Os caminhos e a conquista da Paz em Moçambique

Os caminhos e a conquista da Paz em Moçambique

O papel das Igrejas, com especial destaque para as igrejas protestantes e católica, foi determinante neste processo. A uma primeira fase de crispação entre o Governo moçambicano e estas, viria a ocorrer em Dezembro de 1982, num encontro entre o presidente Samora Machel e as organizações religiosas, dando assim possibilidade para que estas viessem a procurar os caminhos do diálogo e da paz. Assim, as igrejas protestantes, congregadas no Conselho Cristão de Moçambique, decidiu criar uma Comissão de Paz e Reconciliação, em Novembro de 1984. Por seu lado, a igreja católica, desde 1985, enveredou pelo mesmo caminho. D. Jaime Gonçalves (Fig. 22), arcebispo da Beira e Presidente da Conferência Episcopal de Moçambique, procurava estabelecer contactos com representantes da resistência moçambicana, tendo para isso visitado várias cidades europeias.

Será apenas em inícios de 1988, após assentimento do Governo moçambicano, que protestantes e católicos tentam intermediar os primeiros contactos exploratórios com a RENAMO, o que viria a ocorrer em Nairobi, em Abril de 1988 e que prolongaria até Agosto do ano seguinte. O primeiro encontro importante entre os religiosos católicos e protestantes e a RENAMO viria a dar-se em 26 e 27 de Fevereiro de 1989, tendo esta última declarado ter já constituído uma comissão de seis membros para representar aquele movimento no diálogo com o Governo. Em contactos posteriores, realizados em Agosto, as igrejas entregaram à RENAMO um documento elaborado pelo Governo moçambicano, com 12 pontos, estabelecendo as pré-condiqöes para o diálogo entre as duas partes. Por seu lado, em resposta, o movimento oposicionista entregaria um novo documento, Bispo da Beira (1984-2012). de sua autoria, com 16 pontos prévios. A partir daqui todo o processo se desenrolaria com relativa celeridade, até à designação de Robert Mugabe, Presidente do Zimbabwe, e Daniel Arap Moi, do Quénia, para servirem de mediadores no diálogo directo entre o Governo Moçambicano e a RENAMO. As primeiras negociações indirectas realizaram-se em Nairobi entre 10 e 14 de Agosto de 1989, em Nairobi, com a presença de Afonso Dlakhama, a chefiar a delegação da RENAMO, estando também presente uma delegação do Governo moçambicano, liderada por Armando Guebuza, com o objectivo de clarificar o que fosse necessário, mas afastada da mesa das negociações.

A falta de confiança entre as partes viria a bloquear o processo negocial. Este só viria a ser retomado após o Presidente Joaquim Chissano, ter declarado, depois do encontro com o presidente americano George Bush, em Washington, em 14 de Março de 1990, estar disponível para dialogar com a RENAMO sem quaisquer pré-condições. A RENAMO viria a aceitar esta oferta do Governo moçambicano.

A intervenção dos dois estadistas africanos foi interrompida em meados de 1990, quando falhou o primeiro encontro directo em Blantyre (Malawi), a 12 de Junho, entre uma delegação do Governo moçambicano e representantes daquele movimento de resistência. Na altura, a justificação dada foi que a não realização do encontro tinha sido motivada por «aparentes dificuldades experimentadas pela RENAMO e pela delegação do Quénia».
Fig. 21 D. Dinis Sengulane Bispo anglicano
 da Diocese dos Libombos (1976-2014).

Fig. 22 D. Jaime Goncalves. Bispo e 
arcebispo da Beira (1984-2012).






As negociações entre o Governo de Moçambique e a RENAMO e a assinatura do Acordo Geral de Paz em Roma

Após o falhanço do encontro directo em Blantyre, o Governo moçambicano mostrou-se disponível a enviar uma delegação a Roma para se encontrar com a RENAMO. Por seu lado, a RENAMO manifesta a mesma disponibilidade para que os encontros se realizassem naquela cidade europeia. O primeiro contacto oficial entre os dois opositores viria a ocorrer secretamente na sede da Comunidade de Santo Egídio, entre 8 e 10 de Julho de 1990.

Fig. 23 Acordo Geral de Paz assinado em Roma, em 1992.

Delegações participantes no acordo geral de paz
Governo Moçambicano
RENAMO
Observadores Mediadores

Armando Guebuza, chefe da Delegação, Ministro dos Transportes e Comunicações.
Raúl Domingos, chefe da delegação, Chefe do Departamento de Relações Exteriores.
Mário Raffaelli, representante do Governo italiano

Teodato Hunguana, Ministro da Informação.
Vicente Ululu, chefe do Departamento de Informação.
Jaime Goncalves, Arcebispo da Beira

Aguiar Mazula, Ministro do Trabalho.
Agostinho Murrial, vice-chefe dos Assuntos Políticos.
Andrea Riccardi, Presidente da Comunidade de Santo Egídio

Francisco Madeira, conselheiro diplomático presidencial.
João Francisco Almirante, membro do Gabinete presidencial.
Matteo Zuppi, da mesma associação


Os problemas levantados nesta sessão inicial caracterizariam todo o processo negocial, ao longo de vinte e sete meses, como sejam o estabelecimento da agenda do processo e a escolha dos mediadores no decorrer das negociações. No entanto, muitas das dificuldades seriam ultrapassadas, na medida em que se procurava realçar aquilo que unia as duas delegações e o papel a que se remeteram os observadores,

depois mediadores, de não se sobreporem aos interesses dos negociadores. O Acordo Geral de Paz assinado em Roma, em 4 de Outubro de 1992, não era um documento único, mas o resultado da assinatura de sete protocolos, bem como quatro comunicados e declarações conjuntas que apareceram em fases diferentes das negociações:
  • Protocolo I – era um acordo básico em que as duas partes se comprometiam a atingir um acordo de paz, baseado numa agenda anterior adoptada para as negociações. Para monitorar a implementação do acordo, as partes acordaram que se deveria criar uma comissão composta por representantes do Governo de Moçambique, da RENAMO, da ONU e de outras organizações e governos a acordar pelas partes.
  • Protocolo II – assinado a 13 de Novembro de 1991, era um acordo sobre a necessidade de implementar uma democracia multipartidária em Moçambique. A RENAMO poderia assim começar as suas actividades como partido político em Moçambique imediatamente apos a assinatura do acordo.
  • Protocolo III – delineava os princípios do processo eleitoral, incluindo uma listagem geral, ligada ao trabalho dos partidos políticos, e alguns princípios orientadores para as eleições e participação de observadores internacionais.
  • Protocolo IV – tratava das questões militares e determina a nova estrutura das Forças Armadas de Moçambique, cujos efectivos deveriam sair das forças armadas de ambas as partes, que, entretanto, seriam dissolvidas. Cada parte deveria contribuir com 50% dos 30 000 homens que deveria constituir o novo efectivo militar.
Este documento previa ainda a despartidarização dos serviços de segurança e polícia, e estabelecia um calendário para a desmobilização de todas as tropas que iriam fazer parte das novas forças.
Determinava ainda a criação de uma série de comissões internacionais de verificação e supervisão para tratarem da sua implementação.
  • ·       Protocolo V – determinava a planificação cronológica do processo eleitoral, determinando que estas deveriam ter lugar dentro de um ano apos a assinatura do Acordo Geral de Paz Estabeleceu a comissão que iria supervisionar o cessar-fogo e monitorar o processo até à tomada de posse do novo governo. Acordou-se também que o governo iria solicitar à ONU para participar na monitoria e implementação do AGP.
  • Protocolo VI – estabeleceu o cronograma para o cessar-fogo e a sua implementação em quatro fases:
  • - Cessar-fogo.
  • - Separação das forças.
  • - Acantonamento das forças separadas.
  • - Desmobilização.
Os prisioneiros políticos seriam libertados.
  • Protocolo VII – as partes acordaram solicitar à comunidade internacional financiamento para a implementação do Acordo Geral de Paz. Seria convocada uma conferência de doadores com este objectivo, Uma parte destes fundos seria posta à disposição dos partidos políticos para financiarem as suas actividades.

As duas cimeiras entre Joaquim Chissano e Afonso Dlakhama
No âmbito dos problemas negociais entre o Governo moçambicano e a RENAMO realizaram-se duas cimeiras entre Joaquim Chissano e Afonso Dlakama. A primeira teve lugar, na presença de Robert Mugabe, em Roma, de 4 a 7 de Agosto de 1992. Neste encontro, após concessões de ambas as partes, permitiu-se marcar um prazo limite para a assinatura do Acordo Geral de Paz, estabelecido para 1 de Outubro, ao mesmo tempo que o governo prometia acolher as mudanças legais à Constituição feitas pela RENAMO. Na segunda, realizada em Gabarone (Botswana), em 18-19 de Setembro do mesmo ano, foram abordadas questões relacionadas com o efectivo do novo exército nacional, o Serviço de Informação do Estado (SISE) e a reestruturação das forças policiais, tendo-se criado duas comissões de verificação: uma para o SISE e outra para a policia. Acordos satisfatórios sobre as questões do SISE e da polícia só viriam a ser assinados nas vésperas do AGP, em 2 de Outubro.



Bibliografia
SOPA, António. H10 - História 10ª Classe. 1ª Edição. Texto Editores, Maputo, 2017.

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