Desenvolvimento Psíquico Segundo Piaget
2. Desenvolvimento Psíquico Segundo Piaget
2.1. Conceito de Desenvolvimento
Recorda-se que
o desenvolvimento
foi definido
como
sendo o conjunto de mudanças progressivas que se operam
nos aspectos
físico-motor, intelectual e afevctivo-emocional e
social desde o nascimento
até a idade adulta? A seguir vai estudar como é que Piaget define desenvolvimento.
O ponto de partida para a definição de desenvolvimento de Piaget é a concepção
de
que o indivíduo aspira a adaptação às
condições
ambientais com base na capacidade inata do pensamento.
O ponto de partida para esta adaptação é actividade reflexa já iniciada na vida intra-uterina
que
o bebé desenvolve desde o nascimento.
A adaptação é o resultado
da acção de
dois mecanismos do pensamento que operam em simultâneo
nomeadamente a assimilação e a acomodação.
Entende-se por assimilação, a aquisição de novos conhecimentos e novas experiências integrando-os ou absorvendo-os nas estruturas
ou esquemas existentes do pensamento.
A acomodação, por sua vez,
designa as modificações que as novas experiências
provocam nos esquemas ou estruturas
existentes de modo que haja adaptação.
Para que haja adaptação
é necessário que haja equilíbrio outra assimilação e acomodação.
O desequilíbrio entre a
assimilação e a acomodação provoca conflitos em outros patamares de equilíbrio de nível superior.
Ao tentar dominar activamente o ambiente, o
sujeito constrói estruturas e níveis
superiores de conhecimentos, a
partir dos elementos já formados pela maturação e pelo meio.
2.2. Estágios
de Desenvolvimento Segundo Piaget
2.2.1. Conceito de Estágio de
Desenvolvimento
O estágio de desenvolvimento refere-se a uma faixa etária em que as crianças possuem semelhanças típicas nos aspectos físico-motor, cognitivo, emocional-sentimental, volitivo, de habilidades, hábitos, aptidões, possibilidades de realização e
modos de comportamento. Estas semelhanças típicas também se podem
designar de particularidades de idade.
Os estágios de desenvolvimento de Piaget colocam
mais em evidência o pensamento das crianças. Assim, este psicólogo distingue os
seguintes estágios de desenvolvimento do pensamento: sensório-motor,
pré-operatório, operações concretas, operações formais.
Este
autor divide os períodos do desenvolvimento humano de acordo com o aparecimento
de novas qualidades do pensamento, o que, por sua vez, interfere no
desenvolvimento global.
- 1º
período: Sensório-motor (0 a 2 anos)
- 2° período: Pré-operatório (2 a 7 anos)
- 3º
período: Operações concretas (7 a 11 ou 12 anos)
- 4º período:
Operações formais (11 ou 12 anos em diante).
Segundo
Piaget, cada período é caracterizado por aquilo que de melhor o indivíduo
consegue fazer nessas faixas etárias. Todos os indivíduos passam por todas
essas fases ou períodos, nessa sequência, porém o início e o término de cada
uma delas dependem das características biológicas do indivíduo e de factores
educacionais, sociais.
Portanto,
a divisão nessas faixas etárias é uma referência, e não uma norma rígida.
Período Sensório-Motor (o recém-nascido e o lactente — 0 a 2 anos)
Neste
período, a criança conquista, através da percepção e dos movimentos, todo o
universo que a cerca.
No
recém-nascido, a vida mental reduz-se ao exercício dos aparelhos reflexos, de
fundo hereditário, como a sucção. Esses reflexos melhoram com o treino. Por
exemplo, o bebê mama melhor no 10º dia de vida do que no 29 dia. Por volta dos
cinco meses, a criança consegue coordenar os movimentos das mãos e olhos e pegar
objectos, aumentando sua capacidade de adquirir hábitos novos.
No
final do período, a criança é capaz de usar um instrumento como meio para
atingir um objecto. Por exemplo, descobre que, se puxar a toalha, a lata de
bolacha ficará mais perto dela. Neste caso, ela utiliza a inteligência prática
ou sensório-motora, que envolve as percepções e os movimentos.
Neste
período, fica evidente que o desenvolvimento físico acelerado é o suporte para
o aparecimento de novas habilidades. Isto é, o desenvolvimento ósseo,
muscular e neurológico permite a emergência de novos comportamentos, como
sentar-se, andar, o que propiciará um domínio maior do ambiente.
Ao
longo deste período, irá ocorrer na criança uma diferenciação progressiva entre
o seu eu e o mundo exterior. Se no início o mundo era uma continuação do
próprio corpo, os progressos da inteligência levam na a situar-se como um
elemento entre outros no mundo. Isso permite que a criança, por volta de 1 ano,
admita que um objecto continue a existir mesmo quando ela não o percebe, isto
é, o objecto não está presente no seu campo visual, mas ela continua a procurar
ou a pedir o brinquedo que perdeu, porque sabe que ele continua a existir.
Esta diferenciação
também ocorre no aspecto afectivo, pois o bebé passa das emoções primárias (os
primeiros medos, quando, por exemplo, ele se enrijece ao ouvir um barulho muito
forte) para uma escolha afectiva de objectos (no final do período), quando já
manifesta preferências por brinquedos, objectos, pessoas etc.
No
curto espaço de tempo deste período, por volta de 2 anos, a criança evolui de
uma atitude passiva em relação ao ambiente e pessoas de seu mundo para uma
atitude activa e participativa. Sua integração no ambiente dá-se, também, pela
imitação das regras. E, embora compreenda algumas palavras, mesmo no final do
período só é capaz de fala imitativa.
Período Pré-Operatório (a 1ª infância — 2 a 7 anos)
Neste
período, o que de mais importante acontece é o aparecimento da linguagem, que
irá acarretar modificações nos aspectos intelectuais, afectivo e social da
criança.
A
interacção e a comunicação entre os indivíduos são, sem dúvida, as
consequências mais evidentes da linguagem. Com a palavra, há possibilidade de
exteriorização da vida interior e, portanto, a possibilidade de corrigir acções
futuras. A criança já antecipa o que vai fazer.
Como
decorrência do aparecimento da linguagem, o desenvolvimento do pensamento se
acelera. No início do período, ele exclui toda a objectividade, a criança
transforma o real em função dos seus desejos e fantasias (jogo simbólico);
posteriormente, utiliza-o como referencial para explicar o mundo real, a sua
própria actividade, seu eu e suas leis morais; e, no final do período, passa a
procurar a razão causal e finalista de tudo (é a fase dos famosos “porquês”). E
um pensamento mais adaptado ao outro e ao real.
Como
várias novas capacidades surgem, muitas vezes ocorre a super-estimação da
capacidade da criança neste período. E importante ter claro que grande parte do
seu repertório verbal é usada de forma imitativa, sem que ela domine o
significado das palavras; ela tem dificuldades de reconhecer a ordem em que
mais de dois ou três eventos ocorrem e não possui o conceito de número. Por
ainda estar centrada em si mesma, ocorre uma primazia do próprio ponto de
vista, o que torna impossível o trabalho em grupo. Esta dificuldade mantém-se
ao longo do período, na medida em que a criança não consegue colocar-se do
ponto de vista do outro.
No
aspecto afectivo, surgem os sentimentos inter-individuais, sendo que um
dos mais relevantes é o respeito que a criança nutre pelos indivíduos
que julga superiores a ela. Por exemplo, em relação aos pais, aos
professores. E um misto de amor e temor. Seus sentimentos morais reflectem esta
relação com os adultos significativos — a moral da obediência —, em que
o critério de bem e mal é a vontade dos adultos.
Com
relação às regras, mesmo nas brincadeiras, concebe-as como imutáveis e
determinadas externamente. Mais tarde, adquire uma noção mais elaborada da
regra, concebendo-a como necessária para organizar o brinquedo, porém não a discute.
Com o
domínio ampliado do mundo, seu interesse pelas diferentes actividades e
objectos se multiplica, diferencia e regulariza, isto é, torna-se estável,
sendo que, a partir desse interesse, surge uma escala de valores própria da
criança. E a criança passa a avaliar suas próprias acções a partir dessa
escala.
É
importante, ainda, considerar que, neste período, a maturação neuro-fisiológica
completa-se, permitindo o desenvolvimento de novas habilidades, como a
coordenação motora fina — pegar pequenos objectos com as pontas dos dedos,
segurar o lápis correctamente e conseguir fazer os delicados movimentos
exigidos pela escrita.
Período das Operações Concretas (a infância propriamente dita — 7a 11 ou 12
anos)
O
desenvolvimento mental, caracterizado no período anterior pelo egocentrismo
intelectual e social, é superado neste período pelo início da construção
lógica, isto é, a capacidade da criança de estabelecer relações que permitam a
coordenação de pontos de vista diferentes. Estes pontos de vista podem
referir-se a pessoas diferentes ou à própria criança, que “vê” um objecto ou
situação com aspectos diferentes e, mesmo, conflitantes. Ela consegue coordenar
estes pontos de vista e integrá-los de modo lógico e coerente. No plano
afectivo, isto significa que ela será capaz de cooperar cora os outros, de trabalhar
em grupo e, ao mesmo tempo, de ter autonomia pessoal.
O que
possibilitará isto, no plano intelectual, é o surgimento de uma nova capacidade
mental da criança: as operações, isto é, ela consegue realizar uma acção
física ou mental dirigida para um fim (objectivo) e revertê-la para o seu
início. Num jogo de quebra-cabeça, próprio para a idade, ela consegue, na
metade do jogo, descobrir um erro, desmanchar uma parte e recomeçar de onde
corrigiu, terminando-o.
As
operações sempre se referem a objectos concretos presentes ou já experienciados.
Outra
característica deste período é que a criança consegue exercer suas habilidades
e capacidades a partir de objectos reais, concretos. Portanto, mesmo a capacidade
de reflexão que se inicia, isto é, pensar antes de agir, considerar os vários
pontos de vista simultaneamente, recuperar o passado e antecipar o futuro, se
exerce a partir de situações presentes ou passadas, vivenciadas pela criança.
Em
nível de pensamento, a criança consegue:
- Estabelecer
correctamente as relações de causa e efeito e de meio e fim;
- Sequenciar
ideias ou eventos;
- Trabalhar
com ideias sob dois pontos de vista, simultaneamente;
- Formar o conceito de número (no início do
período, sua noção de número está vinculada a uma correspondência com o objecto
concreto).
A noção
de conservação da substância do objecto (comprimento e quantidade) surge no
início do período; por volta dos 9 anos, urge a noção de conservação de peso;
e, ao final do período, a noção de conservação do volume.
No
aspecto afectivo, ocorre o aparecimento da vontade como qualidade
superior e que actua quando há conflitos de tendências ou intenções (entre o
dever e o prazer, por exemplo). A criança adquire uma autonomia crescente em
relação ao adulto, passando a organizar seus próprios valores morais. Os novos
sentimentos morais, característicos deste período, são: o respeito mútuo, a
honestidade, o companheirismo e a justiça, que considera a intenção na acção.
Por exemplo, se a criança quebra o vaso da mãe, ela acha que não deve ser
punida se isto ocorreu acidentalmente. O grupo de colegas satisfaz, progressivamente,
as necessidades de segurança e afecto.
Nesse
sentido, o sentimento de pertencer ao grupo de colegas torna-se cada vez mais
forte. As crianças escolhem seus amigos, indistintamente, entre meninos e
meninas, sendo que, no final do período, a grupalização com o sexo oposto
diminui.
Este
fortalecimento do grupo traz a seguinte implicação: a criança, que no início do
período ainda considerava bastante as opiniões e ideias dos adultos, no final
passa a “enfrentá-los”
A
cooperação é uma capacidade que vai-se desenvolvendo ao longo deste período e
será um facilitador do trabalho em grupo, que se torna cada vez mais absorvente
para a criança. Elas passam a elaborar formas próprias de organização grupal,
em que as regras e normas são concebidas como válidas e verdadeiras, desde que
todos as adoptem e sejam a expressão de uma vontade de todos. Portanto, novas
regras podem surgir, a partir da necessidade e de um “contrato” entre as crianças.
Período das Operações Formais (a adolescência — 11 ou 12 anos em diante)
Neste
período, ocorre a passagem do pensamento concreto para o pensamento formal, abstracto,
isto é, o adolescente realiza as operações no plano das idéias, sem necessitar
de manipulação ou referências concretas, como no período anterior. É capaz de
lidar cora conceitos como liberdade, justiça etc. O adolescente domina,
progressivamente, a capacidade de abstrair e generalizar, cria teorias sobre o
mundo, principalmente sobre aspectos que gostaria de reformular. Isso é
possível graças à capacidade de reflexão espontânea que, cada vez mais
descolada do real, é capaz de tirar conclusões de puras hipóteses.
O livre
exercício da reflexão permite ao adolescente, inicialmente, “submeter” o mundo real
aos sistemas e teorias que o seu pensamento é capaz de criar. Isto vai-se
atenuando de forma crescente, através da reconciliação do pensamento cora a
realidade, até ficar claro que a função da reflexão não é contradizer, mas se
adiantar e interpretar a experiência.
Do
ponto de vista de suas relações sociais, também ocorre o processo de
caracterizar-se, inicialmente, por uma fase de interiorização, em que,
aparentemente, é anti-social. Ele se afasta da família, não aceita conselhos
dos adultos; mas, na realidade, o alvo de sua reflexão é a sociedade, sempre
analisada como passível de ser reformada e transformada.
Posteriormente,
atinge o equilíbrio entre pensamento e realidade, quando compreende a
importância da reflexão para a sua acção sobre o mundo real. Por exemplo, no
início do período, o adolescente que tem dificuldades na disciplina de
Matemática pode propor sua retirada do currículo e, posteriormente, pode propor
soluções mais viáveis e adequadas, que considerem as exigências sociais.
No
aspecto afectivo, o adolescente vive conflitos. Deseja libertar-se do adulto,
mas ainda depende dele. Deseja ser aceito pelos amigos e pelos adultos. O grupo
de amigos é um importante referencial para o jovem, determinando o vocabulário,
as vestimentas e outros aspectos de seu comportamento. Começa a estabelecer sua
moral individual, que é referenciada à moral do grupo.
Os
interesses do adolescente são diversos e mutáveis, sendo que a estabilidade
chega com a proximidade da idade adulta.
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