Necessidades Educativas Especiais: Conceitos e definições

2.1. Necessidades Educativas Especiais

Embora em uso desde os anos 60, a expressão Necessidades Educativas Especiais (special education needs) ganha força nos fins da década de 1970 num relatório apresentado ao parlamento do Reino Unido, pela Secretaria do Estado para Educação e Ciência, Secretaria do Estado para a Escócia e pela Secretaria do Estado para o País de Gales. O Documento, posteriormente denominado Relatório Warnock/Warnock Report, resumia as constatações do primeiro comité britânico constituído para reavaliar o atendimento aos deficientes. O nome Warnock é uma alusão à presidente deste grupo de trabalho, Mary Warnock.

Com o uso da expressão Necessidades Educativas Especiais o comité pretendia distanciar-se da categorização médica das crianças e jovens com deficiência, adoptando uma classificação mais funcional ao universo escolar. Todavia, somente com a publicação da Education Act de 1981 na Inglaterra, este conceito foi claramente definido. De acordo com este documento, diz-se que “uma criança tem Necessidades Educativas Especiais se tem dificuldades de aprendizagem que obrigam a uma intervenção educativa especial, concebida especificamente para ela” (Sanches & Teodoro; 2006: 64).

Coll, Palacios e Marchesi (2007:11) afirmam que um aluno tem Necessidades Educativas Especiais quando “apresenta algum problema de aprendizagem ao longo da sua escolarização, que exige uma atenção mais específica e maiores recursos educacionais do que os necessários para os colegas da sua idade”.

De modo mais amplo, define-se Necessidades Educativas Especiais a um «conjunto de factores de risco, de ordem intelectual, emocional e física, que podem afectar a capacidade de um aluno em atingir o seu potencial máximo no que concerne a aprendizagem, académica e sócio emocional». Estes factores podem, assim, originar “discapacidades” ou “talentos”, podem afectar uma ou mais áreas do funcionamento do aluno e podem ser mais ou menos visíveis (Correia, 2008: 43).

Pode-se dizer ainda que um aluno tem uma Necessidade Educativa Especial quando o seu funcionamento na aprendizagem e no desenvolvimento encontra alguma dificuldade e, por consequência lhe vem dedicada uma educação especial, mais eficaz e específica, por via da integração e da inclusão (Ianes, 2005:11).

Agora pare e pense: em que medida o conceito que você avançou anteriormente aproxima-se de um destes? Se apresentam alguma relação, está de parabéns. Caso contrário, não desanime: o erro é uma parte fundamental do processo de aprendizagem.

Para operacionalizarmos melhor estes conceitos, lembremo-nos de que ao longo do percurso afirmamos que a categoria necessidades educativas especiais vai para além da simples presença de distúrbios físicos que possam ser motivo de dificuldades de aprendizagem.

Se consideramos esta premissa como verdadeira, convém-nos buscar um critério mais amplo para a definição das NEE. Um ponto de partida essencial consiste em considerar que as NEE (independentemente da causa, que pode ser biológica, social, económica, etc.) encontram-se na pessoa, e mais precisamente na relação que esta estabelece com o meio circundante (o escolar em particular).

Então, podemos dizer que as necessidades educativas especiais são um problema antropológico que se manifesta na inaptidão de adaptação do sujeito ao meio escolar.

Um importante documento que trata do Ser humano em termos de funcionamento/adaptação em relação ao meio é o ICF (International Classification of Fuctioning, Disability and Health, WHO, 2001), criado pela Organização Mundial da Saúde - OMS.

Interpretando este documento, podemos dizer que não existe uma (in)adaptação absoluta do Homem em relação ao seu meio, isto é, o Homem pode comportar-se com desenvoltura ou encontrar-se em dificuldades, em função da interacção que existe entre a sua dotação biológica, a sua história pessoal e as condições que o mundo apresenta em determinado momento.

Imagine a seguinte situação: você fala fluentemente português, está inscrito num curso universitário. Por alguma razão tem de mudar-se para um país cuja língua de ensino desconhece por completo. Você é colocado na aula de biologia da 7ª Classe. Como é que acha que se sairia? E como é que você acha que se sairia se a mesma aula fosse dada na língua portuguesa? Seguramente melhor, não acha?

Pedagogicamente falando, um estudante universitário que tenha sido educado unicamente em Português (e, portando, apto para um sistema educativo cuja língua seja a portuguesa) pode encontrar-se desajustado quando convidado para expressar-se em torno de conceitos/ideias elementares com recurso a uma língua que lhe é estranha, o Francês, por exemplo.

Estamos a afirmar, simplesmente, que no cenário descrito acima, o estudante não “funciona (pedagogicamente) bem” e carece de uma atenção educativa especial.

Podemos dizer o mesmo em relação a uma criança que, sendo surda e incapaz de fazer uma leitura labial, encontre dificuldades para acompanhar o que a professora explica na primeira aula da primeira classe e, por isso mesmo, precisa de uma atenção educativa especial.

Por tudo quanto dissemos ao longo do percurso, podemos pensar que a ideia de necessidades educativas especiais parece ser mais funcional para descrever as nossas turmas do que classificações muito limitadas quanto a deficiência ou dificuldades específicas de aprendizagem, porque abrange qualquer sujeito que em determinado momento da vida precise de ajuda para se adaptar ao mundo da escola (um adulto que sofreu um acidente e tornou-se cego, um cego congénito que aproxima-se pela primeira vez à escola, um toxicodependente em reabilitação e que tenha perdido inteiramente as capacidades mnemónicas, etc.).

2.2. Deficiência

Segundo Organização Mundial de Saúde, deficiência é o substantivo atribuído a toda a perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatómica. Refere-se, portanto, à biologia do Ser humano. Entretanto, esta concepção tem vindo a mudar, assistindo-se à passagem de um modelo médico para um modelo social. Assim, pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interacção com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efectiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas (OMS, 2011).

Excursos 1. A lição de Lev Vygotskij sobre a deficiência

Para o psicólogo russo Lev Semënovič Vygotskij (1896 – 1934), o problema da deficiência deve ser colocado e compreendido como problema social primário e fundamental (Pesci & Pesci, 2005: 152). Isto significa que a deficiência não é apenas um dado físico/biológico. Por exemplo, o Vygotskij distingue dois tipos de deficiência – primária e secundária. A deficiência primária é biológica (lesões orgânicas, cerebrais, malformações, alterações cromossómicas, etc.) e a secundária é social. O conceito de deficiência social diz respeito ao desenvolvimento do sujeito que apresenta traços da deficiência primária/física, em função das interacções sociais). O autor acreditava firmemente que a forma como o sujeito que apresenta uma deficiência física desenvolve-se estava fortemente relacionada com o modo onde vive e com as interacções sociais com as quais está envolvido.

Levando ao extremo as suas ideias, Vygotskij dizia que não era importante saber qual doença/defeito a pessoa tinha, mas que pessoa tinha tal doença/defeito. Em termos mais simples, conhecemos pessoas invisuais que, devido ao facto de ter frequentado uma escola, podem mover-se livremente pela sua cidade, bastando-lhe o uso da bengala branca. Entretanto, há casos de pessoas invisuais que não podem locomover-se livremente em sua própria casa. O que diferencia estas pessoas? Se ambas são invisuais, então, não pode ser a deficiência.

Partindo de análises deste género Vygotskij chegou ao conceito de compensação social. Em um dos seus livros, o psicólogo escrevia:

“A educação das crianças com diferentes defeitos deve basear-se no facto de que simultaneamente com o defeito estão dadas também as tendências psicológicas de uma direcção oposta; estão dadas as possibilidades de compensação para vencer o defeito e de que precisamente essas possibilidades se apresentam em primeiro plano no desenvolvimento de crianças e devem ser incluídas no processo educativo como sua força motriz” (Vygotski, 1995, Apud Garcia, 1999: 46).

Assim, embora os vários tipos de deficiências sejam relacionadas também com circunstâncias biológicas, a educação deve estar voltada para suas consequências sociais. Então, a deficiência deve ser compreendida como um condicionamento biológico-social, o que significa que os dados sociais que a pessoa com deficiência física encontra podem contribuir para minimizá-la ou agudiza-la (um surdo instruído parecerá mais inteligente do que aquele que não teve a oportunidade de escolarizar-se, por exemplo).

Em síntese, a educação não deve orientar-se para a deficiência (pedagogia terapêutica) ou invalidez como princípio. Esta é apenas um dado de partida que deve ser contornado com o apoio da sociedade (escolarização e participação social).

2.3. Disabilidade/Desability

Quem lê artigos ou os relatórios mundiais sobre a deficiência publicados pela OMS em Inglês, com certeza já deparou-se com a expressão disability. Se já deparou-se com ela, certamente encontrou algumas dificuldades para encontrar um termo equivalente em português. O que seria, então a disability? Tem alguma ideia?

O termo desabilidade/disability representa a consequência de uma deficiência que pode ser física, cognitiva, mental, sensorial, emocional, desenvolvimental, ou de uma combinação destas. Ela pode ser congénita ou adquirida ao longo da vida.

Assim entendida, a desabilidade é um termo “umbrella” que diz respeito a deficiências, limitações nas actividades, na participação social e demais restrições. Uma limitação na actividade é uma dificuldade encontrada por um sujeito no desenvolvimento de actividades do dia-a-dia. A desabilidade revela-se, assim, como um fenómeno – falta de habilidade – complexo resultante das interacções entre elementos da estrutura corporal do sujeito e elementos da sociedade em que o sujeito vive.

Bibliografia

COLL, César, MARCHESI, Álvaro, PALACIOS, Jesús (2007). Desenvolvimento psicológico e educação: transtornos do desenvolvimento e necessidades educativas especiais. 2. ed. Porto Alegre: Artmed.

CORREIA, Luís de Miranda (2008). Inclusão e necessidades educativas especiais. Um guia para educadores e professores. 2ª ed., Porto Editora: Porto.

IANES, Dario (2005). Bisogni educativi speciali e inclusione. Valutare le reali necessità e attivare tutte le risorse, Erickson: Trento.

GARCIA, R. M. Cardoso (1999). A Educação de Sujeitos Considerados Portadores de Deficiência: contribuições Vygotskianas. In Ponto e Vista. v. 1, n. 1 Julho/Dezembro de 1999, pp. 42-46.

PESCI, Guido, PESCI, Simone (2005). Le radici della pedagogia speciale. Armando Editore: Roma.

SANCHES, Isabel, TEODORO, António (2006). Da integração à Inclusão escolar: cruzando perspectivas e conceitos, in Revista Lusófona de Educação, n° 8, p. 63-83.

WHO (2001). International Classification of Fuctioning, disability and Health: ICF, WHO Library Cataloguing-in-Publication Data: Genebra.

WHO (2011). World report on disability 2011, WHO, S/d.

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