A Guerra Fria e as tentativas de solução pacífica dos conflitos

A Guerra Fria e as tentativas de solução pacífica dos conflitos

As origens da Guerra Fria

Em Outubro de 1946, em Londres, ficou praticamente consumada a ruptura entre os principais beligerantes da aliança anti-alemã, dando-se inicio ao período da Guerra Fria, caracterizado pela luta implacável de influências entre os EUA e a URSS.

O mal-estar tinha-se instalado a partir da definição das zonas de influência na Alemanha, com os soviéticos a recusarem uma reunificação económica e a desmilitarização. O confronto viria a tornar-se irreversível quando os americanos condicionaram a atribuição de um empréstimo destinado à reconstrução soviética, à aceitação por parte dos dirigentes russos de uma política de abertura e a sua participação no Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e no Fundo Monetário Internacional (FMI).

A URSS reagiu de imediato, com o anúncio de um plano quinquenal. Ficariam, por isso, inconclusivas as conversações tendentes a controlar o desenvolvimento das armas nucleares, tendo os americanos apresentado um plano à ONU, em 14 de Junho de 1946, que pretendia proibir o fabrico daquelas armas, através da criação de uma Autoridade Internacional, única proprietária das matérias de fusão e das instalações nucleares, competente também para impor sanções aqueles que violassem a proibição de fabricar engenhos militares.

Inicialmente, a Guerra Fria teve como centro a revisão das fronteiras na Europa, como atestam os casos alemão e polaco. Mas a escalada dos conflitos passou do continente europeu para o resto do mundo, já que a II Guerra Mundial tinha provocado profundas alterações sociais e políticas, mesmo nos países que não tinham sido directamente ocupados pelos exércitos invasores. O Extremo Oriente foi o palco do confronto entre os dois grandes blocos políticos, apos Xiang Kai-Chek refugiar-se na ilha Formosa, em 1949. Foi neste ambiente que se deu a invasão da Coreia do Sul pelas tropas do Norte comunista, em 24 de Junho de 1950, divisão esta estabelecida entre a URSS e os EUA, em 1945. Esta acção foi entendida pelas autoridades norte-americanas como uma agressão ao mundo não-comunista e uma ameaça à sua própria segurança. Após as primeiras semanas de guerra, desastrosas para as tropas norte-americanas, estas viriam posteriormente a reconquistar a Coreia do Sul e, após uma decisão da ONU, avançaram até à fronteira chinesa. Ali, 33 divisões chinesas empurram as tropas americanas para sul do paralelo 38. Qualquer vitória americana passaria por um ataque directo contra a China, que mantinha então laços estreitos com a URSS, obrigando as autoridades americanas a recusarem tal alternativa.

A Guerra da Coreia teve profundas repercussões. Os EUA vêm-se obrigados a reforçar os seus dispositivos estratégicos, tornando-se o Japão o principal ponto de apoio norte-americano no Extremo Oriente. Na Europa, os signatários do Pacto de Bruxelas, englobando a França, a Grã-Bretanha, a Bélgica, a Holanda e o Luxemburgo, já tinham assinado um tratado de assistência mútua contra qualquer tentativa armada na Europa. Com o apoio dos EUA, estes imediatamente actuaram no sentido da constituição dum pacto militar visando a segurança europeia. O Pacto do Atlântico, assinado em 4 de Abril de 1949, reconhecia que qualquer ataque contra um dos seus membros seria considerado um ataque contra todos. Formou-se então um exército atlântico integrado, sob a protecção dos EUA, levando ao rearmamento da Alemanha. Mais tarde, em Maio de 1952, acabou por instituir-se a Comunidade Europeia de Defesa (CED). Os EUA procuravam, deste modo, preservar o potencial tecnológico e militar europeu, em risco de ser dominado pela ameaça soviética.

De qualquer modo, ainda que o perigo duma confrontação mundial fosse elevado, a assinatura dos armistícios coreano e vietnamita, e a assinatura do tratado de paz com a Áustria, abriram caminho para a Conferência de Genebra, realizada entre 18 e 23 de Julho de 1955, dando inicio a uma nova fase nas relações internacionais, denominada de coexistência pacifica.

A coexistência pacifica

A doutrina Eisenhower de represálias maciças (massive retaliations ou New Look), apresentada em 1954, assentava na superioridade da arma termonuclear. Esta superioridade foi posta em causa quando a URSS se dotou igualmente de armas do mesmo tipo. Este equilíbrio, particularmente instável, que obrigava a programas cada vez mais onerosos de pesquisas e equipamentos, juntamente com o rearmamento alemão permitiu aos norte-americanos explorar as possibilidades de uma «détente» (desanuviamento), tendo-se então realizado uma reunião em Genebra (23 de Julho de 1955); a primeira conferência de alto nível, após Potsdam. Apesar do impasse em que se saldaram as negociações, esta serviu para pôr a questão do desarmamento na ordem do dia.

Desde muito cedo, o governo americano tentou evitar o processo de proliferação de armas nucleares, tendo proposto em 1946 a internacionalização de actividades ligadas à exploração pacifica do átomo e a criação de mecanismos de controlo antes da paragem da produção dos armamentos. Neste período, a URSS, que não pretendia que o monopólio nuclear permanecesse apenas nas mãos dos EUA e que não poderia tolerar o controlo internacional, recusa a proposta. Com os progressos da era espacial e as possibilidades de detecção das instalações adversárias, avançou-se pela desnuclearização de certas partes do globo, como o Pólo Sul (Tratado sobre o Antárctico, 1959), América Latina (Tratado de Tlatelolco, 14 de Fevereiro de 1967), da Lua, dos corpos celestes, do espaço orbital (Junho de 1 967), do fundo dos oceanos e dos mares (1971 do Pacifico (Tratado de Rarotonga, 5 de Agosto de 1985).

Moçambique e o Mundo no período entre a confrontação e o desanuviamento Apesar do clima politico existente, estabeleceu-se uma coexistência entre os dois grandes países, tendo a URSS reatado relações com a República Federal Alemã em 1955, no caso da invasão de Budapeste e do canal do Suez, em 1956, onde os EUA se desobrigaram de fazer qualquer intervenção. Na verdade, a partir de 1956, o centro da guerra fria já não estava verdadeiramente na Europa, mas antes no Terceiro Mundo, onde adquiriu o aspecto de uma rivalidade mais económica do que militar.

No início da década de 60, rivalidade assumiu outras características, com a corrida espacial. O lançamento do Sputnik (Outubro de 1957), a que se seguiria o voo do soviético Yuri Gagarine (12 de Abril de 1961) levou os EUA a lançarem um ambicioso programa que, entre 1961 a Julho de 1969, consumiu 24 biliões de dólares.

Arsenais nucleares dos EUA e da URSS


Data
Estados Unidos
Número de bombas
Estados Unidos Vectores
URSS
Número de bombas

URSS Vectores
1950
400
Bombardeiros
10 a 20

1956
4000
Bombardeiros e SNLE*
900
Misseis SS-3 (1000 km) e 84 bombardeiros estratégicos
1962
27000, dos quais 3000 estratégicas
1600 bombardeiros
294 ICBM**
194 SLBM***
3 a 7000
25 Misseis SS-7 (5 000 km), dos quais 481 e 300 bombardeiros estratégicos

* SNLE — Submarinos Nucleares lançadores de engenhos; ** ICBM - Missil nuclear estratégico, de alcance intercontinental, superior a 5500 kms;
*** SLBM — Míssil intercontinental lançado por um submarino nuclear lançador de engenhos [Nouschi, Marc 1996:310].

A desestabilização de Moçambique pelo regime do apartheid no contexto da Guerra Fria

O período compreendido entre a revolução cubana de 1959 e os tratados de controlo de armamentos na década de 1970 caracterizou-se pelos esforços crescentes, tanto da URSS como dos EUA, para controlarem as suas esferas de influência.

A partir da Conferência de Bandung, em 1955, a política africana da URSS centrava-se em ganhar influência medida que as colónias africanas acediam à independência, no maior número de países possível. Assim se compreendem as relações estabelecidas com o Egipto, prestando auxílio e apoio político após a nacionalização do canal do Suez, em 1956, e concedendo ajuda financeira e técnica na construção da barragem de Assuão. Nos anos 60, a antiga República Democrática Alemã estabeleceu igualmente relações com alguns países africanos, como o Egipto e o Sudão. Ainda que o apoio do Bloco de Leste tivesse sido sempre insuficiente perante as solicitações dos países africanos, esta ajuda viria a reduzir-se ainda mais, após a assinatura dos acordos de limitação dos armamentos entre as duas grandes potências mundiais.

A descolonização portuguesa, ocorrida entre 1974 e 1975, veio alterar a correlação de forças na África Austral, acelerando o processo libertador na região, deslocando-se o foco de tensão da Guerra Fria do Sudoeste Asiático para a África que, até então, tinha estado relativamente à margem do conflito Leste/Oeste.

A decisão de Moçambique de aplicar integralmente as sanções decretadas pelas Organização das Nações Unidas ao regime de minoria branca de Ian Smith, na Rodésia do Sul, em Margo de 1976, levou a que este último país promovesse acções militares de desestabilização no território moçambicano e apoiasse a formação de um movimento anti-governamental, inicialmente conhecido por Mozambique Nacional Resistance (MNR) mais tarde designado por RENAMO (Resistência Nacional de Moçambique).

Na verdade, o apoio da FRELIMO aos guerrilheiros zimbabwianos vinha já da década de 70, quando esta permitiu o acesso da ZANU (União Nacional Africana do Zimbabwe), através das suas zonas libertadas, na província de Tete, ao leste do Zimbabwe. Assim, a continuação deste apoio, após a independência de Moçambique, era encarado como uma evolução inevitável deste processo libertador do continente.

NO entanto, esta decisão acarretava graves prejuízos para a economia do pais, extremamente dependente das receitas provenientes do tráfego ferroviário para os países vizinhos. Nesta decisão, Moçambique esperava ter o apoio internacional para enfrentar os custos da implementação das sanções, de acordo com as resoluções da ONU. Os quatros anos de sanções contra a Rodésia acarretaram custos na ordem de 500 milhões de dólares e, ao contrário do que se pensava, o apoio internacional foi meramente simbólico. Os ataques militares do exército rodesiano ao nosso pais, foram desde pequenos recontros fronteiriços até ataques em grande escala a bases da guerrilha do Zimbabwe e a campos de refugiados, bem como a infra-estruturas económicas moçambicanas, tendo provocado enormes destruições nas províncias de Tete, Manica e Gaza, afectando duramente a economia da região central do nosso país.

Nesta fase, a África do Sul não se envolveu directamente no conflito, apesar de haver oficiais daquele país envolvidos no «projecto do MNR», a ser executado pela Rodésia; ao mesmo tempo que fornecia homens e equipamento militar pesado ao exército rodesiano para a guerra contra o nosso pais. Aquele país tentou pressionar Moçambique fundamentalmente através da redução dos laços económicos que até então existiam.
Assim:
  • Desceu o número de moçambicanos que trabalhavam nas minas da África do Sul, de um efectivo de 100 000 homens por ano, para 45 000.
  • Suspendeu unilateralmente, em Abril de 1978, os acordos existentes, do pagamento de parte dos salários dos mineiros em ouro, a preços oficiais.
  • Reduziu o tráfego ferroviário através do porto de Maputo.
Após a vitória de Robert Mugabe nas eleições de Fevereiro de 1980, no Zimbabwe, criaram-se as condições para eliminar os restos do MNR, com a tomada das bases militares da Gorongosa e de Sitatonga.

Será então que a África do Sul inicia a sua ofensiva total contra Moçambique e Angola. Em Abril, pouco antes da independência do Zimbabwe, o comando do MNR e cerca de 250 tropas foram transferidos do Zimbabwe Oriental para a África do Sul e, em 30 de Janeiro de 1981, comandos sul-africanos atacaram algumas infra-estruturas do ANC na cidade e periferias de Maputo. Neste ano, a actividade militar do MNR começou gradualmente a intensificar-se, estendendo-se os seus ataques a outras províncias, incluindo a Zambézia, Tete, Inhambane, Gaza e Niassa.

Esta actividade só era possível graças aos abastecimentos sul-africanos, que entravam livremente através do Malawi, ou por outras rotas terrestres. Mas também por via aérea, através de helicópteros ou aviões de transporte, ou ainda por mar.

Os ataques da RENAMO viriam a aumentar de intensidade nos anos seguintes, obrigando as tropas zimbabueanas a entrar em Moçambique, em finais de 1982, para defenderem os corredores de transporte, fundamentais para o comércio e importação do petróleo para o Zimbabwe.

O culminar desta actividade militar viria a ocorrer em Outubro de 1986, com os ataques da RENAMO, a partir do Malawi, as províncias de Tete, Zambézia e Sofala, com o apoio de comandos sul-africanos, na tentativa de dividir o país. Foi neste ambiente de grande conflitualidade, que o avião onde seguia o primeiro presidente moçambicano, Samora Moisés Machel, se despenhou em Mbuzini, em 19 de Outubro de 1986, por razões ainda hoje não totalmente esclarecidas tendo assumido a presidência do pais, Joaquim Alberto Chissano.

O Acordo de Nkomati
O Acordo de Não-Agressão e Boa-Vizinhança assinado entre a República Popular de Moçambique e a República da Africa do Sul, a 16 de Margo de 1984, veio no seguimento da deterioração da situação na África Austral, do agravamento da situação em torno da questão da Namíbia e da possibilidade da intervenção de forças externas à região no conflito. Esforços foram feitos, no sentido de dar um maior esclarecimento aos EUA sobre a natureza do conflito na África Austral. Começaram assim a verificar-se alterações positivas nas declarações dos responsáveis americanos. No seguimento do envolvimento americano, em Dezembro de 1983, delegações de Moçambique e da África do Sul encontram-se na capital da Suazilândia. Em Janeiro do ano seguinte, as delegações dos dois países voltaram a reunir-se, nas capitais de ambos os países, onde estabeleceram as condiqöes e os termos para a assinatura do acordo.
«O Acordo de Nkomati é um documento único entre os Estados da nossa zona. A sua necessidade resultou não tanto das diferenças que opõem os nossos Estados, mas sobretudo do processo de confrontação que se desenvolveu, gerando a consciência de que não era este o caminho que melhor servia o interesse dos nossos dois países.
Assumimos aqui o compromisso solene de não desencadearmos acções agressivas, de qualquer tipo, um contra o outro, e criámos condições para, com honra e dignidade, ver instalar-se uma nova fase de estabilidade e segurança nas nossas fronteiras comuns.
Não queremos que a África Austral, e, em particular os nossos dois países sejam palco dum conflito generalizado. Por isso consagrámos no Acordo de Nkomati o princípio de que os nossos Estados não serão utilizados por qualquer outro Estado ou conjunto de Estados para pôr em causa a soberania, a integridade territorial ou a independência dos nossos países.»
Extracto do discurso do Presidente Samora Machel.

Esta ofensiva viria a ser rechaçada pelo exército governamental, com o apoio de tropas tanzanianas e Zimbabweanas. Entre 1987 e 1988, a guerra em Moçambique atingiu o seu ponto máximo. Mas o cansaço entre todos os beligerantes, a que se juntava ainda um ambiente internacional favorável a resolver os «conflitos regionais», abririam caminho para as negociações de paz.

A Resistência Nacional Moçambicana (MNR)
Resistência Nacional Moçambicana (MNR) foi criada em 1976. Nos seus efectivos contava com agentes recrutados pela Organização Central de Informações da Rodésia (CIO) desde o início dos anos 70, elementos que haviam servido nas unidades portuguesas de contra-insurgência e na polícia secreta do regime colonial (PDE) e desertores do exército da FRELIMO. Estes foram transformados em unidades de combate pela CIO rodesiana e pelos comandos de elite dos Serviços Especiais Aéreos (SAS), e as suas fileiras foram alargadas a recrutas raptados nas zonas fronteiriças. Estes elementos agiam como espiões ao serviço do exército rodesiano ou acompanhavam algumas unidades daquele exército em missões de sabotagem ou levavam a cabo as suas próprias missões. O MNR emitia ainda, a partir da Rodésia, propaganda anti-moçambicana através da Voz da África Livre.
O seu primeiro comandante foi André Matsangaíssa, que fugiu para a Rodésia em Outubro de 1976, depois de ter servido brevemente o exército moçambicano, tendo sido irradiado do mesmo por corrupção. Viria a ser morto na primeira grande acção que o movimento efectuou contra a Vila da Gorongosa, tendo sido substituído por Afonso Dlakhama.
Joaquim Chissano
Nasceu em Malehice (Província de Gaza), em 22 de Outubro de 1969. Fez os estudos secundários no Liceu Salazar (actual Escola Secundária Josina Machel). Aderiu ao Núcleo dos Estudantes Secundários de Moçambique (NESAM) em 1 953, tendo chegado a ser seu presidente. Seguiu para Portugal em 1960 para cursar Medicina. Abandonou clandestinamente aquele país, em virtude da sua actividade política, em 24 de Junho de 1961. Em França, por influência do Dr. Eduardo Mondlane, constituiu a União Nacional dos Estudantes Moçambicanos (UNEMO), juntamente com Pascoal Mocumbi, João Jamisse Nhambiu e Ana Simião. A convite de Adelino Gwambe, da UDENAMO, deslocou-se a Dar-es-Salaam, em meados de 1962, tendo sido apresentado como estudante daquela organização. Na mesma ocasião contactou Mateus Mole e Imaninga Milinga, da MANU, pressionando a UDENAMO e a MANU para que se unissem.

Joaquim Chissano
Foi Secretário do Departamento de Segurança da FRELIMO. Apos a reunião do Comité Central, em Abril de 1969, viria a integrar o Comité Executivo da organização.
Apos o golpe de Estado em Portugal, em Abril de 1974, viria a ser nomeado 1.0 Ministro do Governo de Transição, tendo tomado posse a 20 de Setembro daquele ano. Apos a independência nacional assumiu o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Assumiu a Presidência do pais, após a morte de Samora Machel, em Outubro de 1986. Em 1994 é eleito para o mesmo cargo nas primeiras eleições democráticas realizada no pais, tendo sido reeleito em 1999. Permaneceu neste cargo até 2005.
Venceu a 1ª edição do Prémio MO Ibrahim, em 2007, destinado aos estadistas africanos.


Bibliografia
SOPA, António. H10 - História 10ª Classe. 1ª Edição. Texto Editores, Maputo, 2017.

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