O Sul (Moçambique) e o Trabalho Migratório
O Sul e o Trabalho Migratório
Introdução
Além
das companhias a presença e actuação do capital estrangeiro não português em
Moçambique também esteve representado pelo capital mineiro sul africano. Com
efeito desde finais do século XIX a economia do sul de Moçambique esteve
particularmente ligada a economia sul africana que aos poucos consolidava a sua
posição de epicentro da economia regional. Nesta lição propomos portanto uma
abordagem sobre as relações económicas entre Moçambique e África do sul.
A Economia do Sul de Moçambique Até 1870
Antes
da conquista colonial, os estados e as chefaturas do sul de Moçambique estavam
ligados ao capital asiático e europeu através de pequenos estabelecimentos
indianos e portugueses situados na costa e no interior. Os contactos que estabeleciam
com os mercadores assentavam essencialmente nas seguintes actividades:
_
Caça ao elefante: com o marfim podiam entrar mercado internacional que
assegurava o acesso aos bens que localmente ainda não eram produzidos (enxadas
de ferro, tecidos, missangas, armas defogo, etc.);
_
Produção de oleaginosas: a venda de amendoim, gergelim e milho ganhou uma
grande importância quando o comércio do marfim começou a declinar na década de
1870. O que antes era adquirido em troca do marfim passou a ser parcialmente
garantido pela comercialização das oleaginosas.
A
partir da segunda metade do século XIX, a economia do sul de Moçambique começou
a ser bastante influenciada pela expansão da economia capitalista que se
verificava nas colónias britânicas do Cabo e Natal e nas repúblicas boers do
Transval e Estado Livre do Orange (Orange Free State). A necessidade de fontes
de mão-de-obra abundante e barata para as minas e plantações sul-africanas,
combinada com as dificuldades económicas então experimentadas pelas formações
políticas do sul de Moçambique concorreu para a transformação das províncias do
sul de Moçambique, Maputo, Gaza e Inhambane, em reservas de mão-de-obra.
Deste
quadro resultou que a partir da segunda metade do século XIX estabeleceram-se
estreitas relações entre Moçambique e África do Sul assentes em duas vertentes
principais nomeadamente trabalho migratório e transportes.
Mão-de-Obra
A
emigração de moçambicanos do sul do save para os territórios vizinhos,
especialmente para os que hoje formam a república da África do Sul, teve início
nos meados do século XIX como resultado de imperativos económicos, políticos e
sociais internos e a expansão do capital mineiro sul-africano.
Assim
as plantações de cana-de-açúcar do Natal (1850) e a indústria mineira de
diamantes de Kimberley (1870) constituíram os principais polos de atracção da
força de trabalho moçambicana.
Antes
da imposição do domínio colonial português no sul de Moçambique (1897), a
emigração já era uma prática corrente, parcialmente estimulada por necessidades
que na altura só o dinheiro podia satisfazer, e controlada pelas aristocracias
locais. Desde então, a crescente monetarização da economia do sul de Moçambique
fez da emigração uma componente fundamental para a reprodução e equilíbrio material
de grande parte das famílias camponesas e das classes dominantes. A título de
exemplo, em 1879 havia cerca de 15 000 moçambicanos a trabalhar em diversos
pontos da África do Sul e, em 1897, cerca de 60 000 estavam nas minas de ouro
do Transval.
O
início das campanhas militares de ocupação colonial no Sul de Moçambique em
1895 inicia uma nova etapa nas relações entre Moçambique e África do Sul
(colónias britânicas e repúblicas boers). As vitórias conseguidas pelos colonizadores
nas batalhas de Marracuene, Coolela e Manjacaze, em 1895, concorreram
decisivamente para a rápida montagem das primeiras estruturas
político-administrativas coloniais. As autoridades coloniais portuguesas
encetaram contactos com as autoridades do Transval visando o controle e o
proveito da emigração para os campos auríferos de Witwatersrand descobertos em
1886.
A
necessidade imperiosa de um instrumento legal com força suficiente e reconhecido
pelos interessados levou o Governo português, em 1896, a negociar com as
autoridades de Pretória. Dos contactos resultou, em 1897, ano da eliminação do
último foco de resistência armada em Gaza, comandada por Maguiguane Cossa, na
promulgação, pelo então Comissário-Régio Mouzinho de Albuquerque, do primeiro
Regulamento para o Engajamento de indígenas na República Sul-Africana
(Transvaal).
O
regulamento durou pouco tempo porque no Transvaal a situação político-militar e
económica sofreu profundas transformações com a eclosão da Guerra anglo-boer
(1899-1902). A quase total paralisação da indústria mineira, principal
empregadora da mão-de-obra moçambicana resultou na repatriação de 80 000
trabalhadores, desequilibrando a área mais importante das relações económicas
entre Moçambique e o Transvaal.
O
Governo colonial português, depois de se certificar da vitória britânica, decidiu
suspender a execução do regulamento de 1897. Era seu objectivo condicionar a
assinatura de um novo acordo de fornecimento de mão-de-obra à garantia de
utilização do porto e caminho-de-ferro de Lourenço Marques para as exportações
e importações do Transvaal colonizado e de facilidades no intercâmbio
comercial.
A
partir do modus-vivendi de 1901, a questão da força de trabalho passou a estar
em interdependência com os sectores já referidos.
O
Governo português, aproveitando-se das limitações impostas pelo baixo nível de mecanização da produção na indústria mineira, foi capaz de utilizar, com algum
sucesso a mão-de-obra como trunfo nas negociações com as autoridades
sul-africanas.
No
início deste século, as pressões portuguesas produziram os resultados desejados
porque não contrariavam o ritmo acelerado de acumulação capitalista na
indústria mineira baseada na mais-valia absoluta resultante da gradual e
incessante redução dos salários dos trabalhadores negros.
Esta
prática apresentava-se, na altura, como única alternativa que o capitalismo
podia adoptar, porque o preço do ouro era fixo e o custo do equipamento,
virtualmente todo importado, estava fora do controlo das companhias mineiras. a
única via para influenciar a rentabilidade era situar os custos de mão-de-obra no mais baixo nível possível.
A
proclamação da União Sul-africana em 1910, integrando províncias possuidoras de
portos (Cabo e Natal) e o período da I Guerra Mundial caracterizado por uma
crise generalizada na vida económica e política sul-africana, colocaram Portugal
numa posição tão difícil que se viu obrigado a não poder continuar a impor a
inclusão das cláusulas sobre transporte e comércio para autorizar o
recrutamento de mão-de-obra.
Em
1923 depois de negociações difíceis, influenciadas habilmente pela Câmara das
Minas, foi assinado um acordo entre a Administração colonial de Moçambique e o
governo da União Sul-Africana, cobrindo apenas a área da força de trabalho. O
acordo, desvantajoso do ponto de vista dos interesses portugueses, foi possível
porque Portugal não tinha meios para pressionar o governo da União a adoptar
uma solução mais equilibrada.
A
tensão que caracterizava as relações entre Portugal e a União foi ultrapassada
com a assinatura da Convenção de 1928. Este acordo restabeleceu as três áreas
cobertas pela Convenção de 1909 e introduziu pela primeira vez o sistema de
pagamento diferido de parte dos salários dos trabalhadores moçambicanos.
Veja
os principais acordos sobre o trabalho assinados entre as autoridades coloniais
de Moçambique e a África do Sul.
Transportes
O
Transvaal, território sem saída para o mar, foi produto da expansão e conquista
promovidas por boers descontentes com a imposição da coexistência com os
ingleses, resultante da cedência do Cabo à Inglaterra, pelo governo holandês,
em 1814. O great Trek (1835-1840) foi a resposta que os boers encontraram para
se situarem longe da influência política e económica inglesa. O movimento
conduziu os boers para o norte do rio Vaal onde, vencidas as resistências
africanas locais estruturaram uma unidade política, o Transvaal.
Pelo
tratado de Sand River, negociado em 1852, a Inglaterra reconheceu a independência
do Transvaal, comprometendo-se a não alargar as suas fronteiras para além do
rio Vaal. O acordo não significou o fim das hostilidades entre os ingleses e os
boers. Elas reflectiam condições materiais e políticas estruturais: os boers,
pelo nível ainda baixo de desenvolvimento da sua economia lutavam pela
perpetuação da exploração da mão-de-obra serva e escrava, contrariando
abertamente a política anti-esclavagista que o desenvolvimento industrial
ditava ao governo inglês; a Inglaterra, dominando os portos do Cabo e Natal, alimentava
esperanças de condicionar a economia do Transvaal, controlando as suas
importações e exportações.
O
reconhecimento da independência do Transvaal facilitou, de certo modo, o
diálogo entre os governos boers e portugueses de Lourenço Marques. Muito cedo
as autoridades do Transvaal iniciaram os contactos visando a criação de
condições para a transformação da baia de Lourenço Marques numa via de ligação
do seu território com o mundo. Em 1852 convidaram Portugal para a assinatura de
um acordo sobre a delimitação da fronteira. Voltaram a insistir em 1864,
pedindo tal como um grande favor.
As
imperfeições da máquina administrativa colonial portuguesa e o facto de a sua
presença política no sul de Moçambique ser ainda insignificante, bloquearam a
possibilidade de uma resposta rápida.
O
governo do Transvaal decidiu, em 1868, acelerar e precipitar os acontecimentos,
proclamando através do seu presidente, Pretorius, as foronteiras do seu
território que incluíam a baia de Lourenço Marques.
Portugal
apanhado quase de surpresa, viu-se obrigado a negociar com o Transvaal o
tratado de amizade, comércio e fronteiras, em 1869, desfavorável para
Moçambique em muitos aspectos. As negociações pela parte portuguesa, haviam
sido conduzidas por Alfredo Duprat, Cônsul português no Cabo. Este homem de
estado, segundo os funcionários portugueses em Moçambique, por nada entender
sobre o nível de penetração dos interesses portugueses em Moçambique, facilitou
a expansão territorial do Transvaal em detrimento de áreas já consideradas sob
a influência da Coroa portuguesa.
Como
o tratado estava a levar muito tempo para ser ratificado pelo governo central
portuguêes, a impaciência conduziu a que em Maio de 1870 o governo do Transvaal
dirigiu uma nota ao governo português, estabelecendo um prazo fatal. Se o
tratado não fosse ratificado até 31 de Julho, ele se consideraria desobrigado.
Portugal ratificou o tratado, porque compreendera que uma política inspirada
nesta filosofia é evidente que se não podia utilmente combater com notas
diplomáticas fundadas no direito, mas sim com actos decisivos fundados na
energia.
Em
1872, o presidente Pretorius cedeu o seu lugar ao reverendo Thomas François
Burgers. Apesar da ligação, por terra, do porto de Lourenço Marques com o
Transvaal haver sido minimamente assegurada, com a conclusão da estrada de
Lydenburg, em 1874, uma das ideias fixas do novo presidente era o
caminho-de-ferro Pretória/Lourenço Marques.
A
abertura da estrada não era suficiente para libertar Lydenburg do porto de
Durban. A mosca tsé-tsé, em quase toda a região central dizimava os bois,
burros e cavalos que puxavam os carros de passageiros e de mercadorias.
O
presidente Burgers visitou a Europa para obter os financiamentos necessários
para o caminho-de-ferro em vista, e esteve em Lisboa, negociando novo tratado
com Portugal. Em 1875 foi alcançado com Portugal um acordo para a construção de
uma linha férrea que ligasse Transvaal com o mundo através de Lourenço Marques.
A sua execução não pôde ser imediata pois em 1877 a Inglaterra anexou o
Transvaal.
O
governo inglês, tentando continuar com a linha do governo de Burgers em relação
a Moçambique, negociou com Portugal, em 1879, "um tratado de amizade e
comércio pelo qual se estabelecia recíproca liberdade de comércio e navegação e
se assegurava a construção do caminho-de-ferro Lourenço Marques Pretória.
Aceitaram-se e confirmaram-se as cláusulas do tratado celebrado com o Transvaal
em 1875". A Inglaterra nada fez para a materialização destes compromissos,
ignorando absolutamente o acordo celebrado.
A
autonomia do Transvaal foi restituída em duas fases, entre 1881 e 188, e neste
último ano, como resultado da Convenção suplementar celebrada em Lisboa entre o
governo português e o do Transvaal. Portugal deu uma concessão a um grupo
português sob a condição de formar uma companhia a designar-se Caminho de Ferro
Lourenço Marques ao Transvaal, para a construção da secção moçambicana da linha
férrea. As dificuldades resultantes da falta dos financiamentos necessários em Lisboa,
explicaram a decisão do governo de autorizar a companhia a ceder os seus
direitos ao coronel Mac Murdo, um financeiro americano estabelecido em Londres,
que formou com um capital de 500 000 libras esterlinas a East African Railway
Company em 1885.
Em
1887 a linha férrea foi aberta numa extensão de 80km. O facto de faltarem cerca
9km para a sua conclusão, e de a companhia não se mostrar disposta a
concluí-los assim como a interpretação abusiva das cláusulas da concessão que
conferiam à companhia o direito de definir e fixar as tarifas de utilização da
linha, provocaram sérias preocupações ao governo português.
A
solução que o governo português encontrou depois de consultas e negociações
difíceis a rescisão do contrato em 1889. A decisão obrigou o estado a tomar sob
sua responsabilidade a conclusão da linha e a indemnizar os accionistas
britânicos e americanos com a avultada quantia de 15 000 000 francos,
sancionada pela arbitragem do governo suíço. Em 1894 a linha férrea foi ligada
ao caminho-de-ferro do Transvaal.
O
desenvolvimento da indústria mineira do ouro do Transvaal, apesar da concorrência
dos portos ingleses, garantia tráfego compensador para o porto e
caminho-de-ferro de Lourenço Marques.
O
conflito anglo-boer (1899-1902) marcou o início do período de dificuldades para
o complexo ferro-portuário de Lourenço Marques, concebido e construído quase
exclusivamente para servir os interesses do Transvaal. A perspectiva do
Transvaal colonizado por uma potência possuidora de portos, cuja prosperidade
dependia do tráfego de e para o Rand, suscitou no governo português a
necessidade da reformulação urgente da política em relação ao Rand, para não se
asfixiar em absoluto a vida económica da cidade de Lourenço Marques.
O
"modus-vivendi" de 1901, parcialmente mutilado pelo aditamento de 1904,
foi a solução mais equilibrada adoptada, obrigando a Inglaterra a utilizar o
porto de Lourenço Marques como condição para beneficiar de facilidades no
recrutamento de mão-de-obra, que escasseava nas explorações mineiras e
agrícolas do Transvaal.
Os
preparativos para a independência da União Sul-Africana, proclamada em 1910, incluíram, para os ingleses, a procura de um instrumento legal que garantisse,
no futuro, a defesa dos capitais investidos no Transvaal contra as indubitáveis
pressões que Cabo e Natal iriam promover contra Lourenço Marques. A Convenção
de 1909, negociada sem se tomar em conta os interesses do Cabo e Natal,
oficializou a zona de Competência, acordada em 1905, definiu entre 50 e 55% o
tráfego que devia passar pelo porto de Lourenço Marques.
A
proclamação da independência da União e a I Guerra Mundial (1914-1918) tornaram
favoráveis as condições para a não observância rigorosa das cláusulas
acordadas. Terminada a guerra, o Partido Sul-Africano, de Smuts,
internacionalmente favorecido pelo prestígio conquistado ao lado das forças
aliadas, vencedoras, e internamente corroído por praticar uma política laboral
que contrariava os interesses da classe operária branca, esboçava planos
expansionistas em relação ao Sul de Moçambique. O governo de Smuts exigia a
compra ou o aluguer do porto de Lourenço Marques, por um período não inferior a
99 anos. Smuts, nos inúmeros contactos com os negociadores portugueses,
sustentava, em relação ao porto, o seguinte: "A instabilidade da sua
administração, em que governadores mudam
constantemente, impede, apesar da sua boa vontade, que reconheço, que eu
possa fazer planos seguros de que poderei exportar por Lourenço Marques os meus
produtos; na situação presente não posso pôr a sorte do Transvaal... nas suas
mãos...".
A
recusa de Portugal em aceitar as propostas Sul-africanas, para além de ter
criado um clima de tensão, esclarece as razões que conduziram à assinatura, em
1923, de um acordo que excluiu as áreas de transportes e do comércio. Os
esperados reflexos negativos da não existência de cláusulas protegendo o
tráfego por Lourenço Marques, porque o Transvaal experimentava uma fase de
franco desenvolvimento, não se fizeram sentir. Pelo contrário, as percentagens
que a Convenção de 1909 fixava foram sempre alcançadas.
A
vitória do Partido Nacional de Hertzog, nas eleições de 1924, e o golpe militar
em 1926 em Portugal, contribuíram para a criação de um ambiente favorável para
o reinício das negociações. Em 1928 foi assinada uma Convenção restabelecendo
as cláusulas sobre o porto, caminhos-de-ferro e comércio.
Referências
bibliográficas
MINEDH. Módulo 7 de História: O Colonialismo Português em Moçambique de 1890 a 1930. Instituto De Educação Aberta e à Distância (IEDA), Moçambique, s/d.
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