A Política Social em Moçambique

A Política Social em Moçambique

Uma das principais alterações resultantes da colonização em Moçambique operou-se a nível da estrutura e das relações sociais. Novas classes sociais surgiram correspondendo acompanhando a progressiva implantação da economia colonial. A discriminação racial tornou-se igualmente fenómeno corrente e, a par das injustiças salariais despoletou uma notável luta do proletariado urbano. Veja, pois, em pormenor a política social em Moçambique colonial.

A Política Social entre 1890 e 1930

A Estrutura Social

A colonização de Moçambique no período imperialista foi dinamizada pela burguesia europeia, nomeadamente, de Portugal, Inglaterra, França e outros países industrializados, que deve ser considerada, evidentemente, a classe dominante. O interesse ou motivação desta classe era uma exploração, mais directa do que anteriormente, dos recursos moçambicanos. Foi o campesinato que forneceu força de trabalho migratória e os produtos do novo processo de acumulação de capital nas plantações, transportes, minas e comércio rural. Esse mesmo campesinato que forneceu através dos impostos, uma grande parte do rendimento do governo e comprou grandes quantidades de produtos de indústrias portuguesas.

Podemos considerar a burguesia proveniente da Europa e o campesinato moçambicano as principais camadas na nova estrutura social. A continuação da resistência activa contra a ocupação colonial, as fugas maciças e a resistência contra o trabalho forçado expressam, no seu conjunto, a continuação do conflito entre essas duas camadas.

No entanto, na evolução da nova economia colonial, emergiram outras camadas secundárias, mas muito importantes na vida política, económica do país e nos conflitos que se desenvolveram nas cidades. Emergiu cedo, por exemplo, uma burguesia comercial local baseada, principalmente em Lourenço Marques, interessada no crescimento da importação e exportação de produtos de e para o campesinato e no trânsito de mercadorias de e para os países vizinhos. Os seus interesses estavam portanto, bastante ligados aos da burguesia na Europa e na África do Sul.

Mais tarde desenvolveu-se uma burguesia agrícola local, que integrava os colonos interessados na expulsão dos camponeses das melhores terras e a sua transformação em trabalhadores sazonais nas novas plantações e machambas. Os interesses deste grupo entravam em conflito com os da grande burguesia e do estado colonial, especialmente no sul do país, onde a burguesia mineira inglesa insistiu sempre em reservar a maior parte do trabalho africano para as minas sul-africanas.

Com o crescimento das cidades e a chegada de colonos à procura de trabalho, emergiram duas camadas sociais: uma de trabalhadores permanentes, qualificados e semi-qualificados, e outra de pequena burguesia. Devido a privilégio constitucional e legal proporcionado aos brancos pelo regime colonial, essas camadas logo se dividiram em negros e mestiços por um lado e brancos por outro. Os brancos e não brancos das duas camadas supracitadas estavam igualmente interessados na defesa dos seus lugares a ameaça de desemprego, em tempo de crise económica e, sempre que possível, no alargamento das suas regalias em tempo de expansão. Porém o referido privilégio constitucional assegurava que os benefícios recaíssem sempre para os brancos frequentemente em detrimento dos outros.

A Emergência do Proletariado Urbano

A análise da emergência do proletariado urbano moçambicano passa, necessariamente pelo conhecimento rigoroso das condições em que se fez a penetração e a fixação do imperialismo, do grau de desenvolvimento das forças produtivas em Moçambique, da própria natureza do capitalismo português (um capitalismo dependente) e a forma como este se inseriu no imperialismo.

Com a expansão imperialista dos países capitalistas foram criadas condições para implantação das relações capitalistas nos países sob dominação colonial Neste contexto, Moçambique foi colocado ao serviço das necessidades de acumulação do capital da burguesia dos centros imperialistas e da burguesia portuguesa.

O aspecto dominante foi a integração económica de Moçambique no complexo da África Austral, através da construção e desenvolvimento de portos e caminhos-de-ferro de Lourenço Marques e Beira, surgiram, em consequência, os primeiros aglomerados urbanos em Moçambique, para os quais começaram a convergir obrigatoriamente e, por vezes, mesmo voluntariamente, largas camadas de pessoas que constituíram os primeiros trabalhadores assalariados urbanos.

As obras de construção então iniciadas exigiram a utilização de grandes contingentes de mão-de-obra, recrutados em regime de trabalho obrigatório, particularmente na área situada a Sul do Save. O trabalho migratório para os centros urbanos surgiu, portanto paralelamente ao trabalho migratório para o exterior e para as plantações, embora em proporções muito reduzidas.

O crescimento urbano exigiu, por outro lado, mais trabalho assalariado para garantir a manutenção das diversas actividades surgidas e como resposta às exigências criadas pela fixação dos primeiros grupos de colonos portugueses, tais como obras públicas, turismo, remoção de lixo, trabalho doméstico, etc., deu origem ao surgimento de camadas semiproletarizadas urbanas.

Foi, entretanto, no porto e nos caminhos-de-ferro da então cidade de Lourenço Marques, cuja população, em 1912, ultrapassava os 26 mil habitantes e, em 1928, era cerca de 37300 pessoas, entre africanos e não africanos, que se estabeleceram as secções numericamente mais importantes do embrionário proletariado urbano, sendo o porto o principal empregador dessa mão-de-obra.

Desenvolveu-se assim uma camada proletarizada urbana, com um nível de instabilidade bastante acentuado, tratando-se geralmente de trabalhadores não qualificados e, em grande parte concentrados nas “compounds”, numa base étnica e regional, mas auferindo salários médios em geral superiores aos do campo. De notar que mesmo o trabalhador “chibalo” do porto ganhava o dobro do salário do trabalhador “chibalo” da agricultura.

Parece, pois, pouco provável que este tipo de trabalhador fosse cada vez mais dependente do seu salário para manter a si bem como a sua família.

Este proletariado em formação sofreu um processo de atração em relação aos centros urbanos emergentes, na mira de conseguir melhores salários, de adquirir dinheiro para pagar o imposto ou o lobolo ou, mesmo, procurando novas profissões. Ainda que numericamente reduzido, foi, no entanto, a partir da sua chegada e integração que começou a sofrer um processo de transformação, que passaria pela tomada de consciência da exploração e isolamento a que estava submetido.

Era contudo um proletariado que tinha as suas particularidades e uma natureza específica. A qualquer trabalhador assalariado, factores diversos o impediam, regra geral, de cortar radicalmente os seus vínculos com a terra de origem e, portanto, de atingiram um grau desproletarização completo, ao contrário do que aconteceu na Europa do século XIX, durante o processo de proletarização dos camponeses, quando o capitalismo industrial se introduziu na forma de produção pré-capitalista.

Foi, por isso, um processo de proletarização diferente do que aconteceu com a classe operária europeia porque não se deu uma separação total do meio de produção principal, terra.

A Luta do Proletariado Urbano

Durante este período foi bem manifesta a acção e a vitalidade do proletariado urbano mergente particularmente dos trabalhadores ferroportuários de Lourenço Marques (estivadores, trabalhadores do cais e ferroviários), pelo número de greves e de acções de protesto que desenvolveram.

A partir de 1900 assistimos à consolidação do poder colonial português no sul de Moçambique. E, também paralelamente, se reforçam os laços económicos com a África do Sul, garantindo, desse modo a continuidade do sistema recentemente estruturado de exploração da mão-de-obra migrante.

Foi assim que o estado colonial, em cooperação com as empresas capitalistas de navegação e expedição, nomeadamente a The Lagoa Bay Development Corporation Ltd (com sede em Londres) a Lourenço Marques ForwardingLingham Timber, entre outras, consolidou progressivamente o seu poder de recrutamento, controlo e exploração da força de trabalho para o porto e caminhos-de-ferro, com o apoio do poder militar, policial e judicial, tentando por todas as formas frear a independência e organização dos trabalhadores.

O governo tentou sempre impedir o pagamento de salários elevados. De qualquer forma, o nível dos salários no porto e caminhos-de-ferro e nalgumas empresas privadas, foi sempre de forma a atrair trabalhadores em número suficiente, tornando os empregos neste sector bastante competitivos em relação aos demais empregos da cidade.

Mas as injustiças salariais eram notáveis quer para os trabalhadores voluntários (não contratados), quer para os contratados, o que levou os trabalhadores a protestarem e organizar greves. E à medida que o porto e os caminhos-de-ferro de Lourenço Marques foram sendo controlados pelo Estado Colonial, o surto grevista foi aumentando e envolvendo mais grupos e sectores de trabalho, se bem que enfrentando uma maior e mais feroz repressão militar e policial. De notar que em geral até 1910/1911, as manifestações sob a forma de paralisações envolviam trabalhadores de uma ou outra empresa empregadora, como foi o caso dos voluntários jornaleiros da empresa Lingham Timber, em Maio de 1905 e da The Lagoa Bay em Março de 1906.

A questão salarial, o principal móbil do protesto dos trabalhadores, foi por outro lado, agudizada pela circulação em Moçambique de várias moedas e, em especial, pela presença e competição entre a libra inglesa e o escudo, entre as quais existiu, pelo menos até 1914, uma certa paridade.

Referências bibliográficas

MINEDH. Módulo 7 de História: O Colonialismo Português em Moçambique de 1890 a 1930. Instituto De Educação Aberta e à Distância (IEDA), Moçambique, s/d.

Comentários