O Estado Novo e a situação nas Colónias Portuguesas: o caso de Moçambique

 O Estado Novo e a situação nas Colónias Portuguesas: o caso de Moçambique

Após a implantação do regime do Estado Novo, a política colonial portuguesa alterou-se profundamente, ainda que muitas medidas então tomadas tenham sido elaboradas no período anterior. Numa primeira fase, que iria até à 2.a Guerra Mundial, Portugal limitou-se a reforçar as práticas mercantilistas já anteriormente praticadas, bem como a resolver a crise financeira colonial, resultante da política de descentralização financeira e administrativa praticada pelos governos republicanos, que vieram agravar a depressão económica e acelerar o fim da 1.ª República portuguesa. A partir de 1937, em resultado destas medidas, a divida colonial foi-se estabilizando e reduzindo gradualmente. As colónias tiveram também de contar apenas com os seus próprios recursos para financiar o seu desenvolvimento, eventualmente apoiados por empréstimos metropolitanos ou investimentos estrangeiros em escala limitada.

nacionalização económica, defendida pelo novo regime político, consistiu em fazer desaparecer progressivamente os privilégios das grandes companhias majestáticas em Moçambique, definidas ainda no período da 1.a República, favorecendo a emergência de uma economia «fechada», em que a metrópole fornecia as colónias produtos manufacturados, e estas abasteciam-na de matérias-primas para as suas indústrias. Mais do que os quantitativos das trocas comerciais, as colónias permitiram e apoiaram o desenvolvimento industrial português, na medida em que eram mercados seguros e privilegiados para os produtos metropolitanos, alguns dos quais sem condições de concorrerem no mercado internacional, pelo menos, até às décadas de 30 e 40. 
    A intervenção do Estado ao nível da fixação dos preços dos produtos, favoreceu os produtores coloniais, na medida em que estes eram, em alguns casos, superiores ao do mercado internacional ou, ainda, incentivando a indústria têxtil metropolitana e as outras restantes indústrias, quando os preços portugueses se fixaram muito abaixo dos níveis mundiais, nos finais dos anos 40. Com estas medidas, procurava-se encorajar o investimento a longo prazo, os fornecimentos regulares e uma baixa taxa de inflação.

A industrialização colonial era fortemente contestada pelos empresários portugueses que temiam a sua concorrência. Sobre esta questão, o governo encontrava-se dividido, mas a crise económica de 30 fez com que Salazar desaprovasse este processo (impediu a instalação de indústrias têxteis nas colónias e o tabaco e o sabão coloniais pagavam direitos quase tão elevados como os produtos estrangeiros). Porém, na década seguinte, esta orientação viria a modificar-se, nas áreas em que a importação pudesse vir a ser substituída, já que o governo português temia a concorrência dos artigos produzidos na Africa do Sul, Rodésia do Sul e no ex-Congo Belga. Perante novos protestos dos empresários portugueses, foi encontrada uma solução de compromisso: nos sectores onde havia uma forte contestação metropolitana à competição nas colónias, como era o caso dos têxteis, Lisboa não autorizou que o desenvolvimento se fizesse de uma forma muito rápida.

O processo de industrialização era mais rápido quando o sector económico era dominado por um grupo português, já que então deixava de haver contestação. Esta dinâmica foi fortemente estimulada durante o governo salazarista, permitindo uma rápida concentração de capital em alguns grupos económicos (Companhia União Fabril, Grupo Champalimaud, Banco Espírito Santo, Banco Português do Atlântico, entre outros) que, confiantes no apoio do Estado, passavam a encarar de forma diferente as oportunidades de investimento colonial. 

Apesar da nítida protecção às empresas portuguesas, o regime não tinha uma atitude totalmente negativa para com os investidores estrangeiros. Durante a recessão económica da década de 30 deu-se uma importante entrada de capital nas colónias portuguesas, com especial incidência em Angola.

A questão do trabalho forçado continuou a ser uma das acusações mais discutidas contra Portugal organizações internacionais. Apesar do Código de Trabalho, de 1928, se apresentar mais liberal, garantindo que todo o trabalho forçado ao serviço do Estado tinha de ser pago; abolindo a politica dos funcionários administrativos cederem mão-de-obra pública a empregados privados; e, por último, obrigação de pagamento de salários aos africanos, as práticas alteravam-se ainda de acordo com as circunstâncias e as necessidades locais. Depois da 2.a Guerra Mundial, esta situação virá a alterar-se, na medida em que o jovem sector industrial colonial exigia agora uma mão-de-obra mais especializada, estável e produtiva. A ratificação feita por Portugal, em 1956, da Convenção do Trabalho Forçado de 1930 deve ser vista à luz dum duplo contexto: das pressões internacionais e da nova realidade que emergia na economia colonial.

Paralelamente ao trabalho forçado prevaleceu o sistema de «cultura forçada», introduzido desde 1926. Na implantação deste sistema podemos encontrar três fases importantes:
  •  Entre 1926 e 1938, quando a cultura do algodão se fazia lentamente, tendo Angola como centro principal.
  •  De 1938 à 2.a Guerra Mundial, quando a obrigatoriedade passou a ser feita de forma brutal, no sentido de tornar Portugal auto-suficiente em algodão, ficando Moçambique como centro deste projecto (em 1941 introduziu-se também a cultura forçada do arroz).
  • A terceira fase, apos a 2.a Guerra Mundial, em que se reformou todo o sistema, de forma a estancar a onda de emigração e a abafar o descontentamento dos camponeses. Foi então imposta a cultura de produtos alimentares em sistema de rotação e reduziu-se a área de cultivo de algodão para 1/2 hectare.
Nem estas medidas travaram a revolta camponesa: em 1961, em Angola, ocorreu um violento levantamento camponês na concessionária da COTONANG e, em Moçambique, o êxito inicial do movimento de libertação independentista, teve muito a ver com a odiosa recordação da cultura forçada do algodão.

As primeiras manifestações nacionalistas em África e em Moçambique

O período entre as duas guerras caracterizou-se pelo reforço das relações comerciais, tanto no que respeitava à sua expansão geográfica como pela intensificação das relações económicas entre as antigas metrópoles e as colónias. Tal foi motivado pela crise económica e, depois de 1936, pelas ameaças de um novo conflito mundial.

Muitas vezes, apos os «catorze princípios» enunciados pelo presidente americano, Woodrow Wilson, a questão colonial encobriu-se, sob a forma de mandatos, fórmula encontrada pelo primeiro-ministro sul-africano, Jan Smuts, que se definia como uma espécie de tutela, mais ou menos longa, até à Independência pela potência mandatária. Neste processo, as populações desses territórios não eram ouvidas, e a Sociedade das Nações não tinha qualquer participação ou mecanismo de controlo.

O final da I Guerra Mundial abalou profundamente a estrutura do colonialismo ao nível mundial, com a destruição dos impérios alemão e otomano, cujas possessões foram divididas entre britânicos e franceses, enquanto a Rússia levaria ainda algum tempo a recuperar as suas conquistas asiáticas.

Imediatamente após o final da guerra, o governo britânico viu-se na necessidade inevitável de encontrar alguma forma de «autogoverno» para a Índia, através de um acordo com a elite indiana, incluindo os nacionalistas. Sendo aquele território o núcleo do império britânico, as decisões que vieram a ser ali tomadas, tiveram profundas repercussões nas outras colónias inglesas. Assim, compreende-se que, após a II Guerra Mundial, os britânicos aceitassem rapidamente o processo que conduziria å autonomia e independência das suas possessões africanas, já que não havia qualquer convicção na manutenção do sistema. Pelo contrário, os outros impérios coloniais, como o francês, o holandês e o português, que não tinham visto ameaçados os seus domínios pelas forças nacionalistas, após a I Guerra Mundial, viriam a manter a intransigência e acentuar a repressão a partir de 1945.

A existência da URSS e a desmistificação do imperialismo levaram a que no 2.o Congresso da III Internacional Comunista, em Julho de 1920, para além das resoluções respeitantes luta anti-colonial - como a oposição as práticas coloniais e o reconhecimento do direito à independência de todos os povos colonizados e dependentes ficasse decidida a convocação de um Congresso dos Povos do Oriente, que se viria a realizar em Outubro desse mesmo ano. Dentro do mesmo espírito, realizou-se a Conferência Anti-Imperialista de Bruxelas, em 1927, onde participaram Ahmed Sukharno, Jawaharlal Nehru, Lamine Senghor e Tiemoko Gavan Kouyaté, estes dois últimos representantes de África.

Neste período, o fenómeno mais notável seria a afirmação do nacionalismo árabe, resultante de:
  • O ressurgimento do Islamismo, a partir dos finais do século XIX.
  • A reacção das populações árabes contra o império turco, os imperialismos europeus e a penetração sionista.
No entanto, a tendência que iria prevalecer é uma linha mais moderada, expressa no Congresso Árabe, reunido em Paris em Junho de 1913, que pretendia apenas ver reconhecida a personalidade árabe no quadro do Império Otomano.

Na grande maioria das vezes, as reivindicações nacionalistas apenas seriam satisfeitas quando não punham em causa os compromissos assumidos pelos britânicos no decorrer da I Guerra Mundial. A França e a Inglaterra manteriam a sua presença na região através de uma política em que se misturavam, simultaneamente, a repressão e as concessões políticas, que podiam ir até ao reconhecimento de uma pseudo-independência.

Mas seriam as realidades económicas, vividas por cada uma das colónias, que se traduziriam por urna crescente pauperização, o factor decisivo para a difusão e expansão da causa nacionalista, a partir do discurso mais radical de uma nova geração de dirigentes nacionalistas, permitindo o alargamento das suas bases de apoio. No período compreendido entre 1930 e 1940, o movimento de desobediência civil cresceu na Índia; surgiram os partidos comunistas indochinês, malaio e filipino; constituiu-se a Associação dos U/emas da Argélia; criaram-se os grupos dos Jovens Marroquinos e do Neo-Destur tunisino.

O desenvolvimento do nacionalismo africano

Nas povoações, a agitação reformista estendeu-se aos negros e mulatos instruídos, vivendo o drama da discriminação social, económica e política. Estas elites surgiram ainda no século XIX, em resultado dos sistemas escolares ocidentais, em virtude de o colonialismo necessitar de uma base social para sobreviver. Alguns destes africanos prosseguiram os seus estudos universitários, obtiveram graus académicos e acederam a lugares de destaque na Vida pública e empresarial. Os membros destas elites africanas gozavam de grande prestígio e souberam jogar com isso a seu favor.

As atitudes destas elites evoluíram ao longo do tempo, em resultado do mal-estar e das frustrações que muitos sentiam. Esta situação viria a agravar-se quando tiveram de abraçar uma carreira profissional, que pressupunha uma aliança com os europeus, e, simultaneamente, uma carreira política, que rapidamente lhes impôs a necessidade de romperem com o sistema colonial. Os primeiros sinais de uma tomada de consciência, quer ao nível étnico, quer ao nível dos grandes conjuntos coloniais, deu-se logo em 1887, na Serra Leoa e em Lagos. Estes sinais manifestaram-se do seguinte modo:
  • As vestes tradicionais foram reabilitadas.
  • Alguns convertidos ao cristianismo, regressaram as suas religiões tradicionais e aos cultos familiares.
  • Os nomes europeizados foram substituídos por nomes locais.
  • Alguns passaram a usar exclusivamente a sua língua materna.
Por outro lado, publicaram jornais e revistas, e quando perceberam que estas acções eram inúteis criaram associações e clubes para fazerem valer os seus direitos. Estas associações podiam estar organizadas sob uma base étnica, integrando entre os seus membros uma grande diversidade social. Os jovens e os estudantes envolveram-se também nesta dinâmica, tendo igualmente organizado agremiações deste tipo. A acção destas associações africanas era caracterizada pelo constitucionalismo e pelo emprego de técnicas de pressão política, dirigindo-se ao mesmo tempo às autoridades coloniais imediatas, aos grupos políticos e à opinião liberal nas metrópoles.

Nas colónias francesas, os nacionalistas africanos procuraram pôr fim ao colonialismo mediante uma política de assimilação que conduzia cidadania francesa, com todos os direitos e responsabilidades correspondentes, exercendo constante pressão para que tal política fosse ampliada e generalizada. No caso dos territórios britânicos, pensavam chegar à independência como países soberanos, a partir de reformas e participação que finalmente desembocassem na liberdade, O nacionalismo africano foi encorajado por movimentos ideológicos internacionais, como a Internacional Comunista (Komintern), diversos movimentos socialistas e pelo pan-africanismo inspirado em Marcus Garvey e William Du Bois e por outras influências negras americanas e caribenhas.

O papel das religiões

As religiões africanas revelaram-se, desde o início da colonização, como um forte elemento de oposição aos europeus. Sociedades secretas, feiticeiros, sacerdotisas e fazedores de chuva voltaram a tornar-se bastante visíveis, instituindo-se e reforçando-se então certas práticas religiosas. Estas religiões tentavam, fundamentalmente:
  • Explicar a chegada dos europeus.
  • O tempo de duração da sua presença.
  • A rejeição do cristianismo.
Um outro campo de agitação colonial desenvolveu-se entre os africanos convertidos ao cristianismo. Dececionados com as práticas ali existentes, na medida em que não podiam expressar a sua hostilidade ao colonialismo ou o seu ressentimento a propósito da discriminação existente no seio das igrejas, dominadas pelos europeus, viriam a criar igrejas independentes ou separatistas, tentando provar que os africanos eram também capazes de dirigir as suas próprias actividades religiosas e seculares, sem a tutela dos europeus.

Foi a partir de 1890, que essa tendência ganhou maior dimensão, com o recrutamento de fiéis entre os operários mineiros, independentemente das suas bases étnicas, fenómeno que deu origem à criação da lgreja Etiope (1892). No período que se seguiu, assistiu-se ao desenvolvimento e multiplicação deste tipo de igrejas.

O Islamismo, com especial incidência na África do Norte e Ocidental, desempenhou também um papel importante como força de oposição à presença colonial. As rebeliões de Mad Mullah, (Mullah, o louco), na Somália, entre 1899 e 1921; o levantamento autonomista do sultão Ma al-Ainin, em 1909, na Mauritânia e a revolta tuaregue no Níger, durante a I Guerra Mundial, são algumas manifestações dessa resistência, que tinha como inspiração o Islão.

O processo independentista em África

O início do processo independentista em África deu-se num momento em que as antigas metrópoles coloniais se confrontavam já com a sublevação dos povos colonizados na Ásia e na Indonésia.

O desenvolvimento económico colonial tinha acelerado o fenómeno urbano, levando a uma gradual destribalização das sociedades africanas. A criação dum sistema escolar permitiu que uma pequena minoria africana pudesse usufruir do ensino secundário e superior, dando lugar a uma elite intelectual ocidentalizada. Não é por acaso que entre as primeiras formulações independentistas em África estavam as exigências dos estudantes africanos, tal como ocorreu na África Francesa, em 1953. Simultaneamente, o regresso dos antigos militares africanos, que combateram na II Guerra Mundial, tornou-se noutro importante factor de reivindicações, que vieram a radicalizar-se com o tempo. A história do pensamento político africano viria então a centrar-se volta dum pequeno conjunto de temáticas, como:
  • A unidade africana.
  • A independência.
  • O socialismo.
  • A política internacional africana.
  • A natureza da sua democracia.
  • A cultura.
As repercussões do pan-africanismo, cujas ideias eram expressas e difundidas por William Du Bois e Marcus Garvey, são igualmente importantes, já que veiculavam a solidariedade do mundo negro e o seu direito à emancipação, ainda que, entre 1927 e 1945, o ambiente internacional não tenha sido favorável ao desenvolvimento da ideia pan-africana, em resultado da crise económica, o advento do fascismo e do nazismo e da II Guerra Mundial. Somente em 1944 os representantes de várias organizações políticas, sindicais, cooperativas, religiosas, educativas e nacionalistas, decidiram em Manchester dar realidade a uma única frente pan-africana, tendo-se então criado a Federação Pan-Africana, que procurava:
  • Promover o bem-estar e a unidade dos povos africanos e dos povos de ascendência africana no mundo.
  • Exigir a autodeterminação e a independência dos povos africanos e de outras raças politicamente dependentes.
  • Assegurar a igualdade dos direitos cívicos aos povos africanos.
  • Abolir todas as formas de discriminação racial.
  • Promover a cooperação entre os povos africanos e de outros que partilhavam as mesmas aspirações.
Por iniciativa de W. Du Bois e da secção britânica da Federação Pan-Africana foi realizado o V Congresso Pan-Africano, em Manchester, de 15 a 21 de Outubro de 1945, onde estiveram presentes alguns dos futuros lideres africanos, como Hastings Banda, Kwame Nkrumah e Jomo Kenyatta, que levariam os seus respectivos países à independência.

A unidade africana

A noção de unidade africana viria a ser introduzida ou sugerida pelo pan-africanismo, a partir de 1919. Mas esta questão viria a tomar um rumo mais concreto a partir da independência do Gana, com a convocação da 1.a Conferência dos Chefes de Estado Africanos, em Accra, em Abril de 1958, quando apenas existiam oito países africanos independentes, com soberania muito limitada, obrigando-os a aproximarem-se e a proclamarem a sua unidade.

Guerra da Argélia era o elemento catalisador, já que a derrota do movimento de libertação seria um desastre para a emancipação do continente africano.
A ideia unitária ganharia um conteúdo mais concreto com a União Guiné-Gana, entre 23 de Novembro de 1958 e Dezembro de 1960 e, posteriormente, com a União Guiné-Gana-Mali, de Dezembro de 1960 a 1962. Ainda que estes agrupamentos políticos não tivessem tido grandes resultados práticos, eles ganharam um efeito mobilizador que se deve ter em conta.

A ideia da unidade entrou claramente em crise com a questão do Congo e com a incapacidade dos Estados africanos mais progressistas em tomarem posições efectivas e em terem qualquer participação decisiva naquele conflito. A África independente viria então a dividir-se em dois grupos distintos de países:
  • ·       O primeiro, unido à volta da Carta de Casablanca, constituiu-se de 3 a 7 de Janeiro de 1961, era apoiado pelo Pan-African Movement for East, Central and Southern Africa (PAFMECSA) e preconizava um comando militar conjunto e um mercado comum africano, ao mesmo tempo que advogava o desenvolvimento socialista para o continente, dirigido por um forte poder centralizado.
  • ·       O segundo, chamado de Monróvia, formou-se em reunião realizada de 8 a 12 de Maio de 1961. Agrupava 19 países e defendia a não-ingerência nos assuntos internos dos outros Estados, ao mesmo tempo que se colocava contra as tentativas de unificação política até então efectuadas, propondo como alternativas a solidariedade social africana e a identidade política, adoptando uma primeira versão de uma organização de Estados africanos.
A criação da Organização da Unidade Africana, em 25 de Maio de 1963, que ocorreu na Conferência de Adis-Abeba, fazia-se assim num ambiente de divisão, quando o processo independentista tinha começado a enfraquecer, ainda que o sentimento de unidade permanecesse muito vivo entre a opinião pública africana. O encontro afirmou os princípios:
  • ·       Da igualdade.
  • ·       Da não-ingerência.
  • ·       Da regularização pacifica dos conflitos.
  • ·       Do respeito pelas fronteiras territoriais legadas pela colonização, por mais injustas que fossem.
Neste encontro tomaram-se ainda resoluções, muito claras, no que respeitava å libertação política do sul do continente, como a organização de auxilio comum aos movimentos de libertação em luta, incluindo a livre circulação de material militar, a criação de campos de treino e o alistamento de voluntários africanos.

O papel da Organização das Nações Unidas

No que respeitava à questão colonial, a ONU reconhecia a existência de territórios não-autónomos, mas esta engajava os signatários da Carta de S. Francisco a «assegurar, respeitando a cultura das populações em questão, o seu progresso politico, económico e social» e «desenvolver a sua capacidade de se governarem a si próprios, a ter em conta as aspirações politicas das populações e a ajudá-las no desenvolvimento progressivo das suas instituições politicas».

Os antigos territórios sob o mandato da Sociedade das Nações, em regime de tutela, eram obrigados à apresentação de relatórios anuais, submetidos à aprovação de uma comissão internacional - o Conselho de Tutela, que deveria receber directamente as petições, procedendo esta última a visitas periódicas.

Sobre esta questão, a intervenção da ONU foi manifestamente controversa, já que lhe competia apenas manter a paz e a segurança e não alterar as realidades políticas existentes. A maioria das potências coloniais invocavam a Carta – artigo 2, parágrafo 7.o, considerando o mesmo como assunto interno dos respectivos países, impedindo a própria organização a sua discussão. Somente em 14 de Dezembro de 1960, quando grande parte dos territórios tinha já obtido a sua independência, a Assembleia-Geral das Nações Unidas fez aprovar a Resolução 1514 ou a Declaração sobre a Concessão da Independência aos Países e Povos Coloniais, que apelava a um rápido fim do colonialismo em todas as suas formas.

Declaração sobre a Concessão da Independência aos Países e Povos Coloniais Resolução 1514 (XV) da Assembleia-Geral de 14 de Dezembro de 1960
À Assembleia-Geral,
Levando em consideração que os povos do mundo proclamaram na Carta das Nações Unidas que estão decididos a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do Homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos entre os homens e as mulheres e das nações grandes ou pequenas, e a promover o progresso social e a elevar o nível de Vida dentro de um conceito amplo de liberdade.
Consciente da necessidade de criar condições de estabilidade e bem-estar e relações pacificas e amistosas, baseadas no respeito aos princípios de igualdade de direitos e à livre determinação dos povos, e de assegurar o respeito universal dos direitos humanos e as liberdades fundamentais para todos sem fazer distinção por motivo de raça, sexo, idioma, religião, e a efectividade de tais direitos e liberdades.
Reconhecendo o fervoroso direito que todos os povos dependentes possuem e o papel decisivo de tais povos na conquista da sua independência.
Consciente dos crescentes conflitos que surgem do acto de negar a liberdade a esses povos e de impedi-la, o qual constitui uma grave ameaça à paz mundial.
Considerando o importante papel que corresponde às Nações Unidas como meio de favorecer o movimento em prol da independência em territórios ocupados e em territórios não-autónomos.
Reconhecendo que os povos do mundo desejam ardentemente o fim do colonialismo em todas as suas manifestações.
Convencida de que a continuação do colonialismo impede o desenvolvimento da cooperação económica internacional, dificulta o desenvolvimento social, cultural e económico dos povos dependentes e age contra o ideal de paz universal das Nações Unidas.
Afirmando que os povos podem, para seus próprios fins, dispor das suas riquezas e recursos naturais sem prejuízo das obrigações resultantes da cooperação económica internacional, baseada no princípio do proveito mútuo e do direito internacional.
Acreditando que o processo de liberdade é irreversível e que a fim de evitar crises graves, é preciso pôr fim ao colonialismo e a todas as práticas de segregação e discriminação que o acompanham.
Celebrando que nos últimos anos muitos territórios dependentes tenham alcançado a liberdade e a independência e reconhecendo as tendências cada vez mais poderosas em direcção liberdade que se manifestam nos territórios que não tenham obtido ainda a sua independência.
Convencida de que todos os povos têm o direito inalienável liberdade absoluta, ao exercício da sua soberania e integridade do seu território nacional, proclama solenemente a necessidade de pôr fim rápido e incondicional ao colonialismo em todas as suas formas e manifestações.
Declara que:
  • 1.     A sujeição dos povos a uma subjugação, dominação e exploração constitui uma negação dos direitos humanos fundamentais, é contrária à Carta das Nações Unidas e compromete a causa da paz e da cooperação mundial.
  • 2.     Todos os povos têm o direito de livre determinação; em virtude desse direito, determinam livremente a sua condição política e perseguem livremente o seu desenvolvimento económico, social e cultural.
  • 3.     A falta de reparação na ordem política, económica e social ou educativa não deverá nunca ser o pretexto para o atraso da independência.
  • 4.     A fim de que os povos dependentes possam exercer de forma pacifica e livre o seu direito independência completa, deverá cessar toda a acção armada ou toda e qualquer medida repressiva de qualquer índole dirigida contra eles, e deverá respeitar-se a integridade do seu território nacional.
  • 5.     Nos territórios, sem condições ou reservas, conforme a sua vontade e os seus desejos livremente expressos, sem distinção de raça, crença ou cor, para lhes permitir usufruir de liberdade e independência absolutas.
  • 6.     Toda a tentativa dirigida a quebrar total ou parcialmente a unidade nacional e a integridade territorial de um pais é incompatível com os propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas.
  • 7.     Todos os Estados devem observar fiel e estritamente as disposições da Carta das Nações Unidas, da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da presente declaração sobre a base da igualdade, da não intervenção nos assuntos internos dos demais Estados e do respeito aos direitos soberanos de todos os povos e da sua integridade territorial.


Os partidos políticos africanos
Os primeiros partidos políticos africanos surgiram, fundamentalmente, nas antigas colónias inglesas e francesas, logo após a II Guerra Mundial. Na sua luta política, usaram:
  • A via pacifica e legal, que se traduzia em campanhas de imprensa, petições e envio de delegações aos governos locais e metropolitanos, demonstrações pacificas e participação em eleições e em conferências, com o objectivo de se discutirem questões constitucionais.
  • Acções militantes e violentas, globalmente designadas por acção positiva, estando entre estas a desobediência civil, greves, boicotes e não-cooperação, esta última abrangendo a revolta e a guerrilha.
A actividade nacionalista deparou, frequentemente, com forte repressão por parte das autoridades coloniais, obrigando mobilização de grandes efectivos militares, tal como ocorreu na Argélia, onde se encontrava estacionada uma força de meio milhão de militares franceses ou, no caso das colónias africanas portuguesas, onde os efectivos militares atingiam duzentos mil.

Sucederam-se bombardeamentos, massacres e repressões sangrentas. Também muitos dos líderes destes partidos foram assassinados ou presos. Outros foram obrigados a procurar o exilio ou foram deportados.

O sucesso dos partidos políticos africanos residiu muito no facto de se terem transformado em movimentos de massas, envolvendo tanto as populações rurais como urbanas, camponeses e operários, analfabetos ou letrados. Estes partidos encontravam-se já organizados segundo modelos modernos, usando em seu benefício os slogans, cores, canções e outros meios de propaganda, e divulgarem a sua mensagem política, que se traduzia por Uhuru (independência) ou governo autónomo. Os novos líderes políticos eram, na grande maioria das vezes, muito mais radicais que os anteriores, tendo regressado aos seus países apos terem estudado na Europa ou nos Estados Unidos da América e estavam dispostos a usar os meios constitucionais e/ou violentos para atingirem os seus objectivos. Muitos destes dirigentes usavam igualmente a demagogia e/ou o seu carisma na luta política em que estavam empenhados.

O movimento sindical

Entre as formas modernas de contestação e de expressão política em África, o sindicalismo é uma das mais antigas. Até à década de 1930, as metrópoles tentaram desencorajá-lo, por meio de uma proibição mais ou menos Clara. Estas proibições não impediram que surgissem vários movimentos, desigualmente estruturados, tendo desenvolvido algumas acções durante a II Guerra Mundial.

A partir de 1930, a Inglaterra autorizou a criação de sindicatos africanos. Em Franca foi a Frente Popular que, em 1936, autorizou a criação de sindicatos nas colónias da África Negra, conferindo-lhes o direito de negociarem convenções colectivas. Esta legislação apenas incluía os trabalhadores da África Ocidental Francesa e desses apenas os trabalhadores que possuíssem o ensino primário. Este direito foi alargado à Africa Equatorial Francesa em 1944, mas a legislação sindical global apenas foi instituída em 1952, com a aplicação do Código do Trabalho.

Na colónia do Congo belga, apenas em 1946 se autorizou a que os trabalhadores do Congo se organizassem em sindicatos. Em 1957, o direito sindical foi alargado e o direito à greve concedido: sé nessa altura, o movimento sindical se pôde desenvolver.

Durante o percurso independentista, o sindicalismo africano foi marcado por algumas características:
  • Dificuldade de recrutamento, devido ao analfabetismo, diversidade étnica e linguística e ao medo de possíveis represálias.
  • Preponderância de algumas profissões de carácter geralmente estratégico, como os mineiros, ferroviários, marinheiros e funcionários públicos.
  • Separação entre os sindicatos dos negros e dos brancos.
  • Persistência das reticências coloniais, expressa por diversas medidas.
Contudo, a história do sindicalismo em África foi sobretudo assinalada por três fenómenos principais:
  • A vontade de autonomia.
  • A vontade de federação.
  • A politização do movimento.
De uma maneira geral, o sindicalismo do período anterior às independências africanas actuou em consonância com o nacionalismo. Muitas personalidades políticas foram formadas no movimento sindical e muitos dirigentes sindicais tiveram lugar nos partidos nacionalistas.

O caminho para a independência

A velocidade com que decorreu o processo independentista no continente dependeu também muito da resposta e das reacções que os governos coloniais viriam a assumir perante as exigências dos nacionalistas africanos. Podemos estabelecer, de forma geral, uma periodização do percurso independentista a partir dos acontecimentos políticos que virão a ocorrer a partir de 1945:
  • O primeiro período estendeu-se de 1945 a 1955, em que as antigas potências coloniais detinham ainda a iniciativa, promovendo a democratização das instituições africanas segundo o seu próprio modelo, com o objectivo de manter as possessões coloniais sob o seu controlo.
  • O segundo abrangeu o período de 1956 a 1960, em que as pressões dos líderes africanos eliminam os impedimentos legais e, apesar da repressão que viesse a exercer-se ou não, conduziu os territórios até à independência.
  • O terceiro compreendeu exactamente o momento das independências, em que cada um dos Estados africanos recebeu o seu reconhecimento internacional, sendo admitido na Organização das Nações Unidas. O facto de pertencerem ou não ao Commonwealth ou à Communauté Fransaise deixou de ter grande significado.
Mas deve ter-se em conta que não existiu nem uniformidade cronológica nem semelhança no processo, A primeira descolonização, em resultado dos acordos de paz da II Guerra Mundial, foi a italiana, que renunciava não somente à Etiópia, anexada em 1 936, como a todas as outras colónias anteriores, conservando apenas um mandato temporário na Somália, por um período de 10 anos. O Congo Belga não conheceu nenhum dos dois dos primeiros períodos, e a África do Sul e as antigas colónias portuguesas nenhum dos três. Comparando ainda os sistemas britânico e francês, podemos perceber que o primeiro se estendeu por muito mais tempo, enquanto no caso francês o processo fez-se quase de imediato e em bloco.

Cronologia das independências africanas

Data
País
1847

26 de Julho
Libéria
1931

11 de Dezembro
África do Sul
1936

26 de Agosto (a Inglaterra declarou formalmente a soberania do Egipto em 28 de Fevereiro de 1922)
Egipto
1951

24 de Dezembro
Líbia
1956

1 de Janeiro
Sudão
2 de Março
Marrocos
20 de Março
Tunísia
1957

6 de Março
Gana (designada por Costa do Ouro, até 6   de Margo de 1957)
1958

2 de Outubro
Guiné
1960




1 de Janeiro
Camarões (Camarões franceses; tornou-se República Federal Unida, juntamente com os Camarões britânicos, em 11 de Fevereiro de 1961); seguindo-se a República Unida dos Camarões, em 2 de Junho de 1972; e República dos Camarões, em 1984).
27 de Abril
Togo (anteriormente designado por Togolândia)
26 de Junho
Madagáscar

30 de Junho
Zaire (Estado Livre do Congo, 1885-1908; Congo Belga, 1908-1960; República Democrática do Congo, 1960-1966; Congo-Kinshasa, 1966-1971)
1 de Julho
Somália
1 de Agosto
Daomé (denominado Benin, a partir de 30 de Novembro de 1975)
3 de Agosto
Níger
5 de Agosto
Alto Volta (actualmente, Burkina Faso)
7 de Agosto
Costa do Marfim
11 de Agosto
Chade
13 de Agosto
República Centro-Africana (Oubangui-Chari até 1 de Dezembro de 1958)
15 de Agosto
Congo Brazzaville
17 de Agosto
Gabão
20 de Agosto
Senegal
22 de Setembro
Mali (antigo Sudão)
1 de Outubro
Nigéria
28 de Novembro
Mauritânia
1961

27 de Abril
Serra Leoa

9 de Dezembro
Tanzânia (a República Unida foi formada em 27 de Abril de 1964; o nome de Tanzânia foi adoptado em 29 de Outubro de 1964).
1962

1 de Julho
Ruanda-Burundi
3 de Julho
Argélia
9 de Outubro
Uganda
1963

10 de Dezembro
Zanzibar
12 de Dezembro
Quénia
1964

6 de Julho
Malawi (antiga Niassalândia)
24 de Outubro
Zâmbia (antiga Rodésia do Norte)
1965

18 de Fevereiro
Gâmbia
1966

30 de Setembro
Botswana (antigo Protectorado Britânico da Bechuanalândia)
4 de Outubro
Lesoto (antiga Basutolândia)
1968

12 de Março
Ilha Maurícia
6 de Setembro
Suazilândia
12 de Outubro
Guiné Equatorial (designada por Guiné Espanhola até à independência)
1973

24 de Setembro
Guiné-Bissau (designada por Guiné Portuguesa até 24 de Setembro de 1973)
1975

25 de Junho
Moçambique
5 de Julho
Cabo Verde
6 de Julho
Comores
12 de Julho
S. Tomé e Príncipe
11 de Novembro
Angola
1976

29 de Junho
Seychelles
1977

27 de Junho
Djibuti (Somalilândia francesa até 6 de Julho de 1967; território francês de Afars e Issas, até 27 de Junho de 1977)
1980

18 de Abril
Zimbabwe (antiga Rodésia do Sul)
1990

21 de Março
Namíbia
2011

9 de Julho
Sudão do Sul

As manifestações nacionalistas em Moçambique

Datam do último quartel do século XIX as primeiras posições africanas que se opunham política colonial portuguesa. Esta desenvolveu-se, inicialmente, nas povoações ao norte do Zambeze, como Tete, Quelimane e ilha de Moçambique. Entre as temáticas recorrentes encontravam-se as que apresentamos na página seguinte.
  • ·       A defesa de uma maior autonomia governativa.
  • ·       A incapacidade da administração portuguesa em promover o avanço das populações.
  • ·       A discriminação praticada contra os africanos para ocuparem cargos no funcionalismo público.
  • ·       A presença dominante da colónia inglesa.
  • ·       O combate ao «trabalho obrigatório para os indígenas».
Mas seria em Lourenço Marques, actual Maputo, para onde se tinha transferido o centro administrativo e económico da colónia que, na primeira década do século XX, um pequeno grupo de negros e mulatos instruídos começou a reagir às tendências discriminatórias e políticas, impostas pela administração colonial portuguesa.

Grémio Africano de Lourenço Marques, cuja existência remonta a 1906, mas que viria a ser legalizado apenas em 1920, foi a primeira de várias associações. Durante muitos anos, até ä sua legalização, a sua actividade de mobilização e organização estava muito limitada, por não terem sido aprovados os seus estatutos. Os seus membros iniciais não ultrapassaram os 142, parecendo que em nenhum momento da associação, no referido período, terá ultrapassado as quatro centenas. Entre eles, contavam-se: empregados públicos, proprietários, tipógrafos, empregados comerciais, amanuenses, oficiais de diligências, empregados dos correios, comerciantes e operários. Grande parte desta gente era descendente de uma certa burguesia local, podendo caracterizar-se do seguinte modo: eram indivíduos nascidos, muito provavelmente, nas últimas três décadas do século fruto do contacto directo com a colonização mercantil portuguesa, que receberam «toda ou parte da sua educação antes da estruturação do imperialismo colonial», educados em missões ou sob influência cristã. Eram, em alguns casos, aparentados com as chefias tradicionais locais, muitas vezes proprietários de terrenos e imóveis, ocupando diferentes posições nos quadros do funcionalismo público e da actividade comercial.
Numa primeira fase, que foi de 1908/9 até 1912, os membros desta elite, através do seu jornal, o periódico O Africano (1908/9 - 1920), abordavam:
  • ·       Criticamente, a acção da igreja católica, apesar da sua base cristã.
  • ·       O racismo dos colonos.
  • ·       A ganância dos cantineiros.
  • ·       O Estado colonial, pela ausência de uma política correcta, não existindo escolas.
  • ·       Os administradores, por cobrarem ilegal e violentamente os impostos.
  • ·       As autoridades policiais, pela sua actuação repressiva.
  • ·       O trabalho forçado.
Quando se iniciou a publicação de O Brado Africano, em 1917, provavelmente em reacção lei que aprovava o regime assimilação, a conjuntura politica e económica era já nitidamente desfavorável a este pequeno grupo de africanos, não se encontrando verdadeiras alternativas para a situação existente. Para além da ausência de uma verdadeira liderança, com a morte dos seus membros mais representativos, sucedem-se as cisões no Grémio Africano, procurando romper com as rotinas existentes, através de uma política mais radical. Entre estas destacam-se:
  • O Congresso Nacional Africano, em 1921.
  • A Liga da Mocidade Africana, fundada em 1930, acabando por ser extinta em 1939.
  • O Instituto Negrófilo, fundado em 1932.
Sob a influência da AALM foram-se estabelecendo outras agremiações por todo o território moçambicano: Associação Africana de InhambaneGrémio Africano de GazaGrémio Africano de Quelimane e o Grémio Africano de Manica e Sofala. A realidade do associativismo africano, neste período, era, porém bem mais complexa, existindo um número bastante dilatado de associações, de carácter político, social e cultural, e clubes desportivos, só nos bairros suburbanos da capital da colónia.

Congresso Nacional Africano
«Mais ou menos em 1920 surgiu uma agremiação política com o nome de Congresso Nacional Africano formada por moçambicanos, na sua maioria de raça negra e alguns mestiços e até uns poucos brancos, que tinham saído da cisão do Grémio Africano. É que no Grémio Africano tinha-se instalado a ideia de que os mistos queriam dominar os pretos ou pelo menos estes assim o entenderam. Este Congresso Nacional Africano criou o seu órgão mensal bilingue (ronga e português) chamado Sol de África ou Dambu dja África, ao qual os brancos, por desconhecerem a língua ronga, chamavam simplesmente «Dambula». O Congresso Nacional Africano de Moçambique mantinha contactos com o ANC da Africa do Sul que já existia. Os seus fundadores foram, entre outros, Lindstrom Mathite, Jeremias Nhaca, João Tomás Chembene e José da Conceição Hobjana (este último, avó materno de Josina Machel, heroína da Revolução Moçambicana).
O primeiro presidente da direcção foi o Chembene. Era um empregado comercial. Falava muito bem inglês e português. Outros sócios fundadores foram Amade Dulla, Benjamim Moniz, Hassan Tricamo (meu tio) e outros.
O Hassam Tricamo era o secretário de direcção. As reuniões da direcção eram feitas em casa dele, e por isso é que acompanhei de perto esta agremiação, embora fosse bastante jovem na altura. Conseguiu-se a adesão das populações dos arredores da cidade. Faziam-se comícios públicos onde se falava dos problemas das populações, em geral, e havia sempre muita gente presente. Assistentes aos comícios eram também alguns régulos das cercanias de Lourenço Marques, por vezes acompanhados de gente das suas terras. Eu assisti a muitos comícios em que o tema era sempre os direitos dos africanos e certas críticas, embora muito veladas, ao governo. Talvez por causa do perigo que isto representava para o governo colonial, esta agremiação durou muito pouco tempo. Em inícios de 1923 deixou de existir. Esta foi talvez a primeira agremiação de africanos, com carácter essencialmente político, de debate e de contestação, aqui no Sul.»
Raul Bernardo Honwana: Memórias

O Instituto Negrófilo

O Instituto Negrófilo, que viria a celebrizar-se com o nome de Centro Associativo dos Negros de Moçambique, fundado em 1932, por iniciativa de Loodge Manicusse Chrindja, David Zinhougua Manhiça, Raul Pessana, Abraão Aldasse, Enoque e Daniel J. Libombo, Raul Manuel Bernardo Honwana, Filipe Tembe, Levi Pinto Maximiano, Filimone J. Honwana, Alberto Madeira e Sem Balaze, procurava igualmente uma via reformista, centrada em dois grandes objectivos: instrução e beneficência. Numa primeira fase, o Instituto Negrófilo tinha como únicas actividades a recreação e as actividades culturais. A partir de 1949, com a estadia de Eduardo Chivambo Mondlane em Moçambique, apos a sua expulsão da Africa do Sul, foi criado o Núcleo de Estudantes Secundários Africanos de Moçambique (NESAM) que viria, gradualmente, a radicalizar as posições no interior do Centro Associativo, levando à sua extinção pelas autoridades portuguesas em 31 de Julho de 1965.

O Grémio Negrófilo de Manica e Sofala

Criado na cidade da Beira, em 1935, sob a influência de Kamba Simango, a actividade do Grémio estendia-se à cidade da Beira, Machanga, Mambone, Mossurize, Búzi, Sofala, Gondola, Chimoio, Manica e Lourenço Marques (actual Maputo). No Transvaal, na África do Sul, encontrava-se uma importante comunidade da Machanga que, regularmente, enviava fundos para o Grémio, permitindo a sua existência. O Grémio procurou:
  • Defender os interesses dos seus associados e populações.
  • Resolver questões gentílicas.
  • Manter uma escola na sua sede.
  • Fazer propaganda e cerimónias religiosas, permitindo reuniões de seitas dissidentes.
Após os acontecimentos da Machanga, em 1955, em que o Grémio fez uma exposição protestando contra os maus tratos exercidos pelo administrador daquela localidade sobre a população, viria a ser extinto em Margo de 1956.



Bibliografia
SOPA, António. H10 - História 10ª Classe. 1ª Edição. Texto Editores, Maputo, 2017.7

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