O Comércio do Marfim

O Comércio do Marfim

A rebelião de Changamire Dombo de 1693, fez com que muitos portugueses fugissem para Tete, Sena e Quelimane e, mais tarde, com que o sistema de prazos fosse estendido para o norte do Zambeze. Por outro lado este levante levou à diminuição da comercialização do ouro, passando a ser o marfim o produto mais procurado.

A Rebelião de 1693 e o Seu Impacto

A Importância do Marfim

Tal como o ouro para a classe dominante chona, o marfim representava para os phiri uma das suas principais fontes de reprodução e também garantia de lealdade política a uma corte numerosa, pois com este obtinham-se panos, missangas, objectos de porcelana, etc., que circulavam nos marave como bens de prestígio. A importância do marfim explica, em parte, o ambiente de rivalidades entre os estados marave.

Um dos conflitos ligados ao comércio do marfim eclodiu quando os portugueses bloquearam o acesso aos phiri dos produtos trazidos pelos mercadores swahili e árabe a partir de Angoxe.

Por outro lado os Caronga e Lundu estavam em frequentes rivalidades pela obtenção de bens de prestígios que garantiam a lealdade política, devido ao bloqueio imposto pelos Lundu às mercadorias destinadas aos Caronga, aproveitando a sua situação estratégica no Chire. A situação era mais ou menos idêntica a que permitia ao Inhamunda do Quiteve e de Sedanda interceptar mercadores saídos de Sofala para o Mwenemutapa e para o changamire nos anos 1505-1530.

O bloqueio Lundu ao comércio Caronga levou a uma intervenção militar conjunta dos portugueses e dos caronga contra os Lundu. Como resultado desta ofensiva teve lugar a chamada expansão Zimba ou expansão Nyanja que foi um extenso movimento migratório Lundu rumo a leste e nordeste causado aparentemente pelas razões acima indicadas (bloqueio mercantilmilitar português e conflitos inter dinásticos).

A Expansão Nyanja

No âmbito da expansão nyanja, os guerreiros Nyanja de Lundu expandiram-se pelo território Lómuè chegaram a Angoxe, passaram pela Macuana e continuaram para o norte, passando por Quénia. A expansão, acompanhada por actos de destruição, punha em causa o interesse mercantil português no vale do Zambeze, Quelimane e Ilha de Moçambique.

O impacto da expansão:

  • A existência de chefes que se dizem descendentes dos Ma-rundu em Pemba, Matibane e Angoxe;
  • A designação Maganja da Costa que sugere ligações com os maganjas, um sub grupo nyanjas;
  • Existência de marcas do culto M'bona, na Maganja da Costa;
  • Abertura de uma rota comercial (Chire-mussiril) favorável em especial aos Lundu que instalaram um chefe Phiri como dirigente de alguns pequenos reinos para melhor controlo da rota.

Em 1622, uma aliança militar entre os portugueses e os Caronga levou à derrota dos Lundo, passando os Phiri Caronga a controlar a rota Chiremussuril.

Esta aliança deu aos portugueses mais facilidades de manobra política no vale do Zambeze, embora a sua influência não fosse tão ampla e corrosiva como no caso do Mwenemutapa. Entretanto, em 1632 os portugueses enfrentaram uma sublevação militar em Quelimane conduzida pelo chefe cheua, Muzura e por Caprazine que fora deposto nos mwenemutapa. Esta revolta foi sufocada graças a uma expedição militar proveniente da Ilha de Moçambique.

Desde a sua fixação em Moçambique os portugueses tinham como fontes de rendimentos a cobrança de taxas aduaneiras em Quelimane e Ilha de Moçambique e o comércio. O surgimento dos prazos foi devido simplesmente a acção de mercadores particulares, mas Portugal procura transformá-los em feudos, obrigando os prazos a pagarem foros, o que dificilmente podia surtir efeitos positivos.

Esta tentativa fracassou por um lado devido a fraca capacidade administrativa-militar portuguesa, e, por outro lado, por serem os prazeiros que impunham a lei no vale do Zambeze, que aliás tinham conquistado por conta e risco próprios, sem qualquer apoio da coroa portuguesa.

Deste modo a coroa portuguesa restava como fonte de rendimento a cobrança de taxas alfandegárias na Ilha de Moçambique, Ibo, Quelimane, Sofala, Inhambane e Lourenço Marques.

Enquanto os prazeiros viviam no vale do Zambeze, a Coroa portuguesa vivia nas alfândegas.

A maior parte da riqueza acumulada, era transportada para a Índia (Goa, Diu, etc), onde se formara uma elite colonial, ou para Lisboa nos baús dos nobres para ser investida em bens de raiz (terras, prataria, conchas, etc); o que chegava a Portugal, destinado à coroa, saía logo a seguir para outros países como pagamentos dos cereais importados.

A Penetração do Capital Mercantil Indiano

Se o grosso da riqueza acumulada em Moçambique ia para Goa, é porque era através de Goa que a Coroa portuguesa administrava Moçambique. O capitão-general de Moçambique que, as vezes, servia como Governador, não se subordinava directamente ao Rei português, mas sim através do Vice-Rei português em Goa.

Este vínculo entre Moçambique e Índia levou a que, a partir do século XVII, começassem a chegar a Moçambique mercadores indianos tornando-se este país na verdadeira metrópole mercantil de Moçambique.

Em 1686 foi formada a companhia dos Mazanes pelo vice-rei de Portugal em Goa, da qual faziam parte mercadores indianos ricos, armadores. Esta companhia obteve monopólio do comércio Moçambicano e privilégios comerciais em fretes, ajuda oficial Portuguesa e apoio logístico.

A formação dessa companhia beneficiava a nobreza Portuguesa na Índia, e não a estabelecida em Portugal, o que ilustra bem as contradições que haviam entre os dirigentes portugueses. Terão sido essas contradições que estiveram na origem da separação de Moçambique de Goa em 1752.

Quase todo o tipo de comércio a retalho e a grosso era feito pelos indianos a partir do Interland da ilha de Moçambique, Mussuril e nas duas Cabaceiras. Os indianos de menor posse, via de regra, se estabeleciam como relojoeiros, mecânicos, etc.

As Modalidades de Comércio

O comércio de marfim, envolvendo os makua e os mercadores estrangeiros, fazia-se de duas formas que por vezes se complementavam:

• Tráfico regular com os makua dos reinos vizinhos e, por vezes, com mercadores Yao, do Lago Niassa, que levavam marfim, tabaco e azagaias para trocar nos armazéns dos portugueses, por tecidos e missangas. Para estas trocas os portugueses usavam tecidos fornecidos a crédito pelos comerciantes indianos;

• Envio, ao sertão, dos patamares (mercadores africanos). Este sistema era, em geral usado pelos mercadores indianos.

As Disputas Entre os Mercadores Portugueses e Indianos

O comércio do marfim, especialmente a primeira modalidade, levou os mercadores portugueses, sem capital e dependentes do fornecimento de tecidos nas lojas dos indianos, (superiores aos portugueses tanto em termos de capital- dinheiro como na “arte” de fazr negócio), a endividarem-se progressivamente e, por via disso os indianos apropriaram – se gradualmente das propriedades dos portugueses que tinham sido colocadas sob hipoteca. Instalou-se, então um ambiente de rivalidade entre os dois grupos de mercadores, com os portugueses a pretenderam a expulsão dos concorrentes indianos. Os termos pejorativos – Baneanes e outros – com que os portugueses passaram a referir-se aos indianos atestam bem essa rivalidade.

Como Sobreviveram os Indianos à Ira dos Portugueses?

Leia o texto

Chegou José Vasconcelos de Almeida, entraram logo os Baneanes, a despender de mão larga, deram ouro, patacas, e receberam o domínio e a posse de toda a casa daquele governador, onde entravam com preferência a todas as mais pessoas até ao mais oculto gabinete, cuja entrada lhes era tão franca a toda a hora(...).

De facto os indianos conseguiram quase sempre “aliar-se” aos governantes portugueses para se defender dos ataques dos mercadores portugueses. Embora em algumas ocasiões aparecessem governantes interessados em defender os interesses dos portugueses, em geral, os indianos conseguiram sobreviver às pressões dos seus concorrentes.

As Guerras do Marfim

As disputas pelo controlo do comércio do marfim não se deram apenas entre os mercadores estrangeiros. Também ocorrerram entre os reinos africanos envolvidos nesse comércio e entre esses reinos e os portugueses. Vejamos, então quais foram os principais episódios dessas “guerras do marfim”.

Se até finais do século XVII, altura em que declinou a rota Chire Mussoril, os mercadores phiri dominavam o comércio do marfim, a partir desse tempo os reinos Makua e os mercadores Yao emergiram como novos parceiros dos portugueses e indianos.

A Makuana compreendia três territórios localizados entre Memba e Angoxe: Uticolo, Cambira e Uocela, que faziam parte de pequenos reinos chefiados por Morimuno, Mauruça, Mocutuamuno, Movamuno e Inhamacoma (um aliado dos portugueses). Desses reinos os mais poderosos eram os de Mauruça e Morimuno.

No início do século XVIII registaram-se alguns conflitos entre estes reinos Makua e os portugueses devido ao bloqueio movido pelos Makua ao trânsito dos Yao pelo seu território em direcção a costa para comerciar com os portugueses.

Reagindo às constantes interferências de Morimuno no trânsito das caravanas Yao, em 1753, os portugueses atacaram o reino de Morimuno entretanto sem lograr sucesso.

Entre 1756 e 1758 Murimuno, em colaboração com Mauruça, volta a bloquear o trânsito Yao e não tendo conseguido sucesso militar ou comercial, os portugueses assinaram com os chefes Makua um acordo em 1783, segundo o qual “ (...) serão obrigados a dar passagem livre pelas terras dos seus domínios aos cafres Mujao (Yao), ou de outra qualquer nação que viessem comerciar com os portugueses”.

Nota de realce nas guerras do marfim é o envolvimento dos Reinos Afro-Islâmicos da Costa (especialmente Quitangonha e Sancul), em regra ao lado dos portugueses. Aqui a questão que pode ser colocada é: porquê desse envolvimento?

Sendo os estados envolvidos no tráfico de escravos, os reinos afroislâmicos, eles viam nas guerras contra os Makua a possibilidade de captura de escravos, mas também uma oportunidade para eliminar um concorrente.

O comércio Yao na costa terá iniciado com os ferreiros a-chisi, tendo a procura de tecidos levado ao aumento de produtos envolvidos no comércio, começando a entrar com o marfim no mercado internacional através da Ilha de Moçambique.

O marfim vendido na ilha de Moçambique, era na sua maior parte, canalizado para Índia onde era utilizado no fabrico de ornamentos para as cerimónias nupciais hindu. A parte, menor, que chegava a Europa era utilizada no fabrico de bolas de bilhar.

O Comércio de Marfim na Baía de Maputo

A Baía de Maputo (antes Lourenço Marques) encontra-se, de acordo com documentos disponíveis, envolvida no comércio de marfim desde o século XVI, tendo conhecido duas fases:

1ª Fase – 1550 /1759: comércio irregular e de fraco volume envolvendo tecidos indianos, marfim, pontas de rinoceronte e dentes de cavalo-marinho. Nesta altura estavam envolvidos do lado europeu os portugueses, os ingleses e holandeses e do lado dos africanos as ilhas de Inhaca e Xefina e os reinos Tembe e Matola, que, desse modo, se tornaram os reinos mais prósperos da região;

2ª Fase – 1750/1800: chegada de mais mercadores ingleses e holandeses, incrementando o comércio do marfim com a Europa e a Índia. Nesta fase, o comércio era feito de barco e de canoa indo pelos rios Maputo e Incomáti, para fazer comércio com os reinos do interior. Os reinos interiores, Maputo, Cossa e Nwamba, tornam-se, então, mais prósperos do que os da costa.

Referências bibliográficas

MINEDH. Módulo 6 de História: Os estados em Moçambique e a Penetração Mercantil Estrangeira. Instituto De Educação Aberta e à Distância (IEDA), Moçambique, s/d.

Comentários