)      Estado de certeza – A certeza é a firme adesão da inteligência sem qualquer temor de errar.
Não devemos confundir certeza com verdade. Embora a certeza e a verdade possam e devem coincidir (e geralmente coincidem), contudo, o estado de certeza pode, por vezes, ser uma adesão involuntária ao erro.
      O exemplo mais típico do que acabamos de referir é o de uma aposta entre duas pessoas: ambas têm a certeza do que afirmam, mas ambas podem estar no erro ou, na melhor das hipóteses, só uma delas estará na verdade.

Definiremos para este exemplo o erro como aquilo que não corresponde à realidade, embora subjetivamente pareça verdadeiro. Quando a adesão ao erro é involuntária ou comporta má-fé estamos perante casos típicos de mentira. As causas do erro podem ser: psicológicas (paixão) e morais (interesse).

Considerando a certeza como a manifestação completa da verdade (como deve ser e é geralmente) podemos distinguir várias espécies de certeza:

Quanto ao fundamento, a certeza pode ser:
  • Metafisica – quando se baseia na essência das coisas (ex.: o círculo não é quadrado).
  • Física – quando toma por fundamento as leis naturais (ex.: o calor dilata os corpos).
  • Moral – quando toma por base uma lei psicológica ou moral (ex.: os filhos amam os pais).

Quanto à origem dos motivos conhecidos, a certeza pode ser:
  • Espontânea  quando a adesão tem lugar por ausência de motivos de dúvida (ex.: tenho urna caneta na mão).
  • Científica  quando a adesão obedece a motivos que impossibilitam a dúvida (ex.: o todo é maior que a parte).

Bibliografia
CHAMBISSE, Ernesto Daniel; COSSA, José Francisco. Fil11 - Filosofia 11ª Classe. 2ª Edição. Texto Editores, Maputo, 2017.

Comentários

  1. Gostei da matéria publica com rigor e síntese filosófica foi de muita valia e proveito .

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