As Novas Unidades Políticas: Os Estados Militares do Vale do Zambeze e Os Estados Ajaua (Yao)

As Novas Unidades Políticas

Os Estados Militares do Vale do Zambeze

Os Estados militares do zambeze surgiram, como a própria designação sugere, no Vale do Zambeze quando da desagregação do sistema de prazos e das chefaturas dominantes na região, na primeira metade do século XIX.

Com a queda daquelas unidades políticas criou-se um vazio de poder. A criação dos estados militares entre o oceano Índico e o Zumbo veio fechar o lugar deixado pelos prazeiros e chefaturas. Os estados militares eram maiores, melhor estruturados e armados dos que as uniddes políticas antecedentes.

Factores de Formação

Como dissemos anteriormente, a formação destes estados foi ditada pela queda dos prazos e de outras unidades políticas existentes no vale do Zambeze.

A queda dos prazos foi entre outras razões motivada por três factores principais que são igualmente os de formação dos estados ora em estudo, que aliás apareceram fechando o vazio deixados por aqueles:

_ O tráfico de escravos no vale do Zambeze que leva os prazeiros, após exportar os camponeses a iniciar a venda dos a-chicunda seu braço armado. Esta prática levou ao abandono dos prazos pelos achicunda enfraquecendo militarmente estas unidades políticas.

_ Os ataques dos exércitos dos mwenemutapa aos prazos entre 1820 e 1835, que provocaram o abandono dos mesmos tanto pelos prazeiros como pelos a-chicunda;

_ Os ataques de grupos nguni aos prazos, chefaturas e feiras espalhadas pelo vale do Zambeze entre 1830 e 1844. Numa altura em que os prazos se encontravam militarmente enfraquecidos, os ataques nguni constituíram o golpe final aos prazos.

A queda dos prazos, pelas razões acima, foi acompanhada pela eclosão de dinastias de senhores de escravos que ocuparam as antigas áreas dos prazos e reagruparam milhares de a-chicunda a troco de tecidos, bebidas e armas de fogo. Por outro lado o governo português receando perder a sua influência no vale do Zambeze, devido a presença nguni resolveu conceder patentes administrativomilitares a alguns dos novos reis fazendo-os defender o vale do Zambeze contra os nguni.

Deste processo surgiram oito novos estados no vale do Zambeze, nomeadamente Macanga, o primeiro a surgir, Massangano, Kanyemba, Carizamimba, Macololo, Massingire, Gorongosa e Matakenya, todos eles com capacidade militar para limitar a penetração do Estado português.

Todos, em conjunto, controlavam a maior parte do vale Zambeze, controlavam os principais recursos naturais e mantinham cercadas todas as bases militares portuguesas situadas no interior.

À excepção do estado dos Makololo formado por carregadores sothu trazidos por Livingstone em 1856, todos os outros foram constituídos por comerciantes afro-goeses.

A segurança destes estados era assegurada pelo uso de armas de fogo e pela construção de fortificações defensivas chamadas aringas. Estas eram guarnecidas pelos a-chicunda, que passaram a constituir a principal força a pós a queda dos prazos.

A organização social dos estados militares era muito similar a dos antigos prazos, embora mais complexa. Na base encontravam-se os camponeses das mushas forçados ao pagamento do mussoco (uma renda em géneros) e que constituíam reservatório de escravos. Estavam sob controlo directo dos antigos mambos e fumos vigiados por chuangas, uma espécie de inspectores.

Dessa estrutura constavam ainda os a-chicunda constituídos pelos antigos guerreiros fugidos dos prazos e por outros recrutados em formações políticas vizinhas. Suas responsabilidades eram, em geral, idênticas as que tinham nos prazos. Estavam organizados em regimentos chamados butaka cada uma governada por um cazembe ou mukazambo. A butaka estava dividida em pelotões conhecidos por ensaka.

Entre as principais tarefas dos a-chicunda constam as de proteger as fronteiras contra ameaças externas e reprimir revoltas internas e ainda desencadear operações de captura de escravos e pilhagem dos territórios vizinhos.

Um dos principais suportes do poder dos estados militares foi a africanização das classes dominantes visando diluir a distinção entre intrusos e súbditos locais, o que permitiu por vezes aumentar a legitimidade da classe governante. Paralelamente realizavam casamentos com mulheres das famílias reais locais procurando igualmente alterar o estatuto de estrangeiro e tornar assim legítima a sua governação.

Até finais da década 80 o estado português não conseguiu impor-se na região como potência colonizadora, pelo que assistia desesperadamente, e incapaz de agir, a aproximação dos ingleses e nguni bem como o prosseguimento do tráfico de escravos (após a abolição em 1836-42) e da resistência das chefaturas locais. Neste quadro, para Portugal os estados militares deviam constituir o garante da defesa e expansão territorial dos territórios portugueses.

Dada a circunstância de os interesses e as ambições das aristocracias dos estados militares só muito raramente coincidirem com os desejos de Lisboa, podemos situar em quatro níveis as relações entre Portugal e os estados militares:

Aliança de conveniência: para pagamento do grande fornecimento de armas de fogo, os chefes dos estados militares concordavam em reconhecer a soberania abstracta de Portugal desde que os seus funcionários não pusessem em causa a sua autonomia;

Dividir para reinar: Lisboa podia estar simultaneamente a fornecer armas a um estado, a prosseguir uma política de dividir para reinar, a tentar cooptar chefes militantes e a envolver-se em confrontações em larga escala. A relativa impotência de Portugal ditava este procedimento tão ecléctico (diversificado);

Amigáveis: Lisboa concordou em garantir-lhes títulos legais de posse para as terras que conquistassem, isenção da maioria dos impostos e obrigações que os outros proprietários tinham que satisfazer, e pagamentos em dinheiro. Receberam igualmente títulos prestigiosos que os colocavam acima da maioria dos funcionários coloniais;

Confrontação militar e ocupação: durante dezasseis anos, com início em 1886 Portugal atacou e conquistou um estado militar de cada vez.

Começou por Massangano porque controlava o acesso a Tete e tinha inflingido pesadas derrotas aos portugueses.

Os Estados Ajaua (Yao)

O território Ajaua, está integrado na província de Niassa, sendo limitado a oeste pelo Malawi, cuja fronteira é definida pela linha convencional que divide as águas do Lago Niassa. A norte está limitado com a Tanzania através do rio Rovuma e a sul e leste, pelo rio Lugenda.

Até cerca do século XVIII os ajaua viviam em pequenas comunidades matrilineares designadas mbumba. Estas comunidades eram constituídas por um grupo de irmãs casadas mais suas filhas casadas e filhos solteiros encabeçadas por um ansyene mbumba- o chefe da linhagem, irmão mais velho do grupo de irmãs. Dentro da comunidade as relações tinham como base o parentesco. Neste contexto, só o parente é que adquiria o direito de uso e aproveitamento da terra.

A economia dos ajaua assentava na agricultura (milho miúdo, feijão, sorgo, etc.), caça e pesca. Sendo a agricultura uma actividades eminentemente feminina e a caça e pesca actividades masculinas por excelência.

Os ajaua conheciam e praticavam igualmente o trabalho de ferro, fabricando objectos de adorno, instrumentos de trabalho, utensílios domésticos, armas, etc.

Outra actividade desenvolvida pelas sociedades ajaua era o comércio.

Consta que entre os séc.XVI e XIX, os Ajauas estabeleceram contactos com Quiloa e Zanzibar, com o Ibo e a Ilha de Moçambique, com a margem ocidental do Lago Niassa, Zumbo e Cazembe, na Zâmbia. Nas viagens à costa do Indico, os Ajaua trocavam tabaco, artefactos de ferro, peles e marfim por sal, tecidos missangas.

Uma parte destas mercadorias era utilizada para adquirir gado nas terras a sul do Lago Niassa. Mas essencialmente as mercadorias serviam para consolidar o poder dos chefes dentro das linhagens, usando-as como bens de prestígio, os chefes distribuíam - nos por novos aderentes das linhagens. O chefe organizava o comércio a longa distância, realizava as cerimónias propiciatórias dos antepassados e entregava os amuletos, indispensáveis ao sucesso das jornadas, aos mercadores.

Era ainda o chefe que acumulava as riquezas, controlava e distribuía os produtos vindos da costa.O que facilitava a criação de novas alianças e a angariação de novos clientes. Pelo que o poder político de um chefe ajaua media-se pelo número de pessoas que controlava.

O comércio de marfim no século XVIII e de escravos no século XIX provocaram alterações importantes nas sociedades ajaua. Se no princípio a caça visava apenas a subsistência e não permitia relações de produção duráveis, o comércio do marfim a partir do século XVIII conduziu ao aparecimento de grandes chefes de caçadores cujo poder ultrapassou os níveis de parentesco.

O marfim começava a funcionar como o ouro no território shona, sustentando o poder político e económico dos chefes.

Foi a tentativa de controlar cada vez melhor o comércio que levou à constituição dos estados centralizados. Com efeito esse interesse esteve na origem de um processo de conquista e submissão encetado por alguns chefes na época em causa. A principal estratégia para alcançar e manter a dominação foi, em geral, a poligamia, e não as acções militares. Quando o chefe tivesse espalhados pelo território pessoas a si ligados por laços de parentesco tinha maiores possibilidades de assegurar a lealdade dos súbditos.

Em meados do século XIX estavam já estabelecidos os estados ajaua das dinastias Mataca, Mtalika, Makanjila e Jalasi, que tinham no tráfico de escravos o principal suporte.

O tráfico de escravos foi excepcionalmente importante na consolidação da sociedade ajaua. De facto, se por um lado garantia o acesso de produtos importantes por outro, o comércio de escravos trouxe elementos novos na ordem política e social local.

A produção dos escravos na agricultura e dos homens no artesanato, fez com que o poder económico e político dos homens aumentasse e modificou o ordenamento habitacional do território Ajaua. Foi nessa época que surgiram as grandes aglomerações habitacionais onde viviam agrupadas as esposas dos chefes.

Com o desenvolvimento do comércio de escravos e com as transformações económicas, políticas e sociais ocorridas, os reinos transformaram-se em estados, o agrupamento das antigas comunidades em formações políticas de Estado deu lugar à formação de orgãos especializados que, sob aparência de defesa dos interesses comuns, tinham a função de controlar antagonismos sociais e de proteger os interesses das classes dominantes.

Os chefes territoriais deixaram de ser, apenas, os guardiães das pequenas unidades familiares, passando a comandar parentes e aliados, clientes e escravos. As fronteiras territoriais eram definidas pelo raio de acção militar e o poder fundava-se na força e no terror ideológico.

A introdução de armas de fogo e pólvora vendidos pelos mercedores para facilitar a captura de escravos contribuiu imenso para a gigantesca empresa de caça ao homem para afirmação do poder guerreiro e mercantil das dinastias Ajaua oitocentistas.

Existiam na sociedade ajaua três categorias de escravos: domésticos, esposas e para venda.

A utilização de escravos domésticos explica porque é que entre os ajaua a manutenção das classes dominantes não foi ssegurada pela cobrança de impostos.

As esposas-escravas introduziram valores patrilineares na sociedade, pois os filhos da escrava pertenciam ao pai (dono da escrava) e não à família da mãe.

Com a chegada dos Brancos, os ajauas foram pouco a pouco obrigados a abandonar esta actividade. Mas, a cada tentativa de repressão branca, mais violência e mortes cometiam e mais escravos tomavam nas vizinhanças.

O aparecimento de grandes chefes Ajaua só ocorreu no séc. XIX coincidindo com a progressiva intensificação do comércio esclavagista.

Organização Social Ajaua

Tomando como exemplo o estado de Mataka I, pode se dizer nos Estados ajaua havia uma organização estatal dispondo de juízes, de um ministro do comércio e de um comandante em chefe para aquisição de escravos.

Todo o poder estava concentrado nas mãos de dignatários da capital.

Não havia chefes subordinados no território e, aparentemente, nenhum tributo era cobrado dentro do estado. Localmente, fora de acção do poder central, as comunidades aldeãs mantinham a sua parte e estavam cheias de escravos. Quando os portugueses atacaram a capital do último soberano Mataka, a capital deste tinha milhares de casas e quase dois terços dos seus habitantes eram constituídos por homens escravos.

O poder dos chefes Ajauas foi derivado do monopólio exclusivo que mantinham de actividade comercial e das práticas predatórias e esclavagistas possibilitadas pelo emprego de armas de fogo.

O reforço do poder destes estados esteve também ligado ao exercício e controlo exclusivo das tarefas técnico administrativas e mágico-religiosas por um pequeno grupo de indivíduos que concentravam em si todo o poder.

De grande importância foram igualmente as cerimónias mágico-religiosas concorrendo a lealdade política daquelas sociedades, extremamente

Apega das a essas cerimónias. A estas juntou-se a islamização das classes dominantes ajaua consubstanciada na adopção de títulos de xeique.

Os Reinos afro-Islâmicos da Costa

Quando falamos da penetração mercantil árabe dissemos que uma das consequências daquele processo foi a formação de estados em Moçambique. Pois bem, entre os estados resultantes desse processo podese mencionar os reinos afro-islâmicos da costa, nomeadamente os Xeicados de Sangage, Sancul e Quitangonha e o Sultanato de Angoxe.

Estes reinos islamizados tornaram-se bastante importantes no litoral norte de Moçambique, especialmente quando o comércio de escravos sobrepôsse ao de marfim no século XIX. Depois da abolição oficial do tráfico de escravos estes reinos asseguraram a continuação clandestina do negócio, como se pode ver.

Sultanato de Angoxe

Foi fundado por refugiados de Quíloa estabelecidos em Quelimane e ilha de Moçambique, tendo como primeiro sultão Xosa, filho de Hassani.

Após a fixação dos portugueses em Sofala 1505 Angoxe ganhou importância para os swaili árabe que passaram a comerciar a partir desse porto. A partir de meados do século XVI Angoxe começou a decair, como ponto de escoamento de mercadorias, minado pela progressiva fixação dos portugueses no vale do Zambeze e pelas rivalidades internas.

Após a morte de Xosa, Angoxe ficou sob direcção de quatro linhagens nomeadamente Inhanandare, Inhamilala, Mbilinzi e Inhaitide, fundadas pelos descendentes de Xosa.

Primeiro foi a linhagem Inhanandare que depois de três gerações de reinado patrilinear perdeu o trono a favor dos Inhamilala que expulsaram os Inhanandare. As restantes linhagens partilharam entre si os principais cargos do reino.

Este ambiente de conflitos vivido na segunda metade do século XVI entre os principais grupos de Angoxe enfraqueceu politicamente o sultanato afectando o comércio e facilitando a dominação portuguesa.

Na altura do tráfico de escravos, especialmente no século XIX Angoxe recuperou a sua importância comercial. Durante este período o sultanato esteve em guerras constantes tentando ora a expansão, ora defender-se de invasões.

Xeicado Sancul

Foi constituído no século XVI por imigrantes da ilha de Moçambique.

Xeicado de Sangage – Era dependente de Angoche. Só estabeleceu a sua autonomia no século XIX na base de alianças com a administração portuguesa, dirigentes de Sancul e com os comerciantes baneanes da Ilha de Moçambique.

Xeicado de Quitangonha – Fundado por emigrantes da Ilha de

Moçambique, manteve a sua autonomia e resistiu a dominação portuguesa até princípios do século XX com base no tráfico de escravos, tal como Sancul

Estados Makua (EMAKHUWA) do Interior

Desenvolveram-se entre os séculos XVI e XIX principalmente no interior das províncias de Nampula, Cabo Delgado e Zambézia.

Alguns exemplos de Estados Makua:

  • Morimuno;
  • Sarima dos Namarrais;
  • Laponi do chefe Mwatuka.
Alguns Chefes Makua
  • Makua-Lómwè Muwa, do clã Mole;
  • Ossiwa de Alto Molócuè;
  • Mwatuka.

Referências bibliográficas

MINEDH. Módulo 6 de História: Os estados em Moçambique e a Penetração Mercantil Estrangeira. Instituto De Educação Aberta e à Distância (IEDA), Moçambique, s/d.

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