Desenvolvimento Psíquico da Criança Segundo Vygotsky
3. Desenvolvimento Psíquico da Criança Segundo Vygotsky
Este tema,
tratará da caracterização do desenvolvimento psíquico
da criança segundo o psicólogo russo Lev Seminovitch Vygotsky (1896-1934).
Lev Seminovitch Vygotsky |
3.1. Conceito de Desenvolvimento segundo
Vygotsky
A lição anterior
mostrou que o desenvolvimento cognitivo é
determinado por factores
de
maturação biológica associados a
factores intrínsecos de procura de adaptação
ao
meio ambiente.
Segundo Crain (1992:194), Vygotsky tentou criar uma teoria de desenvolvimento psíquico que considera a
interacção entre a “linha natural” de desenvolvimento que emerge de dentro e a
“linha socio-histórica de desenvolvimento” que influência a criança
por
fora.
Tal linha natural domina o desenvolvimento cognitivo até, mais ou menos, aos dois anos. A partir dessa idade o
desenvolvimento
cognitivo é influenciado pela linguagem, pela palavra, pelo sistema
de sinais, pelos significados das coisas, pelos fenómenos. A linguagem é
adquirida na interacção da criança com os adultos e outras crianças. Os
significados dados pela linguagem são, por sua vez, influenciados pela cultura.
Vygotsky define o desenvolvimento psíquico como um processo activo de aquisição
da cultura humana através da linguagem, na interacção com outras pessoas. A
linguagem aparece, assim, como forma de representação das coisas e dos
fenómenos do mundo real. Ao adquirir a cultura humana a criança assimila
conhecimentos sobre as coisas e os fenómenos, aprende a realizar actividades e
acções respectivas, formando assim habilidades, aptidões, bem como
comportamentos.
Deste
modo, Vygotsky considera
o desenvolvimento
psíquico como um processo de interiorização da cultura humana através de
representações simbólicas, em especial, através da linguagem. Neste sentido, o social tem importância
fundamental no desenvolvimento psíquico do indivíduo.
3.2. Estágios de Desenvolvimento Cognitivo de Vygotsky
Vygotsky
reconhece os estágios de desenvolvimento do pensamento de Piaget sem, no entanto,
aceitar sua determinação puramente biológica e os respectivos limites absolutos
de idade.
(Crain, 1992:199) refere que Vygotsky considera que a aquisição de
conhecimentos espontâneos do dia-a-dia não conduzem ao desenvolvimento do
pensamento puramente abstracto e teórico. É preciso recordar que as
generalizações a partir da actividade prática com os objectos, a partir de
vivências do dia a dia caracterizam o pensamento concreto. O pensamento
puramente abstracto e teórico caracteriza-se por generalizações de características
mais essenciais das coisas e fenómenos e suas relações.
Para Vygotsky este pensamento puramente abstracto e
teórico desenvolve-se,
indissociavelmente, ligado à aprendizagem da Escrita, Matemática, Ciências
Naturais.
Note-se
que Piaget considera que o pensamento formal surge por volta dos 11/12 anos, isto é, aparece consoante a idade. Contudo,
para Vygotsky, o pensamento puramente abstracto
e teórico não só depende da aprendizagem, como também das condições sócio- históricas de vida do indivíduo. Por condições socio-históricas entenda-se aqui o desenvolvimento
socio-económico,
o contexto
em que o indivíduo está inserido, as formas de vida, etc. Tomemos o exemplo das características
do pensamento que a
seguir se apresenta.
3.3. A
visão do Desenvolvimento Infantil
O
desenvolvimento infantil é visto a partir de três aspectos: instrumental,
cultural e histórico.
- O aspecto
instrumental refere-se à natureza basicamente mediadora das funções
psicológicas complexas. Não apenas respondemos aos estímulos apresentados no
ambiente, mas os alteramos e usamos suas modificações como um instrumento de
nosso comportamento. Exemplo disso é o costume popular de amarrar um barbante
no dedo para lembrar algo. O estímulo — o laço no dedo — objectivamente significa
apenas que o dedo está amarrado. Ele adquire sentido, por sua função mediadora,
fazendo-nos lembrar algo importante.
- O aspecto
cultural da teoria envolve os meios socialmente estruturados pelos quais a
sociedade organiza os tipos de tarefa que a criança em crescimento enfrenta, e
os tipos de instrumento, tanto mentais como físicos, de que a criança pequena
dispõe para dominar aquelas tarefas. Um dos instrumentos básicos criados pela humanidade
é a linguagem. Por isso, Vigotsky deu ênfase, em toda sua obra, à linguagem e
sua relação com o pensamento.
- O aspecto
histórico, como afirma Luria, funde-se com o cultural, pois os instrumentos
que o homem usa, para dominar seu ambiente e seu próprio comportamento, foram
criados e modificados ao longo da história social da civilização. Os
instrumentos culturais expandiram os poderes do homem e estruturaram seu
pensamento, de maneira que, se não tivéssemos desenvolvido a linguagem escrita
e a aritmética, por exemplo, não possuiríamos hoje a organização dos processos superiores
que possuímos.
Assim,
para Vigotsky, a história da sociedade e o desenvolvimento do homem caminham juntos
e, mais do que isso, estão de tal forma intrincados, que um não seria o que é sem
o outro.
Com
essa perspectiva, é que Vygotsky estudou o desenvolvimento infantil. As
crianças, desde o nascimento, estão em constante interacção com os adultos, que
activamente procuram incorporá-las a suas relações e a sua cultura. No início,
as respostas das crianças são dominadas por processos naturais, especialmente
aqueles proporcionados pela herança biológica. É através da mediação dos
adultos que os processos psicológicos mais complexos tomam forma. Inicialmente,
esses processos são inter-psíquicos (partilhados entre pessoas), isto é, só podem
funcionar durante a interacção das crianças com os adultos.
À medida
que a criança cresce, os processos acabam por ser executados dentro das
próprias crianças — intra-psíquicos. É através desta interiorização dos meios
de operação das informações, meios estes historicamente determinados e
culturalmente organizados, que a natureza social das pessoas tornou-se
igualmente sua natureza psicológica.
No
estudo feito por Vygotsky, sobre o desenvolvimento da fala, sua visão fica
bastante clara: inicialmente, os aspectos motores e verbais do comportamento
estão misturados. A fala envolve os elementos referenciais, a conversação
orientada pelo objecto, as expressões emocionais e outros tipos de fala social.
Como a criança está cercada por adultos na família, a fala começa a adquirir
traços demonstrativos, e ela começa a indicar o que está fazendo e de que está
precisando. Após algum tempo, a criança, fazendo distinções para os outros com
o auxílio da fala, começa a fazer distinções para si mesma. E a fala vai
deixando de ser um meio para dirigir o comportamento dos outros e vai
adquirindo a função de auto-direcção.
Fala e
acção, que se desenvolvem independentes uma da outra, em determinado momento do
desenvolvimento convergem, e esse é o momento de maior significado no curso do
desenvolvimento intelectual, que dá origem às formas puramente humanas de
inteligência. Forma-se, então, um amálgama entre fala e acção; inicialmente a
fala acompanha as acções e, posteriormente, dirige, determina e domina o curso
da acção, com sua função planejados.
O
desenvolvimento está, pois, alicerçado sobre o plano das interacções. O sujeito
faz sua uma acção que tem, inicialmente, um significado partilhado. Assim, a
criança que deseja um objecto inacessível apresenta movimentos de alcançá-lo, e
esses movimentos são interpretados pelo adulto como “desejo de obtê-lo”, e
então lhe dá o objecto. Os movimentos da criança afectam o adulto e não o objecto
directamente; e a interpretação do movimento pelo adulto permite que a criança
transforme o movimento de agarrar em gesto de apontar. O gesto é criado na
interacção, e a criança passa a ter controle de uma forma de sinal, a partir
das relações sociais.
Todos
os movimentos e expressões verbais da criança, no início de sua vida, são
importantes, pois afectam o adulto, que os interpreta e os devolve à criança
cora acção e/ou com fala. A fala egocêntrica, por exemplo, foi vista por
Vygotsky como uma forma de transição entre a fala exterior e a interior. A fala
inicial da criança tem, portanto, um papel fundamental no desenvolvimento de
suas funções psicológicas.
Para
Vygotsky, as funções psicológicas emergem e se consolidam no plano da acção
entre pessoas e tornam-se internalizadas, isto é, transformam-se para
constituir o funcionamento interno. O plano interno não é a reprodução do plano
externo, pois ocorrem transformações ao longo do processo de internalização. Do
plano inter-psíquico, as acções passam para o plano intra-psíquico. Considera,
portanto, as relações sociais como constitutivas das funções psicológicas do
homem. Essa visão de Vygotsky deu o carácter interacionista à sua teoria.
Vygotsky
deu ênfase ao processo de internalização como mecanismo que intervém no
desenvolvimento das funções psicológicas complexas. Esta é reconstrução interna
de uma operação externa e tem como base a linguagem. O plano interno, para
Vygotsky, não preexiste, mas é constituído pelo processo de internalização,
fundado nas acções, nas interacções sociais e na linguagem.
Bibliografia
RODRIGUES, A. & BILA, L.V. Módulo de Psicologia de Desenvolvimento e de Aprendizagem. Maputo. Universidade Pedagógica. págs. 83-92.
BOCK, A. M. B. et al. Psicologias: Uma Introdução ao Estudo de Psicologia. São Paulo, Editora Saraiva, 1993, Cap. 7.
INSTITUTO SUPERIOR DOM BOSCO. Módulo IV. Psicologia de Aprendizagem. Maputo, págs. 43-47.
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