Antropologia de Moçambique: as origens da cultura moçambicana

Antropologia de Moçambique: as origens da cultura moçambicana

Os povos que os portugueses encontraram no território hoje designado por Moçambique tinham as suas culturas típicas que os distinguiam de outros povos do mundo. Tinham os seus modos de vida, uma visão concreta do mundo e manifestações religiosas ou crenças. Portanto, quando os portugueses chegaram a esta região encontraram povos a que usurparam as suas terras, trazendo a opressão e fazendo do território sua colónia.

No entanto, antes da chegada dos portugueses, sabe-se que teriam passado por cá árabes, persas, hindus, chineses e outros povos que nos permitem dizer que houve desde cedo uma fusão ou mescla de povos de culturas. Ora, cada cultura desloca-se e entra em contacto com outras formas de cultura através de relações individuais dos seus membros ou por vias colectivas como é o caso, por exemplo, das migrações de povos. Essas mesclas resultantes dos contactos entre povos, as transformações e os efeitos daí decorrentes denominam-se transculturação.

Por conseguinte, ao falarmos da cultura moçambicana é necessário que observemos todos esses aspectos, ou seja, o actualmente conhecido por povo moçambicano tem a raiz basilar no povo Bantu, porém, com o decurso do tempo, esse povo foi-se mesclando tanto com outros povos de tal modo que hoje podemos dizer que a cultura moçambicana é a simbiose ou a fusão entre as culturas das populações africanas dos diversos grupos éticos deste país e as de origem europeia e asiática, isto é, as culturas portuguesa, árabe, hindu, persa, etc., cujos povos por aqui passaram, viveram e/ou vivem.

Os contactos entre as culturas existem e resultam objectivamente das alterações sucessivas das estruturas da sociedade. No caso vertente da cultura moçambicana, a presença de comerciantes vindos de outras latitudes, as acções de missionários e de agentes do colonialismo constituem os factores impulsores do processo de aculturação, ou mesmo de transculturação do país. Assim, na sua condição de homens de negócio e de comércio, os árabes vieram para estas terras e se tornaram grandes propagadores do islamismo, sendo esta religião, das que mais seguidores tem no nosso país.

A actividade missionária não escapa, porquanto não constitui apenas na expansão do cristianismo, como também actuou sobre as culturas locais, procurando inculcar novos valores e costumes sobre as instituições africanas, moldando a mentalidade e a consciência do africano.

Para além de ter sido um veículo de conquista política, a função da colonização consistiu num meio de contactos culturais entre os moçambicanos e os europeus. Por exemplo, o povo português em si tem uma certa mescla com a nossa cultura. Há portugueses cujos antepassados são moçambicanos, mas neste caso são, no verdadeiro sentido, portugueses na essência, e vice-versa. Consequentemente, o povo moçambicano e a sua cultua compartilham essa fusão de origens entre os povos bantu e os das origens asiáticas e europeias; o que faz com que seja (é) incorrecta a ideia de que os negros são os donos absolutos desta terra, pois a história dá-nos conta da congregação de outras raças que se mesclaram com os negros para conceber uma moçambicanidade heterogénea que incorpora vários padrões de origens.

Os factos ora retrocitados concorreram para a aculturação do povo moçambicano. Todavia, relativamente ao colonialismo português, a aculturação teve alguns efeitos perversos sobre as populações e as culturas locais. Por exemplo, a escravatura foi um dos mais cruéis e sinuosos actos que a humanidade já conheceu. Ela destruiu as estruturas culturais existentes nas aldeias dos africanos, desumanizou o homem africano, obrigando-o a fugir das suas zonas para outras, deportando-o e bestializando-o.

Com esta prática de subjugação, o colonialismo legou uma herança cultural negativa ao povo moçambicano, isto é, o analfabetismo. Não era de interesse colonialista educar científica, afectiva, ética, intelectual e somaticamente ao povo indígena. Como resultado disso, aquando da data da proclamação da Independência Nacional (1975) existiam em Moçambique cerca de 93% de analfabetos.

Portanto, três grupos etno-culturais prevalecem no território moçambicano durante o período de subjugação colonial:

a) A cultura das populações negras africanas representadas pelos vários grupos étnicos existentes em Moçambique: esta aparece como o conjunto de tradições e modos de vida típicos desses grupos étnicos, estendendo-se em todas as regiões rurais e sendo culturais da maioria. Essas culturas tinham/têm as suas práticas bastante diversificadas segundo os costumes e estilos de vida de cada grupo étnico e possuíam/possuem em comum, no entanto, a raiz que é o povo Bantu.

b) A cultura colonial: instalou-se nas cidades, nas vilas e em zonas de interesse económico e turístico, representando os valores e as ideologias do aparelho administrativo português e preocupando-se com/pelo reforço do sistema de opressão através da transformação das populações indígenas para a sua integração na sociedade e cultura portuguesas.

c) A cultura das minorias: ora, por aqui passaram, moraram e deixaram vestígios culturais que hoje perfazem a cultura moçambicana, um conjunto de povos, designadamente hindus, persas, árabes, chineses, etc. Esses povos, embora ostentassem outro estatuto, partilharam com a população indígena as vicissitudes do colonialismo, e hoje não se pode aludir à riqueza da nossa cultura sem considerar esta parte da nossa moçambicanidade.

Pese embora prevalecesse a estratificação cultural acima referida, a cultura colonial sempre procurou formas de se sobrepor aos restantes estratos culturais, utilizando para além de dispositivos repressivos, meios ideológicos para dissociar e desintegrar a população indígena das suas origens e da sua cultura. Por exemplo, a designação da população africana por nomes pejorativos como “macacos, selvagens, primitivas, pretos, etc”, por um lado, e a política de assimilação praticada pelas autoridades coloniais, por outro lado, tinham a finalidade não só de legitimar a dominação e a imposição da cultura colonial mas também de ridiculizar ou inferiorizar a cultura dos dominados levando os dominados a se conformarem com a dominação.

Na sua obra “Lutar por Moçambique”, Mondlane refere que para ascender ao estatuto de assimilado os africanos deveriam:

  • i. Saber ler, escrever e falar português correctamente.
  • ii. Ter meios suficientes para sustentar a família.
  • iii. Ter bom comportamento.
  • iv. Ter a necessária educação, hábitos individuais e sociais de modo a pode viver sob a lei pública e privada de Portugal.
  • v. Requerer à autoridade administrativa área, que o levará ao governador do distrito para ser aprovado.

Na verdade, a assimilação denotou grotescos complexos de inferioridade que os africanos foram tendo diante da comunidade portuguesa, isto é, identificar com a africanidade ou com a moçambicanidade e orgulhar-se por isso não era coisa de gente socialmente aceitável. Em poucas palavras, para ascender à assimilação os africanos deviam negar a sua africanidade, as tradições da sua terra para serem admitidos como cidadãos portugueses de direitos e deveres iguais aos brancos.

Em conclusão, há uma cultura moçambicana que decorre da fusão dos vários povos que habitaram esta parte oriental da Africa, porém, as tradições dos povos originais têm sido marginalizadas ao longo da história, por vezes, designadas misteriosas e atrasadas, e outras vezes, manipuladas como instrumentos de atracção turística.

Bibliografia

TOMÁS, Adelino Esteves. Manual de Antropologia Sócio-Cultural. Universidade Pedagógica Sagrada Família, s/d.

VILANCULO, Gregório Zacarias. Manual de Antropologia Cultural de Moçambique. Universidade Pedagógica: Maxixe, s/d.

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